Como é bom conhecer pessoas! Quando se tem afinidades com elas ou gostos em comum, melhor ainda. Assunto não falta e a troca de experiências é riquíssima. Foi nesse clima alto astral que eu passei o fim de semana, em meio a pessoas com muita história pra contar, muito conhecimento pra compartilhar e uma grande paixão em comum: as aves. Foi minha primeira vez como observadora de aves desde que eu conheci esta atividade fantástica no começo de 2011 e que virou tema do meu projeto experimental em jornalismo. Enquanto a maioria dos participantes chamava os bichinhos pelo nome científico, eu mal sabia o nome popular. Mas tudo bem, é assim que se começa. Afinal, como diz o ditado, é de grão em grão que a galinha enche o papo.
Foto: Maicon Mohr
E de ave em ave, minha (futura) listinha no Wikiaves vai aumentando (eu ainda não criei uma, mas abafa o caso...). A lista do pessoal que estava presente no evento já é bem extensa, todos apaixonados por observar e/ou fotografar as mais diversas espécies. Foi por causa das aves e da paixão por elas que o grupo de observadores se reuniu nos dias 14 e 15 de setembro na cidade de Timbó, vizinha a Blumenau (SC). A primeira edição do Avistar Vale Europeu Catarinense, um desmembramento regional do Avistar Brasil, foi organizada e realizada pelo Coave – Centro de Observação de Aves do Vale Europeu em parceria com o Avistar Brasil.
O encontro teve 10 palestras com temas variados e dois workshops, um sobre fotografia de aves e outro para iniciantes sobre observação de aves. Foi este que eu fiz. No sábado de manhã foi a parte teórica e no domingo de manhã a parte prática (eba!). Foi incrível! Em 2011, para o projeto da faculdade, eu apenas documentei e não cheguei a observar as aves de fato. Então imagina a minha euforia cada vez que eu conseguia focalizar uma com o binóculo e enxergar direitinho as cores, o bico e outras características que ajudam a identificar a espécie. Super show, adorei!
O savacu ficou um tempão nas pedras
Tirei algumas fotos de aves, mas como minha câmera é daquelas digitais básicas, você fica meia hora pra achar o passarinho na fotografia. Uma das que ficaram melhores é esta aqui em cima do Nycticorax nycticorax, conhecido popularmente como savacu. Bonitinho ele, né! Ele estava bem pertinho do local onde foram realizadas as palestras. Para a segunda parte dos workshops, para observar e fotografar as aves em natureza, nós fomos ao Jardim Botânico da cidade. Um lugar muito bacana e com várias aves. Algumas até ficavam perto da gente, no chão, caminhando ou pulando de um lado para o outro.
Quem deu o workshop de observação foi o biólogo Eduardo Alexandrino. Sabe o Túlio, do filme de animação Rio? Então, Eduardo serviu de inspiração para o personagem! Haha, brincadeirinha, mas que os dois são bem parecidos, são. Os amigos até chamam Eduardo de Túlio, às vezes. Como estavam presentes observadores com bastante experiência, a parte teórica do workshop foi muita rica em conhecimento. Os encontros para observação de aves, conhecidos como Avistar, começaram oficialmente no Brasil na primeira década do século XXI. Mas, como eu soube durante o workshop, na década de 1980 já se realizava o ENOA – Encontro Nacional de Observadores de Aves. O problema é que não há registro disso, então sempre há muito que pesquisar e descobrir no campo da observação de aves no Brasil.
Eduardo "Túlio" Alexandrino contando o histórico da
observação de aves e ensinando técnicas para observá-las
As palestras também foram ótimas. No primeiro dia, Guto Carvalho, um dos organizadores do Avistar Brasil, falou sobre o porquê de observarmos as aves. Na verdade, são mais elas que observam a gente do que o contrário. Você sabia que elas enxergam bem melhor do que os humanos? Algumas conseguem identificar um alvo de dois milímetros a 18 metros de distância! Elas também enxergam mais cores, pois veem o infravermelho e o ultravioleta. Outra curiosidade é que elas vêm o mundo em outra velocidade. Enquanto nós enxergamos 30 quadros por segundos. (a maioria dos filmes é rodada em 24 qps), algumas aves enxergam 120 quadros por segundo. É como se elas vissem o mundo em câmera lenta. Por isso elas são tão boas predadoras.
Excelente palestra a do Guto, falou com paixão sobre as aves
A palestra seguinte, do ornitólogo e guia de observação de aves Adrian Eisen Rupp, foi sobre os roteiros turísticos para observação de aves na natureza aqui no Vale Europeu, no estado. Ele viaja por vários lugares do Brasil e outros países da América Latina guiando pessoas que gostam de observar aves. Profissão legal, né! E de muito estudo também, com certeza.
Adrian mostrou destinos turísticos no Vale
A terceira exposição do sábado foi feita por Ana Maria Machado, gestora da RPPN – Reserva Volta Velha, que fica na cidade de Itapoá, litoral norte de Santa Catarina. Foi a família dela que criou a RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural) em 1992 e desde então, o local serve de base para pesquisa científica, projetos de conservação, educação ambiental e ecoturismo, incluindo observação de aves. Ela falou sobre como é morar na reserva e receber os turistas que vão lá para observar as aves da região (o Adrian, inclusive, é um dos guias de birdwatching).
Fiquei com muita vontade de visitar a Reserva Volta Velha, da Ana Maria
Depois, quem falou foi Ari Fernando Raddatz, da Eco Pousada Rio dos Touros, em Urupema (SC). Ele contou sobre o papagaio-charão (Amazona pretrei), que em bandos, entre março e julho, migram do Rio Grande do Sul e chegam à cidade para se alimentar das sementes de pinhão. Tem até um festival dedicado à espécie, que foi criado em 2012. E o prefeito super apóia e incentiva o festival.
Ari, com a esposa e o filho Gui, de cinco anos.
O menino é uma graça, já conhece várias espécies.
A última palestra do sábado foi dada por Luis Augusto Ebert. Ele falou sobre as aves marinhas e a diversidade de espécies que existe no litoral catarinense. É um nicho de observação de aves para ser explorado, afinal, não é só nas florestas que elas estão, podemos também observá-las no litoral.
Luis mostrou várias espécies de aves marinhas
No domingo, quem falou primeiro foi Tietta Pivatto, bióloga e sócia da empresa Photo in Natura. Ela participa ativamente da realização e organização de encontros para observação de aves e também tem um blog onde relata suas experiências com observadora, o Bonito Birdwatching (tem um post lá sobre o encontro em Timbó). Na palestra, ela falou sobre o turismo de observação de aves, as oportunidades que existem e os desafios que devem ser superados, por parte do setor turístico e hoteleiro, para que os observadores tenham uma boa experiência durante sua viagem.
Tietta sugeriu várias melhorias para o setor turístico de observação de aves
Em seguida, o professor Carlos Eduardo Zimmermann, da Fundação Universidade Regional de Blumenau, falou sobre os impactos que a fragmentação de habitats causa à avifauna. Em gráficos, ele apontou a relação entre o tamanho da área fragmentada e o número de espécies e aves e também mostrou fotos de algumas em áreas verdes fragmentadas em Blumenau.
Carlos mostrou a pesquisa que desenvolve na faculdade
Depois, a vez de falar foi da gestora do Parque Nacional da Serra do Itajaí, Viviane Daufemback. Eu já assisti a uma palestra dela sobre o PNSI na Semana do Meio Ambiente. Esta foi mais focada nas aves que existem no parque e as atividades ligadas a elas. Infelizmente, ainda existe muita caça e tráfico de aves. O número de pesquisas sobre as aves também é pouco. Ela disse que de seis projetos inscritos, apenas um foi realizado e o relatório ainda está sendo escrito pelo autor.
Viviane falou sobre as aves no Parque Nacional da Serra do Itajaí
A penúltima palestra foi sobre a Reserva Rio das Furnas, mantida pelo casal Renato Rizzaro e Gabriela Giovanka. A reserva fica num canyon no Alto da Boa Vista, em Alfredo Wagner (SC). Eles falaram sobre a atividade de educação ambiental que fazem com crianças, chamada Roda de Passarinho. Na roda, eles vão mostrando fotos de aves, objetos relacionados e vão fazendo música, mostrando alguns cantos de passarinhos. Eles viajam por todo o Brasil e, em forma de brincadeira, vão ensinando às crianças a importância de preservar a natureza e não ter passarinhos presos em gaiolas. A reserva também tem blog.
Renato falou sobre a reserva e mostrou como se faz uma Roda de Passarinho
Quem fez o fechamento foi Maicon Mohr, membro do Coave. Ele falou sobre como funciona o processo de eleição de ave símbolo nas cidades que contam com a participação da população. Aqui no estado são nove as cidades que elegeram sua ave símbolo com os votos dos cidadãos. A ave símbolo do Brasil é o sabiá-laranjeira, mas alguns ornitólogos defendem que deveria ser a ararajuba, até porque ela tem cores da bandeira do país e infelizmente está ameaçada de extinção.
A primeira cidade brasileira a eleger uma ave símbolo com
a participação da população foi Indaial (SC), contou Maicon
Um dos méritos da atividade de observação de aves é a consciência ambiental que ela desperta nas pessoas, tanto em crianças quanto adultos. Além da observação em si, palestras ou outras ações de educação ambiental, como fazem o Coave e Renato e Gabriela, por exemplo, ensinam às crianças, o principal público, a importância de preservar o meio ambiente e de deixar as aves livres na natureza. Afinal, elas têm asas e asas servem para voar (com exceção de algumas espécies, como galinhas e pinguins). Parece óbvio, mas muita gente se esquece disso e tranca as amadinhas em gaiolas. Imagine você ter que viver sua vida inteira trancado dentro do quarto, sem poder sair. Que desespero!
Se você gosta de aves, quebre gaiolas e plante árvores, como diz a campanha da União Libertária Animal. Assim como um jardim bem cuidado atrai borboletas, árvores atraem aves. Se você gosta de ouvi-las cantar, plante uma árvore. Mesmo que você more em apartamento, sempre tem uma árvore por perto onde há algum passarinho. Basta ter o costume de olhar para elas e ficar de ouvidos atentos. Cada vez que eu saio de casa olho para as árvores e sempre vejo vários birds, além de escutar muitos cantos. A natureza está ao nosso redor e nós somos parte dela, não donos dela. Quem ama, cuida e quer ver o outro bem. Quem ama aves sabe que elas ficam bem estando livres. Agora, se você tem um passarinho na gaiola, deixe-o lá, porque ele não sabe caçar na natureza e provavelmente vai morrer se for solto. O importante é ter consciência da barbaridade que é deixar um ser voador preso e espalhar essa convicção. Se de cada 100 pessoas, apenas uma mudar de ideia, já será uma vitória e um pássaro a menos na gaiola.
O Avistar Vale Europeu superou minhas expectativas. Conheci pessoas super bacanas, que conhecem muito sobre aves, desenvolvem projetos incríveis, contribuem para a preservação da natureza e prezam pelo bem-estar das aves (e deixo aqui registrado meu agradecimento pelas caronas de ida e volta). Acredito que um dos motivos pelos quais gostamos tanto das aves é porque apreciamos a liberdade que elas têm. Na verdade, queríamos ser iguais a elas e poder voar livres, leves e soltos por aí. De certa forma, apenas observá-las na natureza já nos dá essa sensação gostosa de liberdade. Estar em meio a natureza, observando aves, é delicioso, reconfortante, incrível. Sobram adjetivos pra descrever a sensação. Posso dizer com certeza que essa foi a primeira experiência como observadora de muitas que ainda virão. E poder rever amigos e pessoas queridas nos encontros de birdwatching torna tudo ainda melhor.
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