Diário de bordo #14 – O que é Schumacher College para quem estuda etrabalha aqui

Por Letícia Maria Klein Lobe •
30 novembro 2016
Depois de uma incursão pela história, rotina, princípios e festividades na Schumacher College, o último vídeo da série sobre a escola traz a opinião de estudantes, voluntários e funcionários sobre o que este lugar de aprendizado transformacional significa para cada um. Abaixo do vídeo, tem a segunda parte das entrevistas sobre os desafios de viver nesta comunidade, aprendizados e como é trabalhar aqui (como voluntário ou funcionário).



Como está sendo sua experiência na Schumacher College?

“A experiência aqui é muito intensa, de várias formas. Acho que tudo aqui é sentido ao extremo, o bom, o mal, a intensidade. Tudo aqui é tão intenso, é fantástico e intenso. Estar aqui na Schumacher está me ajudando a ter uma visão melhor e mais clara de mim mesma e do mundo.”
Anat Haas, israelita, cursando o mestrado em Economia para transição.

“Está sendo uma experiência incrível. Além de toda teoria, leitura e coisas que temos que estudar, o cuidado que a escola oferece não só com o corpo físico, mas também com a parte mental e espiritual faz toda a diferença em comparação com outras universidades.”
Debora Leal, brasileira, cursando o mestrado em Economia para transição.

“Tem sido fantástica. Estou aprendendo muita coisa nova. Eu me senti super bem acolhida, mesmo antes de vir eu já senti que seria assim.”
Cristiane Guerreiro, brasileira, cursando o mestrado em Ecological design thinking.

“Eu estou percebendo muitas mudanças em mim. Tudo está sempre mudando. Está sendo uma boa oportunidade para enfrentar dificuldades no aprendizado, porque eu não estudei ciência.”
Lisa Tanaka, japonesa, cursando o mestrado em Ciência Holística.

“Aprender a lidar e interagir com a comunidade. Há limitações em relação à liberdade, que existe, mas trabalhá-la pelo bem comum é um desafio. Eu não quero colocar valor na experiência, porque é em si enriquecedora. Não tem nada de mal aqui, cada um tem seus desafios. Vale a pena cada minuto da experiência.”
Marc Haentjens, alemão, cursando o mestrado em Ciência Holística.

“A experiência está sendo ótimo, estou adorando. Acho que o principal para mim é a vida em comunidade e isso foi uma novidade para mim e um dos motivos pelo quais eu vim. Então, estou bem interessada em ver como eu posso levar isso de volta para casa e construir comunidade no meu país. Tem sido ótimo conhecer pessoas de todas as partes do mundo e suas histórias de vida, ouvir sobre o que está acontecendo em seus países e aprender sobre novas possibilidades e alternativas.
Deirdre Kelly, irlandesa, cursando o mestrado em Economia para transição.

“Eu me surpreendi, porque eu realmente achei que [a experiência] seria constantemente elevada, mas obviamente isso não acontece porque você tem momentos bons e ruins. Tem sido uma experiência incrível, eu me sinto muito privilegiado de estar aqui e tentar apreciar isso todos os dias coloca uma pressão em estar lá todos os dias. Mas olhando para trás e revendo meu diário, onde eu às vezes escrevo sobre meu dia, eu penso “eu realmente fiz tudo isso?”. Eu lembro de um dia em que tivemos aula do Stephan [coordenador do mestrado em Ciência Holística] sobre a teoria de Gaia, em que ele tocou lindamente o violão. Então andamos de volta do Elmhirst Center [no topo do morro] pela floresta, à beira do rio, nadamos no rio. Durante o jantar, eu conversei com Pat McCabe, uma mulher maravilhosa da cultura indígena dos Estados Unidos e depois tivemos histórias ao redor da fogueira em comemoração ao equinócio de outono. Esse é um dia normal aqui, então é maravilhoso.”
Samson Hart, inglês, cursando o mestrado em Economia para transição.

Quais são os seus desafios ao viver nesta comunidade?

“Primeiramente, eu estou aqui com meu parceiro, o que é um desafio porque comunidades pequenas são bem desafiadoras, pois você sempre vê as mesmas pessoas. Pode não ser fácil, às vezes, quando você tem discussões, desacordos ou quando você não gosta de alguém. Esta não é a parte mais fácil. Também, quando as coisas não acontecem da forma como eu gostaria e eu preciso aceitar, porque é assim que funciona. Porque tudo aqui é tão intenso, tudo que poderia ser um pouco difícil se torna intensamente difícil. Então, o que na minha casa seria ok, aqui se torna mais emocional.”
Anat Haas, israelita, cursando o mestrado em Economia para transição.

“A Schumacher te proporciona muitas possibilidades. Tem a sala de artes, tem os cursos de marcenaria, de costura, então a gente fica com a ansiedade de estar deixando alguma coisa de fora. A gente tem tanta leitura, tanto estudo, tanta aula, a gente quer se integrar e conversar com todo o mundo, mas chega num dado momento que você percebe que tem uma pessoa com quem você está há meses no mesmo lugar e ainda não conseguiu trocar uma palavra com ela. Acho que um dos maiores desafios, apesar de todo o acolhimento, é justamente você conseguir ter tempo para parar e não fazer nada. Para mim, está sendo um desafio me permitir não fazer nada, porque sempre tem algo bacana para fazer aqui.”
Debora Leal, brasileira, cursando o mestrado em Economia para transição.

“Às vezes tem muita gente aqui, por causa dos cursos curtos, daí eu não gosto, eu me sinto invadida, porque é como se a gente estivesse em casa, mas de repente vem um monte de convidado que eu não convidei e fica aquele tumulto. Outra dificuldade que eu tenho é de achar minha rotina dentro da rotina daqui. Tem muita coisa para fazer, toda hora e às vezes falta um espaço, por exemplo, quando eu vou estudar e cuidar de mim. Então tem que aprender a falar não aqui, aprender a se sentir e ter seus momentos consigo mesmo, porque não dá para participar de tudo.”
Cristiane Guerreiro, brasileira, cursando o mestrado em Ecological design thinking.

“Um dos desafios que às vezes enfrentamos é tentar fazer o trabalho na comunidade ser visto como um prazer e não uma tarefa, para que as pessoas vejam que passar meia hora lavando louça não é negativo ao fim do dia, mas uma forma de se engajar na comunidade. Então é um desafio quando as pessoas não veem as coisas dessa forma.”
Rachel Musson, inglesa, voluntária.

“Sempre tem muito acontecendo, então tem que decidir para o que dizer não. Todos queremos aproveitar ao máximo nosso tempo aqui, então você quer dizer sim para tudo, mas saber que ter uma pausa e refletir também é importante. Outro desafio é sobre o que mais nós precisamos ver que ainda não percebemos, pois aceitamos o status quo, então precisamos nos desafiar e tentar fazer a transição de velhos paradigmas para novos paradigmas.”
Deirdre Kelly, irlandesa, cursando o mestrado em Economia para transição.

Como é a experiência de voluntariar/ser funcionário na Schumacher College?

“Eu tive a experiência como estudante e agora como voluntária. Para mim, a diferença é entre ser apoiado e oferecer apoio. Como voluntária, há mais responsabilidade e necessidade de saber tudo que acontece, mas é a mesma alegria de viver em comunidade.”
Diana Behrens, brasileira, voluntária (cursou o PG Cert em Ciência Holística em 2015)

“Estudar, viver, comer, cozinhar e trabalhar juntos faz da experiência de aprendizado algo muito especial. Facilita muito a inteligência coletiva e a troca entre cursos. As pessoas que vêm aqui são incríveis, com histórias loucas. Este é meu segundo ano, agora estou trabalhando aqui. Depois de começar a namorar Diana [Behrens], fomos para o México e decidimos ficar mais um ano aqui para devolver um pouco de tudo que esta comunidade nos deu e também para aprender sobre os desafios que significam manter o espaço são e seguro para viver, aprender a viver em comunidade e tomar decisões em comunidade.”
José Alejandro, mexicano, voluntário (cursou o mestrado em Economia para transição em 2015/2016)

“Ser um voluntário amplia a perspectiva da Schumacher College e eu adoraria ver em prática a ideia de o mestrado incluir uma parte de voluntariado depois dos estudos. Então, eu encorajaria qualquer um que estudou aqui a voluntariar depois, porque a perspectiva se torna muito mais rica e viva."
Ingrid Cozma, romena, voluntária.

“É um trabalho pesado, mas que é uma linda forma de contribuir. O que é de fato interessante aqui é que ao ser um facilitador de várias tarefas aqui, você se envolve em muitos dos aprendizados que estão ocorrendo e, da mesma forma, permite que os estudantes se engajem nos bastidores do que acontece, então tudo está integrado. É uma verdadeira honra poder vir aqui e dar e receber."
Rachel Musson, inglesa, voluntária.

“Primeiro eu vim como participante de um curso curto, quando tive uma experiência muito intensa, alucinante. Depois voltei como voluntário e aquela foi uma experiência sobre servir, você entende muito mais as dificuldades e desafios que existem aqui na escola. O mestrado que fiz depois foi uma jornada, como cada mestrado aqui é. Muitos desafios e aprendizados além do conteúdo do curso e isso é uma grande da experiência aqui na escola e em Dartington. Finalmente, trabalhar como funcionário proporciona uma nova camada de desafios. Ver os bastidores, os desafios em manter o lugar e os valores e ter que se moldar perante regras e regulamentos de organizações externas, como escolares, governamentais ou o Estate. Como eu consigo unir todas estas experiências é ver os desafios a partir de todas as perspectivas porque eu acho que geralmente tem mal-entendidos e falhas na comunicação entre os vários grupos.”
Faze Ali, inglês, funcionário do departamento de instalações (cursou o mestrado em Ecological design thinking, ex-voluntário).
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Diário de bordo #13 – Dia de fazer suco de maçã

Por Letícia Maria Klein Lobe •
23 novembro 2016
O Apple Pressing Day é uma data muito querida e aguardada aqui na Schumacher College e o quarto vídeo da série sobre a escola é todinho sobre este festival de maçãs. As maçãs frutificam no verão (quando é inverno no hemisfério sul) e nas semanas que antecedem o “dia de pressionar maçãs”, uma força-tarefa é colocada em prática para colher o máximo possível de frutas para fazer o suco no fim de semana marcado, que foi o dos dias 22 e 23 de outubro. A comunidade Schumacher se reúne (funcionários, estudantes e voluntários) para selecionar, triturar e pressionar maçãs, engarrafar e pasteurizar o suco. Põe força-tarefa nisso! Colhemos 2,5 toneladas de maçãs e produzimos cerca de 1700 garrafas de suco!



Os sucos que estávamos tomando até aquele fim de semana tinham sido produzidos no ano passado e os que produzimos serão consumidos por nós e novos integrantes desta comunidade até o fim do ano que vem. As macieiras foram plantadas há 25 anos aqui perto da escola, nos pomares de Dartington Hall, por Marina O’Connell Brown, que era responsável pelo programa de horticultura na Dartington School Farm.

Teve uma época em que o conselho de Dartington Estate queria acabar com as macieiras, mas Mary Bartlett, que veio a Dartington em 1963 como estudante de horticultura e se tornou responsável pelas estufas, viveiro e jardins de Dartington Hall, resgatou o pomar. A Schumacher College assumiu o cuidado do pomar e um estudante chamado Justin, há uns oito anos, teve a ideia de fazer suco com as maçãs. A partir de então, todos os anos acontece o Apple Pressing Day, festival de união em torno da produção do mais delicioso suco de maçã!

A maioria das maçãs que comemos aqui na Schumacher College vem da fazenda de orgânicos Riverford e uma parte é das macieiras plantadas nos jardins da escola. As utilizadas para fazer o suco são todas dos pomares de Dartington Hall.

Foi muito divertido participar do Apple Pressing Day, adorei! Fiz um pouco de tudo, mas fiquei principalmente na cozinha engarrafando e pasteurizando o suco. São momentos como este que fortalecem a noção de comunidade e a importância de cada um fazer a sua parte para o sucesso de todos.

Fonte: Julia Tholozan





Fonte: Julia Tholozan

Fonte: Julia Tholozan

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Diário de bordo #12 – O que a Schumacher College faz com os resíduos sólidos?

Por Letícia Maria Klein Lobe •
21 novembro 2016
Uma coisa é certa: eles não vão para o aterro sanitário! Nem poderia, levando em conta os princípios da escola. A Schumacher College e todo Dartington Estate contratam o Devon Contract Waste Ltd, empresa que opera o programa Zero to landfill (zero para aterro sanitário). Os resíduos são separados em sacos de comida, resíduos sólidos gerais e vidro. O que a escola separa para este contrato são os resíduos sólidos gerais, porque a comida é compostada aqui mesmo, como vimos neste vídeo, e os vidros são reutilizados ou enviados para outra empresa.

Entrei em contato com a empresa Devon Contract Waste Ltd para saber detalhes do processo de reciclagem e troquei alguns e-mail com Simon Almond. Por serem uma empresa, e não governo, eles coletam os resíduos de quem os contrata, que são geralmente outros empreendimentos. Os resíduos coletados são levados para um centro de processamento de alta tecnologia na cidade de Exeter. Para tudo funcionar, os clientes precisam separar os resíduos sólidos gerais, a comida e o vidro em sacos diferentes.

Conforme informações de Simon, os resíduos sólidos gerais passam por um processo de sete etapas que extrai até 68% de materiais recicláveis, que incluem papel maior que três centímetros de diâmetro, papelão, polietileno, garrafas de plástico PET, plástico rígido PP, latas e outros metais e frascos de PEAD. Eles também reciclam lâmpadas, mas a coleta é separada do restante dos resíduos. Os vidros são reciclados separadamente.

O centro de processamento da empresa em Exeter

Como informa o rodapé do e-mail do Simon, “para cada tonelada de papel ou papelão feita de polpa reciclada, 17 árvores, 3 metros cúbicos de aterro sanitário, 7000 litros de água, 4200 kwh, 390 galões de óleo são poupados e 60 quilos de poluentes não são emitidos”.

O restante que não é reciclável é enviado para usinas de geração de energia a partir da queima dos resíduos. As usinas são das empresas Sita, no estado da Cornualha, e MVV, na cidade de Plymouth. Elas produzem energia para a rede de distribuição elétrica e água quente para as docas que aquecem os prédios das empresas.

Aqui na Inglaterra, todos os resíduos sólidos passíveis de reciclagem são colocados em um único saco. Penso que se eles coletassem os resíduos mais separados (como temos as latas coloridas, por exemplo), a porcentagem do que é reciclado poderia ser maior. Queimar resíduo não é a melhor das opções, pois, do ponto de vista do conceito lixo zero, são recursos valiosos que estão sendo queimados e este processo acaba incentivando a ideia de que não tem problema gerar lixo, pois ele vai ser queimado no fim para energia. Por ora, porém, é melhor do que deixar os resíduos apodrecendo no aterro sanitário.

Esta parte que sobra inclui pequenos pedaços de papel de má qualidade e menor que três centímetros de diâmetro, grãos, plástico sujo e itens como roupas velhas, sapatos e alguns alimentos que são colocados junto com os outros resíduos. Embalagens Tetra Pak também não são recicladas, sendo queimadas para energia (!!!). Confesso que fiquei horrorizada, pois aqui na Schumacher se consome muito leite vegetal (de arroz, amêndoas, soja) e eles são embalados em Tetra Pak. Simon afirmou que dos subprodutos da queima, 96% é gás e 4% cinzas, as quais são processadas em produtos de construção e que poucas cinzas tóxicas são geradas no processo, pois os plásticos rígidos são removidos. Ele ainda disse que, segundo a MVV, as emissões de gases na atmosfera provenientes da chaminé da usina são comparáveis, em termos de poluição, a um “típico carro familiar”.

Segundo Simon, a empresa coleta 30 mil toneladas de resíduos por ano nos locais que opera aqui na Inglaterra, o que representa menos de 5% de todos os resíduos gerados no setor comercial no condado de Devon. Deste total, 4800 toneladas (16%) são resíduos de comida, que vão para a fazenda Langage, perto de Plymouth. Lá, os restos de comida passam por um processo de decomposição anaeróbica. O gás gerado é queimado para produzir a energia que alimenta a fazenda, sendo que a energia excedente vai para a rede elétrica. A fazenda é uma fábrica é de sorvetes e o composto é usado no pasto onde ficam as vacas, que são usadas para produzir o leite para os sorvetes e cremes. Depois desta conversa com Will Tuttle e outras pessoas aqui na Schumacher, preciso dizer que não gostei dessa parte do processo.


Este vídeo da empresa mostra como funciona a máquina que separa os resíduos

Além do Simon, conversei também com o Patrick Edwards, coordenador das instalações aqui na Schumacher College, sobre reciclagem e o que pode ser melhorado aqui na escola em relação a isto.

Como a escola trata os resíduos gerados?

O que procuramos fazer aqui na Schumacher College e em Dartington é reduzir ao máximo o que enviamos para aterros sanitários. Contratamos a empresa responsável pelo programa Zero to landfill, um mecanismo através do qual conseguimos dispor quase todos os resíduos que produzimos nas lixeiras do Zero to landfill, que são levados a um centro onde é feita uma seleção mecânica do que é e não é reciclado. O que não é reciclado é queimado para produção de energia. Vidros e baterias são coletados separadamente. As baterias e pilhas são levadas a um ponto de coleta na cidade e os vidros são recolhidos por outra empresa. A escola e o Estate fazem parte do programa há cinco ou seis anos.

Localmente, em Totnes e no sul de Devon, os serviços de reciclagem oferecidos pelo governo não são tão bons quanto deveriam ou poderiam ser, nem tão bons quando comparados com serviços em outras partes do país. Em outros locais onde vivi e trabalhei, existem programas lixo zero em que tudo é separado. Localmente, o governo estipula o que você pode e não pode reciclar, então algumas coisas que você pode reciclar não são coletadas; por isso não utilizamos o serviço do governo.

Que melhorias podem ser feitas na escola para evitar a geração de lixo?

Não é só o que você gera de resíduo, mas o que leva à geração a partir do que você consome. Uma das maiores dificuldades que temos aqui é que muitos dos nossos equipamentos e utensílios somem ou quebram, porque as pessoas não cuidam exatamente bem. Então gastamos muito dinheiro e recursos comprando coisas que já temos e que foram danificadas. Por exemplo, as pessoas levam cobertores para fora e deixam na chuva. Todos nós como comunidade poderíamos fazer muito mais para evitar a geração destes resíduos, cuidando mais das coisas. Nós compramos os produtos de limpeza em unidade e nós poderíamos comprar refil. Tentamos isso antes e parte do problema é que ninguém usava os refis para encher os potes. Então, se conseguirmos mudar o pensamento e começarmos a viver e respirar comunidade, vamos gerar menos resíduos. As embalagens são recicladas, mas evitaríamos muito desperdício se não gerássemos esses resíduos em primeiro lugar.

Que soluções você vê para as coisas que desaparecem ou são danificadas?

Eu não sou fã de placas e anúncios, porque quando há muitos, você não lê. Frequentemente tentamos lembrar as pessoas para não levarem coisas consigo. Não sei exatamente porque as pessoas fazem isso. Não são só estudantes, mas voluntários e colaboradores também. Nós todos usamos mal os equipamentos e utensílios. Às vezes estou em casa e acho alguma coisa na minha mochila que é da escola e que eu levei para casa acidentalmente. Então, frequentemente, não é um ato deliberado. É um problema grande, muitas coisas elétricas, xícaras, pratos e até camas somem! Então, acho que é importante que todos tenham consciência do impacto que têm, do impacto das suas decisões sobre a escola e mais importante, sobre Gaia, o ambiente.

Não é porque temos o programa Zero to landfill que não devemos melhorar ou procurar alternativas para fazer melhor. No Reino Unido e na União Europeia, há regulamentos que se aplicam aos equipamentos eletroeletrônicos. Uma vez por ano nós contratamos uma empresa para recolher estes equipamentos e reciclá-los. Coisas que não queremos mais, mas ainda funcionam, como lâmpadas, são levadas a charity shops (brechó cuja renda é revertida para caridade). Móveis, quando possível, são levados a uma loja em Totnes para serem restaurados e eles também vendem móveis usados e restaurados. Uma dificuldade neste aspecto é que há leis ou regulamentos que temos que seguir como instituição/organização. Por exemplo, precisamos adquirir uma mesa para um funcionário e os regulamentos atuais preveem que as mesas possam ser reguladas para cima e para baixo, só que não conseguimos achar este tipo de mesa em loja de móveis usados. Então, neste caso, precisamos comprar uma mesa nova, mas procuramos ao máximo comprar móveis usados.
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Diário de bordo #11 – Da terra à terra através da compostagem

Por Letícia Maria Klein Lobe •
16 novembro 2016
Na natureza não existe desperdício, tudo é reaproveitado no ciclo da vida. Por sermos também natureza, uma espécie da sua biodiversidade, é natural que a gente viva da mesma forma, sem produzir lixo (infelizmente, essa não é a regra geral, pois muito do que geramos é enterrado ou simplesmente empilhado em lixões, causando diversos impactos negativos). Neste terceiro vídeo da série sobre a Schumacher College, as responsáveis pelo cultivo de alimentos e manutenção das hortas falam sobre a importância da compostagem num sistema fechado, sem desperdícios, e explicam os processos para compostar todos os resíduos de comida, podas e humanos (sim, os do banheiro!), transformando-os em solo rico em nutrientes. As entrevistas completas estão abaixo e tem dois vídeos, um curto bem resumido e um mais longo que mostra os processos completos. Ao fim do post tem um pôster lindo que a Ella fez sobre compostagem, cheio de detalhes, desenhos e muito amor. Remember, remember, composting in November! Neste mês, estamos celebrando a compostagem aqui na Schumacher College! Aqui está a playlist com o primeiro vídeo contando a história e dia a dia da escola e o segundo sobre a relação da escola com a comida.


Vídeo curto


Vídeo completo

Entrevista com Jane Gleeson – Horticultora chefe na Schumacher College

Qual a importância de se fazer compostagem?

Se as pessoas entendessem o quão importante a compostagem é! Não é apenas uma coisa boa para fazer com os restos de comida. É bom para gerar comida em primeiro lugar. Se você é um produtor num pedaço de terra, muito da produção é colhido para consumo e outra parte pode voltar para o solo. Ao fazer compostagem do que você não come (qualquer parte dos vegetais que você não come pode ser compostada e retornada ao solo) você completa o que seria um ciclo natural. Você interfere minimamente, porque está retirando algo, mas se você retorna algo na forma de composto, então você está alimentando a vida do solo, encorajando o solo a ter sua própria fertilidade. Não precisa adicionar nenhum fertilizante artifical. Então, na verdade, o composto é matéria orgânica vital. Manter este ciclo intacto, em que a matéria orgânica volta para o solo, é a chave para um solo saudável, o que é chave para plantações saudáveis.

Como podemos reduzir o desperdício de comida em casa e começar a compostar?

O principal aspecto é que as pessoas tenham consciência do que acontece com os resíduos de comida quando são colocados em um aterro sanitário. Eles não degradam e as pessoas acham que sim, elas pensam que não tem problema porque não é plástico, que dura para sempre. Mas se as pessoas perceberem que nos aterros sanitários, o processo é amplamente anaeróbio e, portanto, gera muito gás metano como subproduto, o que é potencialmente muito perigoso para o ambiente. Então, na verdade, enviar comida para aterro sanitário é prejudicial. Esta é a primeira coisa que as pessoas precisam perceber. Dentre as muitas questões, uma é sobre a quantidade de desperdício gerada, incluindo a questão de usar no prazo e vender no prazo e como as pessoas perderam a capacidade de julgar por si mesmas quando algo ainda está fresco ou comestível. Muitas coisas são ultra cautelosas com suas datas de validade, quando continuam perfeitamente comestíveis depois da data estipulada na embalagem. Também é preciso facilitar o processo de compostagem, como ter coleta de resíduos de comida, porque nem todos têm jardim para fazer compostagem. Sendo assim, as pessoas precisam entender o porquê de compostar e ter acesso a um processo facilitado.
[Quem não tem jardim, pode ter uma composteira seca ou minhocário para fazer compostagem em casa ou apartamento.]

Entrevista com Ella Sparks – Horticultora na Schumacher College

Quais são os benefícios da compostagem?

Compostar é uma forma maravilhosa de usar o que seria considerado desperdício e então acumulado que, se enviado para o aterro sanitário, vai produzir metano e outros gases indesejados, atrair ratos e causar uma variedade de problemas. Enquanto, na verdade, os resíduos de comida, sobras do jardim e corte de grama, são recursos essenciais para nós, porque fazem parte do ciclo de cultivo. Então, nós começamos no solo, plantando as sementes, e poder retornar à terra todos os restos que não são mais úteis no sistema, extraindo nutrientes e matéria orgânica para fazer crescer as plantas, reter água e melhorar a qualidade do solo, é uma forma muito importante de fechar o ciclo. O sistema precisa ser fechado. Não gostamos de ter saídas que não possam ser reintroduzidas no sistema. Na visão da permacultura, o sistema deveria se autoconter. Nós plantamos a comida, as partes que a cozinha não usa podem voltar para nós e depois de passar pelo Ridan, as caixas térmicas e as pilhas quentes, colocamos de volta no solo e lá plantamos o próximo lote de comida. Então, é um círculo muito bom. Círculo em que usamos todas as partes que de outra forma seriam desperdiçadas.

O processo de compostagem da comida e resíduos de jardinagem explicado pela Ella Sparks

Temos uma cozinha bem ativa, então há muitos resíduos de comida, que nós juntamos em baldes. Temos um ótimo instrumento chamado Ridan, que é basicamente uma hélice dentro de uma caixa térmica. Tiramos a tampa do Ridan, adicionamos os restos de comida no topo da hélice e então colocamos um pouco de aparas de madeira. Colocamos a tampa de volta. Toda vez que você adiciona comida no Ridan, deve girar a alavanca por alguns minutos. Ao fazer isso, a hélice dentro se move e empurra os restos de comida para fora. Depois de uma semana, os restos saem numa forma seca e quebradiça. Ainda tem pedaços, mas no geral está bem degradado. Qualquer coisa pode ir no Ridan, inclusive comida cozida e carne (que não temos aqui). Evitamos colocar muitos líquidos, porque não queremos que saia pingando. Caso contrário, dá cheiro e fica muito molhado. Então, o café é drenado separadamente e quando tem sopa, nós adicionamos mais aparas de madeira.

Depois do Ridan, nós temos três caixas especialmente produzidas que têm tampas e isolamento térmico para manter o material aquecido, então o calor do Ridan continua dentro delas. Nós colocamos os baldes com material que saiu do Ridan e tampamos. Quando temos uma caixa cheia, deixamos por dois ou três meses e quando voltamos, a quantidade vai ter reduzido de tamanho até pouco mais da metade da caixa. Neste ponto, o que não estava degradado antes foi degradado aqui. Agora, incorporamos o material à próxima fase, em caixotes de madeira (do mesmo tamanho das anteriores).

Adicionamos no caixote muita matéria orgânica de uma vez, tentando balancear carbono e nitrogênio. Adicionamos o material degradado e também mais material orgânico da jardinagem. Também incorporamos a urina do banheiro seco, que é rica em nitrogênio. Então temos resíduos de comida degradados, grama cortada, palhas das galinhas e patos, plantas mortas que não seja erva daninha perene. Misturamos tudo, tampamos, o ambiente fica muito quente e depois nós tiramos tudo, mexemos e colocamos de volta. Dentro de talvez um mês nós temos um solo lindo, um produto final muito bom e quebradiço e com um conteúdo orgânico muito bom. Colocamos este composto nas camas de plantação. É um jeito rápido de gerar bastante composto. Até aqui é o processo de lidar com resíduos de comida. Não é para ervas daninhas perenes, que demoram para degradar ou tem sementes, que podem espalhar.

Para as ervas daninhas perenes, nós fazemos windrows. Empilhamos tudo em faixas longas. Quando elas atingem certa altura, cobrimos com plástico preto e colocamos peso em cima. Dois anos depois, temos solo para usar e as sementes e raízes não estão mais em condições de brotar. Então é um composto bom.

O banheiro seco

Para nós, o banheiro seco é uma importante parte do sistema. Não somente uma descarga comum de vaso sanitário usa muita água, como também manda embora um recurso muito valioso para nós (os resíduos do corpo humano), contaminando água e gerando outros problemas; enquanto que, na realidade, os nutrientes que os humanos não usaram podem ser muito úteis no nosso sistema. Este é um sistema de banheiro seco muito inteligente. O vaso sanitário tem uma divisão, a urina vai na parte da frente do vaso e os resíduos sólidos vão na parte da trás. A ideia de separar a urina dos sólidos é que o sistema não tem cheiro ruim e é muito mais seco. E para nós é muito mais útil ter a urina separada dos sólidos. Então a urina desce no vaso por um cano e fica reservada num barril. Usamos a urina nos caixotes de madeira para compostagem. Você pode usá-la diretamente em plantas se diluir uma parte de urina para dez de água. Porém, temos que ter cuidado. Não usaríamos urina em plantas que são comidas cruas ou vegetais. Mas pode ser usada em arbustos frutíferos perenes e árvores frutíferas como uma nutrição extra. Estes banheiros secos são sistemas muito seguros. Geralmente pedimos às pessoas que estão tomando medicação para não usarem o banheiro seco, pois pode haver contaminação de resíduos de antibióticos que ficam na urina. A urina em si é estéril, não espalha bactérias, então não tem problema neste sentido.

A matéria seca vai ficar estocada e sempre que você usa o banheiro seco para fezes, você adiciona aparas de madeira ou serragem depois, então temos uma mistura bem seca no final. Quando este compartimento está cheio, nós mudamos para o do lado, que no momento está inativo, e este é deixado por um ano para decompor. Ao fim do período, nós olhamos o quão decomposto está. Se sentirmos que precisa ficar mais tempo decompondo, nós tiramos daqui e deixamos mais um ano decompondo. Então serão dois anos inteiros, ao final dos quais não será possível reconhecer os resíduos humanos, teremos simplesmente solo marrom e quebradiço. Usamos este composto ao redor de arbustos frutíferos perenes e árvores frutíferas como uma nutrição extra e cobertura para evitar as ervas daninhas ao redor das raízes. É perfeito para isso e é uma forma muito boa de retornar os nutrientes para a terra. Podemos usar o composto para alimentar nossas plantas de uma forma muito melhor.
Pôster fantástico, cheio de detalhes e informações

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Diário de bordo #10 – Schumacher College e sua relação com a comida

Por Letícia Maria Klein Lobe •
09 novembro 2016
A alimentação é um dos pilares da Schumacher College. A dieta vegetariana e o cultivo de alimentos orgânicos são um reflexo dos princípios e do caráter da escola. No segundo vídeo da série, as chefes da horta e da cozinha falam sobre a relação da Schumacher College com a comida, por que a dieta é vegetariana e os segredos ao cozinhar pratos vegetarianos tão deliciosos! As entrevistas completas estão logo abaixo e o primeiro vídeo da série está neste link. Espero seu comentário depois, tá? ;)


Entrevista com Jane Gleeson –  Chefe da horticultura na Schumacher College

Qual a relação da Schumacher College com a terra e a comida orgânica?

Tem a ver com o caráter da escola que nós plantemos nossa própria comida e que ela seja orgânica. Satish [Kumar] fundou a escola com outras pessoas a partir da noção de “cabeça, mãos e coração”. Então, ter o lado vocacional aliado ao ensino e à educação, como o programa de horticultura, é um aspecto importante dessa tríade. Toda a escola se beneficia das hortas e jardins. Muitos estudantes do mestrado passam um tempo jardinando, porque eles reconhecem que ficam muito em suas próprias cabeças e precisam de um equilíbrio, o que eles conseguem quando colocam a mão na massa. Seria impossível viver de acordo com o caráter e as crenças da escola sem cultivar os alimentos organicamente. Orgânica é a única forma de agricultura que é saudável para você, como consumidor dos produtos, e é também a única saudável para o solo, o que é chave para plantar a própria comida sustentavelmente. Qualquer químico que você coloca no solo é uma arma que vai matar patógenos, mas também vai matar insetos beneficiais e a vida beneficial existente no solo. Sem a vida do solo, a comida não cresce. Então não é possível cultivar comida sustentavelmente sem ser de forma orgânica.

Qual a porcentagem de comida consumida na Schumacher College que vem das hortas?

Nós tentamos cultivar uma grande proporção dos vegetais usados na cozinha. A cozinha é bem ocupada, porque às vezes temos cerca de 100 pessoas aqui. Mas neste ano, com esta expansão, nós conseguimos, dependendo da época do ano e da abundância da colheita, providenciar às vezes 100% dos vegetais, mas eu diria de 80% a 90% em média. É mais complicado no inverno, período conhecido como intervalo da fome. Mas temos dinheiro este ano para preservar as plantações e ajudar neste período. Nosso objetivo é aumentar a quantidade de comida que vai das hortas para a cozinha. Porém, não temos a determinação de sermos 100% autossuficientes, porque também queremos poder experimentar novas formas de cultivo, como cultivo agroflorestal e de vegetais perenes, que não são tão usados na nossa cozinha, mas são comuns em outras culturas. Os vegetais perenes demandam menos trabalho e não precisam da mesma quantidade de inputs (entradas no sistema/manutenção), então são mais sustentáveis. O problema é que eles não são tão saborosos ao nosso paladar. No futuro próximo, não planejamos ampliar as terras que usamos, mas vamos expandir o que estamos fazendo atualmente. Temos um espaço vazio onde vamos plantar castanheiras, porque castanhas vão ser uma fonte vital de proteína no futuro e são potencialmente resilientes às mudanças climáticas. Provavelmente não vamos expandir as nossas plantações anuais, mas vamos desenvolver a área de forest garden [um jardim florestal é um nicho do sistema agroflorestal projetado com base em árvores, arbustos e plantas perenes, que são misturados de forma a imitar a estrutura de uma floresta natural], de uma maneira que seja amigável e acessível à comunidade.

Entrevista com Julia Ponsonby – Chefe da cozinha na Schumacher College

Quais são as razões para a dieta vegetariana aqui na Schumacher College?

Aqui na Schumacher College nós somos vegetarianos desde o começo. Há várias razões para sermos vegetarianos que reforçam umas às outras. Para algumas pessoas, a razão mais importante pode ser o aspecto moral e espiritual para o vegetarianismo e o bem-estar animal, razões muito presentes na mente de Satish quando se envolveu na criação da faculdade. Também precisamos ver o aspecto ecológico do vegetarianismo. Uma dieta vegetariana não envolve muito o cultivo de soja e terra, por exemplo, cortar florestas nativas no Brasil para plantar soja para alimentar vacas. Você precisa de muito mais terra quando tem uma dieta animal, quando come carne, porque você precisa alimentar os animais e também plantar comida para alimentá-los. E há uma outra razão, que passa despercebida para as pessoas que vêm a Schumacher College, que é que se você quer cozinhar junto com outras pessoas, como nós fazemos, porque nós todos cozinhamos juntos e é uma verdadeira alegria, colocamos muito amor na comida, porque é uma experiência nova para todos. Não é somente uma pessoa sempre cozinhando para todo mundo, o que a deixaria exausta e com vontade de correr para casa. Então nós todos cozinhamos. E para cozinharmos juntos, precisamos ter o menor risco de intoxicação alimentar e contaminação cruzada e uma dieta vegetariana tem muito menos risco neste sentido. Aqui na Schumacher College, nós também temos uma dieta de alimentos integrais orgânicos, o que significa que podemos usar todo o alimento e conseguir a nutrição ideal dele, porque podemos consumir a casca e conseguir todos os nutrientes da casca. Quando você consome alimentos com agrotóxicos, é na casca que eles estão mais presentes, então você precisa descascá-los. Nós recomendamos descascar alimentos que não são orgânicos.

Entrevista com Ruth Era – Chefe vegetariana na Schumacher College

Como tornar a dieta vegetariana encantadora para as pessoas?

Eu acho que a melhor forma é ter pessoas criativas cozinhando apenas comida vegetariana e então você usa o que tem e tenta tornar a refeição empolgante. E você pode fazer pratos tão maravilhosos! Você pode ir a restaurantes vegetarianos onde pode escolher entre 12 ou 10 opções de pratos diferentes ou ir a um clube de jantar secreto, onde as pessoas pensam que vão a um evento especial e toda a comida é vegetariana. As pessoas comem com os olhos, então os pratos precisam ser bem bonitos. Para mim, as armas secretas que nós temos aqui são sal, alho, suco de limão e azeite de oliva; essa combinação sempre ajuda qualquer prato vegetariano. Também tem a ver com as pessoas se acostumarem com a comida vegetariana. Não é só um vegetal cozido num prato, sabe, é cozinhá-lo com outras coisas, misturar sabores, usar suas ervas e temperos.
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Diário de bordo #9 – As sábias palavras de Satish Kumar ao redor dalareira

Por Letícia Maria Klein Lobe •
06 novembro 2016
Satish Kumar é um dos fundadores da Schumacher College e de vez em quando visita a escola para reuniões, para cozinhar pratos indianos e para sua tradicional fireside chat, uma conversa com todos ao pé da lareira. Já tivemos duas desde o começo das aulas e é sempre um momento muito especial e inspirador. Satish já foi monge e logo depois se tornou ativista pela paz e o ambiente, ecoando os ensinamentos de Gandhi. Desde 1973, é editor da revista Ressurgence & Ecologist, na Inglaterra (neste link tem uma breve biografia dele, em inglês).

Tem algo de mágico em Satish. Ele é um ser iluminado. Tem a palavra certa na hora certa e é o tipo de pessoa que vive inteiramente no presente, prestando atenção ao que está fazendo e com quem está conversando, que olha no olho e parece que o tempo congela. As conversas ao redor da lareira são inspiradoras, proporcionando muitas reflexões e emoções. Por isso, quero compartilhar aqui um pouco das duas conversas. A segunda está gravada e disponível aqui.



Satish começou a primeira conversa falando sobre ter e ser. “Quando nós temos, acabamos sempre querendo mais, mas quando nós somos, simplesmente somos.” Precisamos focar no ser, afinal “somos seres humanos, não teres humanos (human beings, not human havings)”.

“Não importa quanto tempo algo dura, mas a intensidade, a qualidade e o quanto você gostou e aproveitou, pois tudo passa. Por isso, faça o máximo do momento ou experiência”. Pode parecer óbvio ou repetitivo, mas é muito importante ter isso em mente e ser mindfull, uma expressão que usamos muito aqui. Estar completamente presente no que momento e aproveitar o que estiver fazendo.

Esta foi a resposta à pergunta de um dos estudantes sobre como conseguir falar para pessoas que não querem ou são resistentes a ouvir o que temos a dizer. “Quando conversamos com alguém, precisamos usar tanto o coração quanto a mente. Se queremos que as pessoas escutem o que temos a dizer, primeiro precisamos ouvi-las. Elas são mais importantes do que nossos pensamentos. O foco deve estar na pessoa com quem você está conversando, não no que está na sua cabeça. Precisamos perguntar pelo próximo e estar interessado nele. Então, procuramos por uma qualidade nesta pessoa, magnificamos esta qualidade como se usássemos uma lente de aumento e nos relacionamos com ela, usando-a para nos engajar com esta pessoa.” Desta forma, abrimos um canal de comunicação com qualquer pessoa, em que o respeito e o cuidado estão sempre presentes.

Uma parte da primeira conversa e toda a segunda foram sobre amor. “Amar alguém é aceitar esta pessoa como ela é, não esperar que ela seja como você quer. Se você espera, você não ama a pessoa como ela é. Não existem ‘mas’ e ‘se’ no amor. Para aceitar alguém como se é, primeiro precisamos nos aceitar como nós somos. Para amar alguém, primeiro precisamos amar a nós mesmos.”

Por fim, uma mensagem que me tocou bastante, sobre generosidade e preservação. “Precisamos sair do ego para o eco. Eco significa casa, então quando estamos em casa, com a família, não podemos ter ego, não podemos ser egoístas. Não existe lugar para o egoísmo dentro de casa” (seja a nossa pequena ou a grande Terra).
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Diário de bordo #8 – Primeiro vídeo sobre a Schumacher College!

Por Letícia Maria Klein Lobe •
02 novembro 2016
Ler sobre a Schumacher College tem seu valor, mas ver a escola e como tudo acontece aqui com certeza torna sua experiência melhor, não é mesmo? Por isso, vamos reativar nosso canal no Youtube a partir desta semana! Estou gravando uma série de vídeos sobre a Schumacher e eis o primeiro deles com um breve histórico da escola (contado pelo próprio cofundador que vem de vez em quando), princípios e o dia a dia deste lugar mágico. As entrevistas completas estão transcritas abaixo do vídeo. Quero muito saber o que achou do vídeo e o que gostaria de ver e conhecer sobre a escola, então fique à vontade para comentar. ;)



Entrevista com Satish Kumar – Cofundador da Schumacher College

Como surgiu a Schumacher College?
Nós começamos a Schumacher College in 1991 e sentimos que o sistema educacional produz jovens condicionados a ir para o mundo, ganhar dinheiro, ter um bom emprego, ter sucesso, tudo isso. Mas enquanto eles estão fazendo seu trabalho para grandes corporações, grandes empresas, o exército, empresas internacionais, multinacionais, companhias como a Monsanto, estas pessoas estudadas estão prejudicando o mundo. Então nós precisamos criar uma nova forma de educação em que as pessoas saiam desta faculdade, vão para o mundo e façam coisas boas para a Terra, façam coisas boas para a sociedade e aprendam de uma maneira holística, não de uma maneira fragmentada. Então essa foi a ideia e eu tive muita sorte que Dartington Hall tinha este Old Postern vago, e eu disse "vamos criar uma faculdade", uma faculdade para estudos ecológicos, ambientais e espirituais, ciência holística, economia holística, todos estes tipos de assuntos.

Como você se sente vendo a escola hoje, 25 anos depois?
Eu estou encantado que, depois de 25 anos, a Schumacher College continua forte e florescendo. Quando começamos, em 1991, muitas pessoas diziam: “a escola vai sobreviver por quatro ou cinco anos, talvez. Quem vai vir estudar ecologia, espiritualidade, ciência holística, economia holística? Vocês não vão ter sucesso”. As pessoas duvidavam da Schumacher College. Mas nós continuamos aqui depois de 25 anos e mais de 15 mil estudantes já passaram por aqui, seja nos mestrados ou cursos curtos. Então eu me sinto muito emocionado e encantado.

Entrevista com Jon Rae – Diretor da Schumacher College

Quais são os pilares da escola?
As grandes convicções centradas no coração da faculdade são que as abordagens racionais científicas que sustentam a civilização ocidental são incompletas, elas não contam a história toda e não dão a direção na qual seguir, não dão um contexto. Nós precisamos encontrar novas visões da nossa relação com a Terra e com os outros. Então, o papel da Schumacher College, para mim, é em muitas formas como um eixo filosófico para o compartilhamento e surgimento de ideias para criar perspectivas filosóficas e testá-las por meio de iniciativas em escala humana, e isso significa conectar espírito e prática, seu grande propósito como indivíduo. Então, quando eu falo sobre cultivar perspectivas filosóficas, eu me refiro a empreendimentos individuais e coletivos das pessoas aqui na escola que sejam expressados e testados por meio de iniciativas em escala humana. Este, para mim, é o papel da escola: cultivar perspectivas filosóficas e, através do aprendizado pelo fazer, colocá-las em prática e aprender a partir daí. Isto é absolutamente importante. [Ernst Friedrich] Schumacher, que deu nome à escola, viu e sentiu essa questão da civilização e escreveu seu famoso livro “Small is beautiful”. Ele escreveu o livro como um amuleto contra tudo da sociedade industrial que tem um efeito desumanizador. Mas ele, como nós, não viu uma única panaceia [uma substância capaz de curar todas as doenças]. Nós não acreditamos em panaceias, nós evitamos panaceias. Ao invés, o que surge são iniciativas de escala humana, aquelas que realmente conectam espírito e prática. Ver estas iniciativas através do que ele considerava uma abordagem econômica, que é uma abordagem econômica e cultural que tem relação com subsidiariedade e conseguir alcançar o que se quer no nível mais apropriado possível. Cultivo de alimentos, por exemplo, seria feito mais localmente, enquanto que formas de defesa seriam administradas regional ou nacionalmente; a coordenação de atividades para o ambiente global seria em nível global. Há níveis diferentes de organização. O que Schumacher falava era sobre qual o nível mais apropriado para se fazer ou alcançar as coisas. Para mim, a escola é sobre estas iniciativas em escala humana, os indivíduos testarem suas perspectivas filosóficas e colocá-las em prática ao longo de toda sua vida. Estas iniciativas em escala humana podem ser pequenas, como fornecer frutas e vegetais orgânicos de Riverfood [fazenda orgânica local] para quem não tem acesso em Torbay [cidade vizinha], ou grandes, como alumni [ex alunos] que foram às Nações Unidas e tiveram um papel importante na COP 21, em Paris [em 2015]. Nosso interesse está nestas iniciativas humanas, sejam grandes ou pequenas.

Qual é a estrutura da escola?
O currículo tem duas partes: uma é o próprio programa e a outra é participar das atividades diárias da faculdade, ambas como uma forma de prática reflexiva e também reconhecendo que nós andamos lado a lado com o aprendizado e não podemos separar aprender de viver. Se nós andamos lado a lado com o aprendizado, então nós participamos das atividades diárias, tanto em relação a cuidar do espaço físico, colhendo alimentos, trabalhando na horta, cozinhando e limpando, quanto a apoiar uns aos outros emocionalmente. Estas são atividades coletivas das quais é importante que estudantes, colaboradores e voluntários participem.

O que há de especial em relação a Schumacher College?É importante ser humilde quando falamos sobre o que nos distingue porque não temos ideia do que está acontecendo em tantos outros lugares e iniciativas ao redor do mundo. Mas o que nos difere de universidades, digamos assim, é que nós temos um posicionamento forte do paradigma ecológico de que o indivíduo está inserido na comunidade e na sociedade e que sociedade e cultura estão inseridas na natureza. Nós não afirmamos que sociedades e indivíduos estão separados da natureza e que nós temos alguma forma de controle ou administração sobre a natureza. Nós não temos esta relação. Não temos a ideia, que permeia muito o pensamento ocidental, de divisão entre natureza e cultura, entre mente e corpo, entre o racional e o intuitivo. Não podemos ter essa separação, não faz sentido e não é parte da nossa realidade. A realidade é que a cultura está na natureza, não há outra opção. Não existe divisão entre mente e corpo. Não é possível traçar uma linha clara entre o racional e o intuitivo, entre o objetivo e o subjetivo. Nós vivemos fundamentalmente num mundo subjetivo. Nós começamos a partir deste ponto e exploramos abordagens filosóficas a partir dessa posição. Então isto é bem característico da Schumacher College em comparação com outros lugares de educação superior. Aqui eu uso a palavra educação com cautela, porque nós não estamos aqui para educar de fora para dentro, mas sim extrair do indivíduo ao invés de inserir informações nele. O segundo aspecto em relação ao diferencial da escola é a abordagem genuína e autêntica de que nós andamos lado a lado com o aprendizado. O terceiro aspecto são as pessoas que são atraídas para cá. É um lugar de encontro extraordinário, para indivíduos extraordinários, que vão fazer coisas extraordinárias. Eu diria que somos diferentes nestes três aspectos, mas digo isso humildemente.

Como é ser o diretor da Schumacher College?Em termos de liderança, eu entrei neste papel como um líder entre iguais e esta é uma abordagem muito interessante de se ter. Eu tenho a responsabilidade final, mas não estou sozinho. Eu estou aqui com meus pares e é a dinâmica intelectual e emocional que diz para onde a escola vai. Então eu vejo meu papel como líder da escola mais em termos de facilitar e coordenar uma direção de intenção. Mas, em essência, meu papel é apoiar quem está aqui na escola a viver de acordo com essa intenção. Isso pode significar mudar o que eles estão fazendo, começar coisas novas para compartilhar e complementar o que estamos fazendo. Mas, especialmente, não é só o que acontece aqui. É a nossa habilidade em apoiar aqueles que querem empreender iniciativas em escala humana ao redor do mundo e como a escola pode ser o melhor lugar para apoiá-los, nos conectar com eles, colaborar e prover uma rede de aprendizado entre pares para que todos nós possamos aprender e compartilhar que estamos espalhados pelo o mundo caminhando em direção a uma civilização ecológica e como é importante saber que não estamos sozinhos neste esforço.

Entrevista com Tara Vaughan-Hughes – Chefe vegetariana na Schumacher College

Por que todos são envolvidos nas atividades diárias de limpeza, cozimento e trabalho na horta?
É parte de um processo chamado aprendizado incorporado. Então os estudantes podem aplicar os aprendizados da sala de aula na vida real, falar com outras pessoas enquanto trabalham nas tarefas diárias, conosco, entre eles. Às vezes os professores participam dos grupos de trabalho, da limpeza. Tudo isso ajuda a consolidar o aprendizado.
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