É o que procura responder a jornalista Elizabeth Kolbert no livro "A sexta extinção - uma história não natural", publicado em 2015 no Brasil pela Editora Intrínseca. O livro foi vencedor do Prêmio Pulitzer de Não Ficção em 2015 (o Pulitzer é o prêmio de jornalismo mais importante dos Estados Unidos, destinado a trabalhos de destaque nas áreas do jornalismo, literatura e composição musical).
O livro é dividido em 13 capítulos que contam a história das últimas cinco grandes extinções em massa que aconteceram no planeta no passado e revelam indícios do sexto episódio que pode estar em curso. Esta sexta extinção é uma história não natural porque está sendo provocada pela espécie humana, em sua busca frenética por riqueza, poder e satisfação de vaidades e ambições. Um dos legados da humanidade neste Antropoceno é a extinção de centenas de espécies de fauna e flora, como Elizabeth apresenta neste livro que é uma verdadeira viagem no tempo e espaço do nosso planeta. Ao longo do trajeto, entendemos que a extinção é um fenômeno natural, o problema é que a humanidade está intensificando esse processo em milhares de vezes e tornando-a uma extinção em massa.
Cada capítulo do livro é dedicado à história de uma espécie já extinta, como o arau-gigante (o "pinguim original" Pinguinus impennis) e o mastodonte-americano (Mammut americanum, que levou ao surgimento do conceito de extinção) ou que está em vias de ser, como a rã-dourada-do-panamá (Atelopus zeteki) ou o pequeno-morcego-marrom (Myotis lucifugus). Essas histórias servem como pano de fundo para Elizabeth traçar um panorama da própria história evolutiva do planeta Terra e da humanidade, explicando conceitos relacionados à extinção de espécies, geologia, biologia, geografia, problemas ambientais como mudanças climáticas, desmatamento e espécies invasoras, entre outros.
A lista de referências para uma grande reportagem dessa qualidade é longa: foram mais de 300 livros e artigos científicos consultados, além de entrevistas com profissionais especialistas. A jornalista também viajou a diversos lugares do mundo para acompanhar pesquisadores em campo a fim de encontrar vestígios do que se passou, ver de perto as ameaças à biodiversidade e conhecer estudos que estão sendo realizados para compreender as extinções em curso. A jornalista visitou habitat de espécies extintas ou ameaçadas, sítios arqueológicos, centros de pesquisas e museus na Alemanha, Austrália, Brasil (Amazônia), Escócia, Estados Unidos, França, Islândia, Itália, Panamá, Peru.
Para nos contar a história das extinções, ela apresenta dados das vidas e obras dos cientistas e pesquisadores que, nos últimos três séculos, descobriram o fenômeno da extinção e se dedicaram a entender suas causas e consequências. Com suas teorias, eles esclareceram questões relativas ao desenvolvimento e sumiço de espécies e às mudanças tanto lentas quanto repentinas (cronologicamente falando) na história da biodiversidade. Todas as teorias acabaram contribuindo para o que se sabe hoje sobre extinção, por mais que algumas tenham sido completamente contrárias umas às outras e seus proponentes, como George Cuvier e Charles Lyell, tenham sido fortes opositores.
Em 1739, ossos de um "suposto elefante americano" foram encontrado no vale do rio Ohio e enviados ao Cabinet du Roi, do rei Luís XV, o futuro Museu de História Natural de Paris. Em 1975, Cuvier começou a trabalhar no museu. Foi estudando aqueles ossos e comparado-os aos de outros espécimes que Cuvier primeiro se deparou com a ideia de que uma espécie pudesse se extinguir. Depois de estudar quatro espécies extintas e declarar que poderia haver outras, o cientista passou a defender "a existência de um mundo anterior ao nosso" e conseguiu estabelecer a extinção como um fato. Em 1801, um esqueleto completo do mastodonte-americano foi apresentado ao público e cinco ano depois Cuvier deu nome à espécie em um ensaio publicado em Paris.
Apesar de entender que "a história da vida era longa, mutável e repleta de criaturas fantásticas que não existiam mais", Cuvier não acreditava no conceito de evolução, chamado de transformisme. Já seu colega no museu, Jean-Baptiste Lamarck, era defensor da ideia e opositor do entendimento de extinção defendido pelo outro cientista. Cuvier também disse que a Terra foi perturbada por "eventos terríveis" (catástrofes) e que muitas espécies deixaram de existir. Escreve Elizabeth que o naturalista estava "sinistramente correto" em alguns de seus estudos.
A amizade seguiu até o ponto em que Lyell e Darwin também começaram a divergir, pois o primeiro não compreendia como uma espécie, ao longo de milhares de anos, poderia se transformar em outra. Com seus estudos sobre evolução das espécies, Darwin descobriu que surgimento e desaparecimento eram dois lados da mesma moeda: a extinção era causada pela seleção natural. Porém, Darwin também sabia do papel do ser humano no sumiço de espécies, pois ele mesmo presenciou isso durante sua viagem ao arquipélago de Galápagos a bordo do Beagle.
Em seu livro "A origem das espécies", Darwin observou que os animais se tornam raros antes de serem extintos: "Sabemos que esse tem sido o processo dos eventos com aqueles animais que foram exterminados, seja localmente ou no mundo todo, por meio da ação humana". Apesar de não ter percebido a gravidade dessa ação, com essa frase Darwin lançou luz sobre uma extinção em massa que está sendo provocada por nós, ao contrário das Cinco Grandes Extinções anteriores (que aconteceram nos períodos Ordoviciano, Devoniano, Permiano, Triássico e Cretáceo, entre 450 e 50 milhões de anos atrás, causadas por glaciação, aquecimento global, mudança na química dos oceanos, impacto de asteroide, entre outros). Ainda não se sabe se essa terá os mesmos impactos das anteriores, que dizimaram de 75% a 100% de várias espécies de micro-organismos, animais e plantas, mas ela já recebeu o nome de Sexta Extinção - segundo estudo publicado em 2017, cerca de um terço das 27 mil espécies analisadas teve declínio populacional e diminuição em distribuição geográfica e 40% dos mamíferos estudados tiveram encolhimento superior a 80%.
Desta vez, as causas recaem sobre nós. As ações humanas estão afetando as mais variadas espécies de flora e fauna, em todas as regiões planeta. Extinção não conhece fronteiras e se alastra pelos continentes e oceanos. Assim como também acontece com milhares de espécies, que são levadas de um lado a outro do globo em diversas atividades humanas e se tornam espécies exóticas invasoras aonde chegam, contribuindo para a perda da biodiversidade local. Por dia, estima-se que 10 mil espécies são transportadas de um lugar a outro no mundo na água dos tanques de lastro de navios, sem contar outras circunstâncias de deslocamento. As mudanças climáticas também figuram na lista de impactos da humanidade sobre outras espécies, especialmente nos oceanos. A caça, a pesca e o desmatamento são outras causas da extinção de espécies que estamos provocando.
Mas tem muitas pessoas na luta para preservar as espécies ameaçadas. Indo além dos dados trágicos e da história nefasta que se desenrola aos nossos olhos, a jornalista mostra várias iniciativas que estão tentando resgatar animais e plantas do caminho do sumiço. Elizabeth sabe contar histórias. Ela atua como um guia, nos levando por viagens no tempo e espaço com uma narrativa rica em detalhes, envolvente e didática, traduzindo a linguagem científica para o nosso entendimento. Como ela mesma diz no capítulo de agradecimento, uma jornalista precisa do auxílio de muitas pessoas para escrever um livro sobre extinção em massa. Ela agradece a cada um que a ajudou de alguma forma a conhecer toda a história contada no livro. É quase como uma metáfora perversa da própria extinção: um conjunto de ações humanas está fazendo com que que muitas espécies desapareçam do planeta. No outro lado da moeda, a colaboração também pode salvar milhares de espécies enquanto há tempo. Neste livro tão relevante, entendemos o quão fundamental e complexo é o equilíbrio da teia da vida.
Serviço
Título: A sexta extinção - uma história não natural
Título original: The sixth extinction - an unnatural history
Autora: Elizabeth Kolbert
Tradutor: Mauro Pinheiro
Editora: Intrínseca
Páginas: 336
Ano de lançamento: 2015
Onde conseguir: Estante Virtual (novos e usados), Skoob (para possível troca), Amazon, Livraria Cultura, Livrarias Curitiba, Saraiva.
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A sexta extinção - Elizabeth Kolbert |
O livro é dividido em 13 capítulos que contam a história das últimas cinco grandes extinções em massa que aconteceram no planeta no passado e revelam indícios do sexto episódio que pode estar em curso. Esta sexta extinção é uma história não natural porque está sendo provocada pela espécie humana, em sua busca frenética por riqueza, poder e satisfação de vaidades e ambições. Um dos legados da humanidade neste Antropoceno é a extinção de centenas de espécies de fauna e flora, como Elizabeth apresenta neste livro que é uma verdadeira viagem no tempo e espaço do nosso planeta. Ao longo do trajeto, entendemos que a extinção é um fenômeno natural, o problema é que a humanidade está intensificando esse processo em milhares de vezes e tornando-a uma extinção em massa.
"Em tempos normais - conceito que deve ser entendido aqui como épocas geológicas inteiras -, é muito raro ocorrer uma extinção. Mais raro até do que as especiações e só ocorre dentro de um fenômeno que é conhecido como taxa de extinção de fundo. [Essa taxa é medida em extinções por milhão de espécies-anos, que refere à frequência com que uma espécie é extinta: espera-se que a cada 700 anos desapareça uma espécie de mamífero e a cada 1000 anos, uma de anfíbio.] (...) As extinções em massa são diferentes. [Elas disparam.] (...) calcula-se que a taxa de extinção do grupo [de anfíbios] pode ser até 45 mil vezes superior à taxa de fundo. (...) Estima-se que um terço de todos os recifes de corais, um terço de todos os moluscos de água doce, um terço dos tubarões e arraias, um quarto dos mamíferos, um quinto de todos os répteis e um sexto de todas as aves estão a caminho do desaparecimento."
Cada capítulo do livro é dedicado à história de uma espécie já extinta, como o arau-gigante (o "pinguim original" Pinguinus impennis) e o mastodonte-americano (Mammut americanum, que levou ao surgimento do conceito de extinção) ou que está em vias de ser, como a rã-dourada-do-panamá (Atelopus zeteki) ou o pequeno-morcego-marrom (Myotis lucifugus). Essas histórias servem como pano de fundo para Elizabeth traçar um panorama da própria história evolutiva do planeta Terra e da humanidade, explicando conceitos relacionados à extinção de espécies, geologia, biologia, geografia, problemas ambientais como mudanças climáticas, desmatamento e espécies invasoras, entre outros.
A lista de referências para uma grande reportagem dessa qualidade é longa: foram mais de 300 livros e artigos científicos consultados, além de entrevistas com profissionais especialistas. A jornalista também viajou a diversos lugares do mundo para acompanhar pesquisadores em campo a fim de encontrar vestígios do que se passou, ver de perto as ameaças à biodiversidade e conhecer estudos que estão sendo realizados para compreender as extinções em curso. A jornalista visitou habitat de espécies extintas ou ameaçadas, sítios arqueológicos, centros de pesquisas e museus na Alemanha, Austrália, Brasil (Amazônia), Escócia, Estados Unidos, França, Islândia, Itália, Panamá, Peru.
Para nos contar a história das extinções, ela apresenta dados das vidas e obras dos cientistas e pesquisadores que, nos últimos três séculos, descobriram o fenômeno da extinção e se dedicaram a entender suas causas e consequências. Com suas teorias, eles esclareceram questões relativas ao desenvolvimento e sumiço de espécies e às mudanças tanto lentas quanto repentinas (cronologicamente falando) na história da biodiversidade. Todas as teorias acabaram contribuindo para o que se sabe hoje sobre extinção, por mais que algumas tenham sido completamente contrárias umas às outras e seus proponentes, como George Cuvier e Charles Lyell, tenham sido fortes opositores.
Em 1739, ossos de um "suposto elefante americano" foram encontrado no vale do rio Ohio e enviados ao Cabinet du Roi, do rei Luís XV, o futuro Museu de História Natural de Paris. Em 1975, Cuvier começou a trabalhar no museu. Foi estudando aqueles ossos e comparado-os aos de outros espécimes que Cuvier primeiro se deparou com a ideia de que uma espécie pudesse se extinguir. Depois de estudar quatro espécies extintas e declarar que poderia haver outras, o cientista passou a defender "a existência de um mundo anterior ao nosso" e conseguiu estabelecer a extinção como um fato. Em 1801, um esqueleto completo do mastodonte-americano foi apresentado ao público e cinco ano depois Cuvier deu nome à espécie em um ensaio publicado em Paris.
Rebanho de mastodontes-americanos (Mammut americanum). Crédito: Charles R. Knight, 1897. |
Apesar de entender que "a história da vida era longa, mutável e repleta de criaturas fantásticas que não existiam mais", Cuvier não acreditava no conceito de evolução, chamado de transformisme. Já seu colega no museu, Jean-Baptiste Lamarck, era defensor da ideia e opositor do entendimento de extinção defendido pelo outro cientista. Cuvier também disse que a Terra foi perturbada por "eventos terríveis" (catástrofes) e que muitas espécies deixaram de existir. Escreve Elizabeth que o naturalista estava "sinistramente correto" em alguns de seus estudos.
A extinção do mastodonte "foi parte de uma onda de desaparecimentos que se tornou conhecida como extinção da megafauna. Essa onda coincidiu com a propagação dos seres humanos modernos e, cada vez mais, é entendida como resultado dela. Nesse sentido, a crise que Cuvier identificou logo antes do limite da história registrada somos nós".Outro opositor de Cuvier foi Charles Lyell, que refutava a visão da história da Terra daquele e defendia que a paisagem do planeta mudava muito lentamente, assim como as espécies, cuja extinção ocorreria num ritmo muito devagar. Curiosamente, os dois eram amigos e Lyell tinha permissão do outro para fazer moldes dos fósseis e levá-los para a Inglaterra, onde morava outro cientista defensor do conceito de evolução, Charles Darwin (futuro criador da própria teoria da evolução e seguidor de Lyell). Os dois cientistas, cada um na sua área de estudo (geologia e biologia) acreditavam que o presente era a chave para entender o passado.
A amizade seguiu até o ponto em que Lyell e Darwin também começaram a divergir, pois o primeiro não compreendia como uma espécie, ao longo de milhares de anos, poderia se transformar em outra. Com seus estudos sobre evolução das espécies, Darwin descobriu que surgimento e desaparecimento eram dois lados da mesma moeda: a extinção era causada pela seleção natural. Porém, Darwin também sabia do papel do ser humano no sumiço de espécies, pois ele mesmo presenciou isso durante sua viagem ao arquipélago de Galápagos a bordo do Beagle.
Em seu livro "A origem das espécies", Darwin observou que os animais se tornam raros antes de serem extintos: "Sabemos que esse tem sido o processo dos eventos com aqueles animais que foram exterminados, seja localmente ou no mundo todo, por meio da ação humana". Apesar de não ter percebido a gravidade dessa ação, com essa frase Darwin lançou luz sobre uma extinção em massa que está sendo provocada por nós, ao contrário das Cinco Grandes Extinções anteriores (que aconteceram nos períodos Ordoviciano, Devoniano, Permiano, Triássico e Cretáceo, entre 450 e 50 milhões de anos atrás, causadas por glaciação, aquecimento global, mudança na química dos oceanos, impacto de asteroide, entre outros). Ainda não se sabe se essa terá os mesmos impactos das anteriores, que dizimaram de 75% a 100% de várias espécies de micro-organismos, animais e plantas, mas ela já recebeu o nome de Sexta Extinção - segundo estudo publicado em 2017, cerca de um terço das 27 mil espécies analisadas teve declínio populacional e diminuição em distribuição geográfica e 40% dos mamíferos estudados tiveram encolhimento superior a 80%.
Desta vez, as causas recaem sobre nós. As ações humanas estão afetando as mais variadas espécies de flora e fauna, em todas as regiões planeta. Extinção não conhece fronteiras e se alastra pelos continentes e oceanos. Assim como também acontece com milhares de espécies, que são levadas de um lado a outro do globo em diversas atividades humanas e se tornam espécies exóticas invasoras aonde chegam, contribuindo para a perda da biodiversidade local. Por dia, estima-se que 10 mil espécies são transportadas de um lugar a outro no mundo na água dos tanques de lastro de navios, sem contar outras circunstâncias de deslocamento. As mudanças climáticas também figuram na lista de impactos da humanidade sobre outras espécies, especialmente nos oceanos. A caça, a pesca e o desmatamento são outras causas da extinção de espécies que estamos provocando.
Mas tem muitas pessoas na luta para preservar as espécies ameaçadas. Indo além dos dados trágicos e da história nefasta que se desenrola aos nossos olhos, a jornalista mostra várias iniciativas que estão tentando resgatar animais e plantas do caminho do sumiço. Elizabeth sabe contar histórias. Ela atua como um guia, nos levando por viagens no tempo e espaço com uma narrativa rica em detalhes, envolvente e didática, traduzindo a linguagem científica para o nosso entendimento. Como ela mesma diz no capítulo de agradecimento, uma jornalista precisa do auxílio de muitas pessoas para escrever um livro sobre extinção em massa. Ela agradece a cada um que a ajudou de alguma forma a conhecer toda a história contada no livro. É quase como uma metáfora perversa da própria extinção: um conjunto de ações humanas está fazendo com que que muitas espécies desapareçam do planeta. No outro lado da moeda, a colaboração também pode salvar milhares de espécies enquanto há tempo. Neste livro tão relevante, entendemos o quão fundamental e complexo é o equilíbrio da teia da vida.
Serviço
Título: A sexta extinção - uma história não natural
Título original: The sixth extinction - an unnatural history
Autora: Elizabeth Kolbert
Tradutor: Mauro Pinheiro
Editora: Intrínseca
Páginas: 336
Ano de lançamento: 2015
Onde conseguir: Estante Virtual (novos e usados), Skoob (para possível troca), Amazon, Livraria Cultura, Livrarias Curitiba, Saraiva.
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