Os fascínios naturais da serra catarinense

Por Letícia Maria Klein Lobe •
24 abril 2017
Neste fim de semana com feriado de Tiradentes, fizemos um passeio muito gostoso, com direito a frio, fogão a lenha a paisagens naturais belíssimas. Fui com meu noivo e um casal de amigos para Urubici, na serra catarinense, uma das cidades mais frias do estado (no domingo de manhã, estava 4ºC!). A cidade é repleta de belezas naturais, rodeada por montanhas.

Alugamos uma casa charmosa e aconchegante no sítio "Segredos da serra". No primeiro dia, visitamos o Morro do Campestre, famoso pela linda vista do pôr do sol. Sua formação rochosa de arenito tem 1.380 metros de altitude e de cima pode-se ver quase todo o vale do Rio Canoas. Veículos com tração nas quatro rodas podem ir até o topo, se não é preciso subir mais ou menos um quilômetro a pé. Subimos de carro e depois percorremos a trilha até as rochas mais altas. Que vista e que aventura!



A cidade de Urubici é pequena, mas tem vários restaurantes e todos estavam abertos no feriado. Almoçamos no Restaurante do Sesc e jantamos no pub Barba Negra, ambos muito bons e com opções vegetarianas. Como alugamos uma casa, levamos comida para os cafés da manhã e o outro jantar (todos veganos para mim: bolinho de casca de banana, pão sírio, geleias, pasta de castanha de caju, pãezinhos do amor de batata, pasta sem ovo com alho e óleo e ao sugo, hmmmmm, tudo muito gostoso).

Lado em que põe o sol

A noite de sexta exibiu um céu exuberante, que eu só tinha visto na Schumacher College, na Inglaterra. Um céu daqueles tão cheio de estrelas e tão brilhante que parece que vai te engolfar. É deslumbrante, magnífico, de tirar o fôlego! Minha amiga nunca tinha visto um céu assim, que centros urbanos com muita iluminação artificial não nos permitem ver, o que é uma grande tristeza.

Formação rochosa no topo do morro

No sábado de manhã entramos no Parque Nacional São Joaquim, subindo o Morro da Igreja (um dos pontos mais altos do estado) para avistar a Pedra Furada. O parque tem 49.800 hectares e foi criado em julho de 1961 para proteger remanescentes de Matas de Araucárias, típicas da Mata Atlântica. Não se paga ingresso para visitar o parque, mas é preciso retirar uma autorização na sede do ICMBio em Urubici. No nosso caso, a proprietária do sítio retirou a autorização para nós. É bom ir cedo ao local para não ficar muito tempo na fila (a entrada de veículos é liberada conforme a saída e é permitido ficar 20 minutos no topo do morro).

Pedra Furada ao fundo, à esquerda

Na saída do parque, viramos à esquerda para visitar a cascata Véu de Noiva, bem bonita. Em seguida visitamos a Serra do Corvo Branco, que foi aberta para fazer a rodovia SC-370 e recebeu seu nome em homenagem ao urubu-rei branco, ave rara. Também é possível avistar aflorações do aquífero Guarani na rocha. Na volta para casa, passamos pela Gruta da Nossa Senhora e pelas cavernas Rio dos Bugres (este local e o Morro do Campestre são propriedades privadas, então paga-se uma taxa para entrar). As cavernas foram abrigadas por índios e na visita é bom usar lanterna.

Corte na rocha

Vista da Serra do Corvo Branco

O retorno a Blumenau foi pela Serra do Rio do Rastro, um dos cartões-postais de Santa Catarina, que é cortada pela rodovia SC-390. Um mirante a 1.460 metros, antes de começar a descer a serra, rende uma vista memorável (segundo imagens impressas de lá e da internet, pois havia muita serração enquanto estávamos lá no topo e não deu para comprovar). Conseguimos ver só um pedaço mais abaixo, mas depois que começamos a descer o tempo clareou e deu para apreciar a paisagem. As curvas são bem sinuosas, mas a estrada é segura e o trajeto passa rápido.

No próximo feriado, de 1º de maio, a previsão é de ainda mais frio, o que vai atrair ainda mais visitantes. Com certeza uma região para ser visitada uma, duas, várias vezes, para se encantar com a natureza e ficar bem pertinho dela.
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O que é ciência holística e como podemos aplicá-la na nossa vida

Por Letícia Maria Klein Lobe •
11 abril 2017
Mais uma série para o canal do Sustenta Ações no Youtube! Lembra que eu disse no último vídeo da série sobre a Schumacher College que voltava com novidades? Então aqui estou, começando uma segunda série sobre a escola intitulada “Da Schumacher para o mundo”. O intuito é mostrar um pouco do que é debatido e conversado nos cursos e também em relação a modos de vida sustentável, servindo de exemplo e inspiração para quem quiser novos hábitos e pensamentos. O vídeo está aqui embaixo e as entrevistas completas com o coordenador e professor Stephan Harding e o professor Philip Franses, do mestrado em Ciência Holística, logo em seguida. Vale muito a pena conferir o que esses dois têm a dizer! Depois me conta o que achou!


A foto de capa do vídeo é da mandala que fizemos com elementos naturais
durante uma das últimas aulas do curso de Ciência Holística

Como a ciência tradicional contribui para a crise ambiental e qual a importância da ciência holística neste contexto?
Stephan Harding: Acho que a principal contribuição da ciência tradicional para a crise ecológica é nos dizer que a Terra, o universo, os organismos não são nada mais que meras máquinas. Então, o que a ciência tem feito é remover a alma da natureza. Assim, não existe significado, não há propósito na natureza, organismos são apenas objetos mecânicos, basicamente mecanismos complicados, sem um “eu” próprio ou uma personalidade deles mesmos. Com a Terra é a mesma coisa. A Terra é só um conjunto de feedbacks e interações cegos e sem significado. E o universo é a mesma coisa. Então, é claro que se você vive num mundo assim, significa que você pode fazer, mais ou menos, o que quiser ao mundo natural. Você pode explorá-lo como quiser, pode fazer vivissecação, manipulação genética, lançar gás carbônico na atmosfera; estas coisas não importam porque todas estas entidades estão mortas. Apesar desta visão ter trazido benefícios, tendo nos ajudado a desenvolver tecnologias e discernimentos sobre como a natureza é estruturada, o principal problema desta visão é que ela perdeu a dimensão íntima da natureza. E, claro, a ciência é tão influente que esta visão de mundo mecanicista não se restringiu a ela, mas se espalhou para toda a cultura. Então, toda a cultura está, eu diria, contaminada de uma certa forma por esta visão errônea da natureza. Economia, educação, agricultura, assistência médica, tudo está contaminado por esta visão mecanicista da vida. Então, o que a ciência holística pode fazer? Em ciência holística, nós vemos como organismos são agentes. Eles têm sua própria atuação. Eles têm sua própria alma, sua própria personalidade. E nós desenvolvemos uma forma de sintonizar com esta personalidade nos organismos vivos, na Terra e no universo através do cultivo da percepção intuitiva, mas muito baseado no que conhecemos da ciência sobre os organismos, a Terra e o universo. Então, não se trata de descartar o que aprendemos com a ciência, e sim expandir o nosso entendimento científico com a habilidade de perceber personalidades na natureza. A natureza é repleta de personalidade, de significado e de propósito. A natureza se cria a partir de si mesma de formas significativas e isto acontece no nível de moléculas, organismos, ecossistemas, planetas e universos. Chama-se ciência holística porque reúne razão, de um lado, e uma percepção mais poética da natureza. E o que emerge daí é significado e identidade dentro do contexto científico.

O que significa ver a ciência de forma holística?
Philip Franses: Meu primeiro entendimento de uma visão holística da ciência foi quando eu estava numa livraria entre as estantes de ciência e teologia e eu percebi que você não conseguiria entender a ciência como uma disciplina separada; você tinha que entendê-la em relação à teologia, particularmente, mas também em relação à vida. Então, para mim, uma visão holística da ciência é aquela que não se divorcia e não se separa do que significa estar vivo. A questão sobre quem sou ou sobre o que significa estar vivo é a mesma que fazemos na ciência. Uma visão holística da ciência é a que entende que existe unidade no mundo e a ciência está nos ajudando a entender nossa relação com esta unidade.

Quais os ensinamentos da ciência holística?
Philip Franses: Um dos grandes ensinamentos da ciência holística é viver sem certeza. Uma das marcas registradas da ciência clássica é a de que podemos conhecer o mundo de certeza, há leis fixas e podemos viver nossa vida de acordo com a previsão do tempo, de acordo com as predições da economia, de acordo com invenções tecnológicas. Mas a teoria complexa e a teoria quântica nos mostram que precisamos valorizar a liberdade e isso é verídico em qualquer organização, em qualquer sistema vivo ou em qualquer linguagem. Quando há liberdade, há mais possibilidades, pois a liberdade te dá mais possibilidades de surgimento de significados para um sistema. Não é apenas seguir uma rotina morta ou instruções mortas. Então, para mim, [um dos ensinamentos da ciência holística] é este entendimento de que o mundo não é determinado, de como abraçar a liberdade e como entender que você deve encontrar significado dinamicamente no mundo, seja trabalhando numa organização, escrevendo uma história, viajando ou seguindo seu trajeto de vida. Liberdade é muito importante.

Como usar a perspectiva da ciência holística nas nossas vidas?
Philip Franses: Hoje, nós pensamos que ciência tem a ver com desenvolver tecnologias, tornar a vida mais fácil, trazer alguém do outro lado do mundo, esquentar seu jantar no micro-ondas. A nossa relação com a ciência é muito passiva. Nós permitimos que o entendimento que temos faça coisas para nós que são atalhos em nossa relação com o mundo. Claro que muito disso tem sido bem valioso, mas para mim, o que a ciência holística traz não é sobre como usamos a ciência para nosso próprio benefício, mas como nós melhor entendemos o mundo onde vivemos e como ela melhor nos permite criar coerência e forma, particularmente, no que estamos fazendo. Então, por exemplo, a ciência holística nos ensina como a forma surge na natureza de uma maneira holística. Portanto, como uma árvore expressa seu caráter essencial e isso não significa tentar pegar um atalho para entender o que as proteínas fazem ou que as células fazem, mas como elas expressam seu caráter essencial de ser uma castanheira ou um carvalho. Da mesma forma, a ciência holística nos permite trabalhar a questão de como nos tornamos nós mesmos verdadeiramente e o que significa nós nos tornarmos nós mesmos verdadeiramente neste mundo. Não é uma tarefa fácil, mas temos que trabalhá-la. É uma tarefa que existe no mundo, não é uma tarefa em que podemos ir à igreja e achar uma resposta num domingo e voltar ao trabalho na segunda. É algo que precisamos trabalhar o tempo todo.

Como você desenvolveu a ciência holística ao longo de sua vida?
Philip Franses: Na época, quando eu estava na livraria, eu era programador de computadores. Depois daquela experiência, eu passei a desenvolver programas que eram bem holísticos, que tentavam coordenar as escolhas de planejamento de uma organização. Eu costumava chamar isto de unidade de propósito: como você apoia a unidade de propósito em uma organização por meio do entendimento, primeiramente, do que une todos na organização e, em segundo, por meio do desenvolvimento de um software que suporte esta visão de que todos estão trabalhando para atingir o mesmo objetivo. Então, este anseio por unidade é algo que está em mim, não foi algo que eu descobri na ciência. A ciência holística está perguntando como podemos trazer a ciência tradicional para o holismo, para o todo. Ensinar aqui na faculdade e em outros lugares no exterior tem sido uma chance para desafiar esta noção de que podemos fragmentar o mundo cada vez mais sem qualquer tipo de custo ou sem levar em conta o que estamos fazendo. Quanto mais eu entendia este processo no mundo, mais eu entendia este processo em mim mesmo. A nossa tarefa é permitir que o todo reapareça tanto no mundo, através da ciência, e na minha própria vida. É preciso disciplina para ir além de ver a si mesmo simplesmente como uma entidade separada no mundo, mas encontrar uma forma de responder e estar com o mundo holisticamente.

Como as pessoas podem ter uma vida holística?
Stephan Harding: A questão chave para viver de maneira holística é trabalhar a si mesmo para perceber até que ponto você está ou não sendo controlado por esta visão mecanicista de mundo. Acho que todos nós estamos, inclusive bastante. E então trabalhar aos poucos ou rapidamente para dissolver esta visão de mundo e começar a perceber uma visão mais antiga de mundo, que é a do universo e da natureza como um todo, como um grande ser vivo cheio de significado, de propósito, de personalidade e de mistério. Todos os melhores cientistas fazem isso, de qualquer forma. Mas acho que é isso que uma pessoa pode fazer para desenvolver uma vida holística. Desenvolver um senso experiencial de pertencimento dentro do organismo da Terra e dentro do organismo do seu ecossistema local. E eu acho que isso naturalmente leva a pessoa a consumir menos para não prejudicar o grande organismo vivo do qual somos parte. Então a pessoa começa a pensar com cuidado antes de comprar qualquer coisa ou viajar para qualquer lugar. Em outras palavras, você se torna muito mais local e claro que isso envolve criar comunidade com pessoas que vivem ao seu redor e com os mais que humanos que vivem ao seu redor (as pedras, o ar, a água, todos os seres vivos, os ecossistemas). Viver holisticamente significa descobrir sua própria sabedoria ecológica profunda, nutrir e ajudar a criar um senso de comunidade e, em terceiro, por causa dos dois primeiros, a pessoa iria natural e espontaneamente consumir muito menos e apoiar a criação da economia local muito mais.

Como você faz isso na sua rotina?
Stephan Harding: Para mim é fácil, pois eu vivo e trabalho aqui na Schumacher College. Apesar de ter um carro, quase nunca o uso. Eu parei de viajar em grande parte e eu realmente penso muito antes de comprar qualquer coisa. Eu tento reparar, reutilizar e reciclar o máximo possível. Eu tenho relações de amor muito poderosas com todos os organismos ao meu redor, com as árvores, com as aves, com a terra, os fungos, o solo, o ar, as pedras. Eu cultivo uma relação de amor profunda com eles e com as pessoas ao meu redor aqui na comunidade. Mas, mais importante, eu estou continuamente trabalhando em mim mesmo para descobrir minha própria conexão com a sabedoria profunda que está ali mesmo no cerne da matéria, no cerne do universo.
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