Ambientalista: um ser contraditório?

Por Letícia Maria Klein Lobe •
16 agosto 2017
Uma das formas de exercer a empatia e a compreensão é pensar que existem coisas para as quais os outros despertaram e nós ainda não e vice-versa. Nessa lógica, se existem questões para as quais eu já despertei em termos de sustentabilidade e vida holística e outras questões ainda não, isso me torna uma pessoa incoerente? Será que o ambientalista é uma pessoa em constante contradição?

A jornalista Madeleine Somerville fala sobre isso neste artigo do The Guardian, intitulado “Como lido com a insuportável hipocrisia de ser uma ambientalista”. Madeleine começa dizendo que se considera ambientalista, mas ainda assim foi a uma concessionária comprar um carro novo no fim de semana anterior. Ela diz que defende o consumo de coisas de segunda mão e encoraja as pessoas a utilizarem o transporte público e andarem a pé (o que ela também faz regularmente), “mas lá estava ela pegando a chave e saindo num veículo novo brilhante e uma sensação de desconforto”.



Essa dissonância entre o falar e o viver também aconteceu com um advogado que ela conheceu naquela época. Ele trabalhava para proteger os rios e lagos que tanto ama no Canadá, mas este trabalho (importantíssimo, diga-se de passagem) não permitia que ele aproveitasse estas paisagens naturais, ficando de 50 a 70 horas por semana no escritório. “Ele está dividido entre a mudança que quer criar e sua capacidade de ver o mundo natural além dos fins de semana entre os casos”, conta Madeleine.

A maioria dos ambientalistas, ela coloca, se vê tendo que lidar com essa tensão, pois alguns têm seus próprios carros, outros ainda comem carne e os mais famosos voam longas distâncias para falar sobre os impactos das emissões de carbono. “Todos nós existimos dentro do próprio sistema que esperamos mudar. Eu uso um laptop, um smartphone, internet, eletricidade. A maioria das publicações em que escrevo artigos anticonsumismo são apoiadas e pagas por propagandas”, expõe.

“Essa hipocrisia é um delicado equilíbrio. Ele fala para a realidade aparentemente inescapável desta máquina norte-americana que construímos e que agora administra nossa vida. Para evitar isso, é preciso escapar para a floresta, sair do sistema. Você subtrairá a maior parte do seu impacto ambiental ao fazê-lo. Eu acho que todo mundo fantasia sobre isso de vez em quando (eu certamente faço), mas você também perderá conexão humana e cultura inestimáveis, junto com a capacidade de educar ou inspirar mudanças nos outros.”

Isso me fez lembrar de Christopher Johnson McCandless, um jovem viajante dos Estados Unidos cuja história de vida virou o livro e filme “Na natureza selvagem” (Into the wild), de Jon Krakauer. Uma de suas frases memoráveis é que a “felicidade só [é] real quando compartilhada”. Como seres sociais que somos, é muito importante estar em sociedade, pois é nos relacionamentos e situações sociais do dia a dia que muito aprendemos e nos melhoramos como pessoa. Mas, com toda a certeza do mundo, é sim necessário ter contato direto e frequente com a natureza, para o bem do corpo, da alma e da mente. Então, o ideal é você encontrar o equilíbrio que satisfaça suas necessidades e te deixe bem.



Madeleine termina o texto dizendo que se sente mal por ter um carro, mas ela se deu conta de que escolher tentar [ter hábitos sustentáveis] significa também aceitar que você vai falhar algumas vezes. “Você pode aceitar o status quo ou você pode trabalhar por algo melhor. Fazer isso se parece menos com mudar-se para uma cabana na floresta e mais com encontrar uma forma de existir numa uma sociedade desconfortavelmente insustentável enquanto também tenta mudá-la”.

No fim, tudo se resume a ser coerente consigo mesmo e mudar seus hábitos na medida da sua consciência e na velocidade que lhe permita ter leveza nas decisões. Comportamentos baseados na obrigação de agir diferente não duram muito. A mudança precisa fazer sentido. A compreensão das causas e consequências e sua ligação com aquilo que quer mudar precisam ser a base sólida que vão manter firme o seu propósito de viver e agir diferente do que antes. Não fazer nada para mudar as situações ruins é fazer parte do problema. Quem quer um mundo melhor precisa ser parte da solução e isso se faz começando em algum lugar. Não dá para fazer tudo de uma vez.

Conforme vamos adotando hábitos sustentáveis que não se enquadram no sistema e mudando de estilo de vida, ficamos mais suscetíveis a críticas e é justamente isso, analisa Madeleine, que previne as pessoas de adotarem mais práticas verdes. “Te pedem para justificar sua decisão de mudar qualquer coisa quando você não está se comprometendo a mudar tudo.” O quanto você quer mudar, como vai fazer isso e até onde quer ir diz respeito à sua consciência. Sempre haverá pessoas apontando o que o outro não está fazendo em prol do ambiente. Já pensou como seria se essas pessoas empregassem a energia e o tempo para criticar em determinação de agir sustentavelmente?

A crítica e a estranheza estão bem presentes na minha vida. Tem vezes que sou incompreendida por minhas crenças e hábitos (como de carregar meus próprios talheres) e vejo pessoas me olhando como se tivessem visto um ser de outro mundo. Outras olham com curiosidade. O que de fato importa pra mim é que estou sendo coerente com o meu pensamento de que precisamos parar de produzir lixo, porque isso faz sentido pra mim. Mas se eu falasse (como faço aqui no blog e em palestras) e saísse por aí usando copos e talheres descartáveis? Na minha cabeça eu estaria sendo incoerente.

Pode ser difícil mudar de hábitos quando vivemos no sistema, talvez para uns mais do que para outros. Porém, não conseguir adaptar tudo não significa que não possamos adaptar algumas coisas, mudar alguns hábitos ou no mínimo tentar. Como li esses dias por aí, “não tenha medo de ir devagar, tenha medo de ficar parado”. O que importa é agir, respeitando seu ritmo e vivendo de acordo com o que faz sentido pra ti. O universo está em constate movimento, nada é estático ou permanentemente imutável. Aceitar isso é entender que a mudança é inerente à vida. Quem hoje critica, eventualmente vai mudar de opinião. O que você não faz hoje pode eventualmente vir a fazer. Uma coisa vai ligando à outra, cada uma na sua hora.

Cada ação em prol da sustentabilidade é um ato de valorização da vida, como escrevi neste artigo para o Conexão Planeta, e a cada despertar, mais conectados e responsáveis nos sentimos com o todo que nos envolve.
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