Não é lixo até que seja desperdiçado - IV Encontro Internacional Juventude Lixo Zero

Por Letícia Maria Klein Lobe •
27 outubro 2017
De 20 a 22 de outubro aconteceu o IV Encontro Internacional Juventude Lixo Zero, na Unisul Pedra Branca, em Palhoça/SC. Participei com minha amiga e colega de JLZ Blumenau e este é o primeiro de três posts em que vou contar tudo que rolou no evento. Para adiantar: foi magnífico! Este post fala sobre o panorama dos resíduos no mundo hoje, o segundo será sobre pessoas que são exemplo quando se fala em lixo zero e o terceiro trará muita inspiração para a vida.

O primeiro palestrante foi Jonathon Hannon, coordenador do Zero Waste Academy (ZWA) na Nova Zelândia, que fica no Instituto de Recursos Naturais da Universidade Massey. Ele trabalha com ensino, pesquisa e participa do Grupo de Direção à Sustentabilidade da universidade. Jonathon mostrou algumas dimensões dos resíduos, como situações de desastres, equipamentos tecnológicos, plástico nos oceanos, telefones celulares, medicamentos e outras.

De acordo com o Global Waste Management Outlook – Summary for Decision-Makers, relatório sobre o panorama dos resíduos no mundo, produzido pela UNEP (autoridade das Nações Unidas para o meio ambiente) e ISWA (Associação Internacional de Resíduos Sólidos), hoje são gerados de 7 a 10 bilhões de toneladas de resíduos sólidos no mundo por ano, dos quais 2 bilhões de toneladas são resíduos sólidos municipais (os orgânicos, recicláveis e rejeitos que produzimos todos os dias); o restante se divide em construção e demolição e comércio e indústria.

Os oceanos estão poluídos com 150 milhões de toneladas de plástico! Há 3.5 bilhões de pessoas (52% da população mundial) sem acesso a instalações para disposição final ou tratamento de resíduos, convivendo diretamente com poluição e risco de doenças. O custo de deixar tudo do jeito como está é de 5 a 10 vezes maior do que o custo de resolver os problemas causados pelo lixo e trabalhar na prevenção e tratamento.


Segundo o documento, as metas são:
- Até 2020: garantir acesso de todos a serviços de coleta de resíduos sólidos que sejam adequados, seguros e acessíveis e acabar com lixões e queima de resíduos a céu aberto.
- Até 2030: alcançar a gestão sustentável e ambientalmente saudável de todos os resíduos, particularmente os perigosos; reduzir substancialmente a geração de resíduos através da não geração e dos 3 Rs (reduzir, reutilizar, reciclar) e criar empregos verdes; reduzir pela metade o desperdício de alimentos globais per capita no varejo e níveis de consumo e reduzir as perdas de alimentos na cadeia de fornecimento.

Um dado muito interessante que Jonathon mostrou, presente no relatório, é que a quantidade de alimentos desperdiçados hoje no mundo por ano (1,3 bilhão de toneladas) daria para alimentar todas as pessoas subnutridas duas vezes. Se não houvesse esse desperdício, 9% do total de emissões de gases de efeito estufa em nível mundial deixariam de ser emitidos. Além disso, a economia circular (que prevê o reaproveitamento de tudo) tem o potencial mundial de gerar de 9 a 25 milhões de empregos verdes. Por fim, a mensagem é de que nada é lixo até que seja desperdiçado e se agirmos como nossa mãe natureza, que é um sistema lixo zero por excelência, podemos reaproveitar tudo.

Além disso, como disse Nury Morales, da Fundación Basura, do Chile, mais vale prevenir do que gerenciar resíduos, porque os impactos são bem menores e se economiza dinheiro. A fundação presta assessoria a empresas e capacita pessoas para uma vida lixo zero e para a economia circular, em que o valor dos resíduos é recuperado através da sua reinserção em novos ciclos de operação por meio do ecodesign, reutilização, reciclagem, compostagem e biodigestão.



Tião Santos apresentou vários dados nacionais. Ele cresceu no lixão do Jardim Gramacho, no Rio de Janeiro, considerado o maior da América Latina e que foi fechado em 2012. Tião se tornou catador de materiais recicláveis e presidente da Associação dos Catadores do Aterro Metropolitano do Jardim Gramacho e participou do documentário Lixo Extraordinário, lançado em 2007. Eu já o tinha visto no I Congresso Nacional Juventude Lixo Zero, em 2014. Uma curiosidade que Tião trouxe é a origem da palavra lixo, que vem de lix, em latim, e significa cinza, alusivo a uma época quando o que mais sobrava nas casas era a cinza do fogão. No extinto lixão, os mais de mil catadores coletavam 200 toneladas por dia de material reciclável, o equivalente aos resíduos diários de uma cidade de 400 mil habitantes e a previsão é que sejam gerados 70% mais resíduos em 2030 no Brasil.

Hoje, 60% dos catadores brasileiros vivem em situações degradantes, similares ao que acontecia em Gramacho. O país perde R$ 8 bilhões anualmente por não reaproveitar os resíduos, pagando para coletar, transportar e enterrar. Tião explica que, infelizmente, a reciclagem no país surge a partir da exclusão social e da pobreza, como uma fonte de renda. E neste contexto, os catadores não são reconhecidos por seu trabalho (que é fundamental!). Empresas de garrafas PET que contratam cooperativas para mediar a logística reversa dos seus produtos pagam cerca de R$ 1,00 por dia para o catador. Foram 294 mil toneladas de garrafas PET coletadas em 2012 e 341 mil toneladas em 2016. Como disse Tião, “consciência não se vende, se constrói com educação”.



Essa consciência vai nos fazer entender que precisamos gerenciar recursos e eliminar a ideia de lixo e de desperdício, diz Pål Mårtensson. Em São Paulo, por exemplo, são desperdiçadas 10 mil toneladas de comida por dia, que poderiam ser reaproveitadas de várias formas ou mesmo poderiam ser evitadas. Ele diz que lixo zero é sobre pessoas, pois os humanos são a única espécie que produz lixo, coisas que a natureza não consegue compostar nem reciclar. Por isso lixo zero é uma visão, precisa de tempo para acontecer, paixão e persistência sempre. Pål fundou o maior parque de reciclagem do mundo, localizado em Gotemburgo, na Suécia, coordena o departamento de gestão de resíduos e recursos hídricos da cidade e integra a Aliança Internacional Lixo Zero. É mentor do movimento Let’s do It (Movimento Limpa Brasil, por aqui), que pretende reunir mais de 300 milhões de pessoas para limpar praias no ano que vem. O World Clean Up Day está marcado para 15 de setembro de 2018.

Por falar em datas, até o dia 30 de outubro acontece a Semana Lixo Zero em 30 cidades brasileiras, com cerca de 1500 eventos. A Semana é um produto do Instituto Lixo Zero Brasil, presidido por Rodrigo Sabatini, que falou rapidamente sobre a confusão que a indústria provoca para legitimar o rejeito que vai para o aterro. A Política Nacional de Resíduos Sólidos prevê uma ordem de prioridade na gestão dos resíduos: não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamentos para reaproveitamento (como compostagem) e, como último recurso, a disposição em aterro sanitário dos rejeitos. A mistura de resíduos recicláveis e orgânicos, que impossibilita ou no mínimo dificulta o reaproveitamento de ambos, é tida como rejeito e Rodrigo afirma que a indústria vai fazer de tudo para legitimar o rejeito para que possa mandá-lo para o aterro. A mesma coisa acontece com os conceitos de “lixo úmido” e “lixo seco”, que não são claros. Uma casca de banana é úmida ou seca? Assim, lixo zero é uma meta ética, econômica, eficiente e visionária. Para Rodrigo, não existe nada mais revolucionário no mundo do que ser lixo zero, pois é contrário ao sistema linear de produção, consumo e descarte vigente hoje.

O lixo, para Leslie Lukacs, é uma falha no sistema, pois se as entradas (insumos) são controladas, as saídas (resíduos) também são. A consultora e coordenadora de programas de sustentabilidade dos Estados Unidos, que também foi uma das fundadoras da Juventude Lixo Zero EUA, disse que a noção de “jogar fora” surgiu depois da Segunda Guerra Mundial, acalentada pela obsolescência programada. Ela mostrou artes de propagandas de antes e durante o período bélico que alertavam justamente para a importância de conservar e ter bens duráveis. A cada dois anos, os estadunidenses são estimulados a trocar de celular, por melhor que esteja o atual, e a manutenção não é incentivada. Por isso, surgiram no país movimentos clamando pelo direito de reparar e reutilizar as coisas.

No seu trabalho, ela orienta empresas e governos a gerenciar seus resíduos sólidos, priorizando a reciclagem e a compostagem. Um dos exemplos que ela mostrou foi um projeto feito nos estádios de futebol de Ohio, que após dois anos, conseguiram reduzir em 61% os resíduos que os torcedores produziam, através da separação correta e campanhas de conscientização. O que eles também fizeram foi eliminar determinados itens dos produtos à venda, como o papel alumínio que embalava um salgado (que já vinha numa embalagem de papel) e as tampas e canudos dos copos de refrigerante. Como ela disse, se as pessoas tomam cerveja direto do copo, porque precisam de canudo para outras bebidas? Outro exemplo que ela compartilhou foi a pesquisa de um agricultor, que descobriu que o composto aplicado no pasto aumentou a absorção de gás carbônico pelas gramíneas. Assim, os resíduos orgânicos, que são a terceira maior fonte mundial de emissão de metano nos aterros sanitários, o que contribui para as mudanças climáticas, podem ser compostados e ajudar a eliminar o mesmo problema que causam quando aterrados.



Leslie viajou ao Brasil com seu filho adolescente Nathan, que falou sobre a escola sustentável de Ensino Médio que frequente, a Credo High School, a primeira escola a seguir os 10 princípios da iniciativa One Planet Living, criada em 2003 pela empresa Bioregional, na Inglaterra. Os princípios são: carbono zero, lixo zero, transporte sustentável, materiais sustentáveis, alimentos locais e sustentáveis, água sustentável, uso da terra e vida selvagem, cultura e patrimônio, equidade e economia local, saúde e felicidade. A escola, localizada na Califórnia, tem vários projetos para cada princípio. Os relacionados ao lixo zero são: estudo de caracterização dos resíduos, feira lixo zero (feira de trocas, em que cada item vale pontos e quanto mais bem cuidado o item a ser trocado, mais pontos o estudante ganha para trocar por outra coisa), dia de limpeza de praia e dia do surfe, limpeza da bacia hidrográfica da região, tijolos feitos a partir da compactação dos resíduos do Dia das Bruxas, estação de hidratação para as pessoas encherem suas garrafas, programa de redução de papel, desafio dos potes, Juventude Lixo Zero EUA, compostagem e agricultura.

A JLZ EUA também participou do evento. Quatro jovens representantes (Alina Bekkerman, Allie Lalor, Dennis Uyat e Greg Dudish e) vieram da área da baía de São Francisco para contar sua experiência com o movimento. Duas delas aconteceram na Universidade Berkeley, onde foi feito um evento mostrando toda a comida desperdiçada num dia (um total de 200kg), e a criação de uma loja de roupas usadas a partir de peças que os estudantes deixam nos alojamentos quando vão embora. Outro exemplo foi o da Universidade do Texas em Austin, que fez um evento para coletar resíduos eletroeletrônicos. Eles também falaram sobre algumas metas do governo. A prefeitura de São Francisco pretende deixar de enviar 50% dos resíduos orgânicos para os aterros até 2020 e reduzir o volume dos aterros em 75%, redirecionando resíduos para compostagem e reciclagem e trabalhando a redução. A equipe fez o convite para a Zero Waste Youth USA Convergence, que será realizada em 06 de março de 2018 e deixou um recado para todos: use sua voz sempre que puder!




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O papel da alimentação num mundo sustentável

Por Letícia Maria Klein Lobe •
19 outubro 2017
No quarto e último vídeo da série “Da Schumacher para o mundo”, a conversa gira em torno da alimentação como fundamento de um mundo sustentável, a alimentação orgânica e a importância de nos conectamos com a comida, do cultivo ao consumo. Para esta conversa muito interessante, entrevistei a agricultora chefe Jane Gleeson, a cozinheira chefe Julia Ponsonby, as chefes vegetarianas Ruth Rae e Tara Vaughan-Hughes e a colaboradora Voirrey Watterson, que faz o pão de fermentação natural consumido todos os dias na Schumacher College. O vídeo com o principal das entrevistas e as entrevistas completas estão abaixo. A discussão rendeu!



Qual a importância de ter acesso à comida orgânica?Jane Gleeson: Eu acho que o acesso à comida orgânica é fundamental. Não deveria ser privilégio dos que podem comprar. E esta situação doida em que nos metemos [em termos de alimentação com agrotóxico e industrial] é de que geralmente nos custa mais do que a alimentação não orgânica. Mas, claro que há muitos fatores que não são inseridos nessa equação. Na realidade, a produção de alimentos orgânicos não é mais cara. Se feita da forma adequada, pode ser mais barata, na verdade, porque você não gasta com pesticidas e fertilizantes etc. Então, a questão dos custos é falsa. Há também outro ponto: nós teremos que mudar de opinião sobre o preço que pagamos pela comida. Precisamos pagar o valor apropriado pela nossa comida, que no momento é tão fortemente subsidiada. E claro que, se você for um pequeno agricultor, você não se beneficia com essa situação. Na verdade, é bem difícil ganhar a vida se as pessoas não estão dispostas a valorizar a comida e pagar por ela. Em termos de alimentação humana, nossa nutrição é uma necessidade básica. Porém, estamos dispostos a pagar bem mais caro por coisas mais distantes na hierarquia de necessidades. Gastamos muito mais com a nossa casa do que com a nossa comida. Por isso ela foi barateando ao longo dos anos. Até que essa visão de mundo mude, as pessoas vão considerar a comida orgânica cara, e na verdade, ela não é. Até termos um entendimento completo do nosso sistema alimentar e do seu valor, vai ser difícil convencer as pessoas, especialmente as de baixa renda, que vale a pena consumir orgânicos.

Qual a importância de se conectar com a comida?Jane Gleeson: Eu penso que é muito importante que as pessoas tenham uma conexão forte com a comida e de onde ela vem. É chocante pensar, por exemplo, que tem pessoas que não sabem qual é a aparência de um pé de brócolis. Também acho que produzir alimentos numa escala pequena, sem grandes maquinários e insumos pesados, se você se afasta do modelo industrial, é um trabalho intenso, mas se todos vissem o cultivo de alimentos como parte do seu dia a dia, de alguma forma, eu penso que isso dividiria o peso e tornaria a tarefa agradável. Algumas pessoas acabam tendo um alto ideal do que é a alimentação orgânica e pode parecer difícil às vezes, se há poucas pessoas fazendo isso. Quanto mais pessoas fizerem isso, é uma situação ganha-ganha. As pessoas se conectam com a comida, veem de onde ela vem e veem a importância do desenvolvimento dos vegetais e como eles crescem bem. Se as pessoas dividem a tarefa, a tarefa se torna agradável. É uma pena que muitas pessoas nunca tenham visto uma planta germinar. A realidade é que muitas pessoas moram em cidades e não têm acesso à terra, mas viver no campo não é a única forma de ser sustentável, tem que haver outras maneiras de as pessoas fazerem isso. Então, eu penso que todos os movimentos de permacultura e sustentabilidade urbana e como pensar e criar espaços de produção de alimentos orgânicos nas cidades são fundamentais.

Como podemos reduzir o desperdício de alimentos?Julia Posonby: Quando você cozinha, considere a quantidade de pessoas que vão comer. Se você faz uma receita para seis pessoas, mas só uma vai comer, congele o restante. Outra forma é consumir alimentos orgânicos, pois não há necessidade de descascá-los. Você também pode ver o desperdício de comida não como lixo, mas como recurso que retorna através da compostagem, que vai produzir um solo muito rico para as frutas e verduras que você produz. Com o restante dos alimentos você também pode alimentar animais, como galinhas. É mais difícil em larga escala, quando se pensa em termos de comércio e grandes mercados. Na Schumacher College nós lidamos bem com o desperdício, pois fazemos compostagem, congelamos bem os alimentos e temos o dia das sobras, em que as pessoas comem o que sobrou da semana. Você pode ser criativo ou só esquentar as sobras como estão. Não fique comprando comida nova, saiba sempre quantas sobras tem na geladeira. Não tenha vários potes com pouca comida dentro, que são empurrados para o fundo da geladeira e ficam mofados.

Como podemos nos reconectar com a comida no nosso dia a dia com nossas agendas lotadas?Julia Posonby: Com as nossas agendas lotadas, nós precisamos priorizar a comida. Preparar a comida e comer junto é muito importante para nos conectamos, compartilhar a comida é muito importante. Se mesmo nas nossas próprias rotinas nós não conseguirmos ter tempo de cultivar alimentos e cozinhar todos os dias, talvez nós possamos fazer um grupo com outras pessoas, nos revezar para cozinhar e compartilhar a comida. Talvez tenhamos algum produtor local envolvido em nosso círculo. Também podemos cultivar alguns vegetais no peitoril da janela. Há cada vez mais iniciativas relacionadas à comida. Podemos participar de um sistema de recebimento de caixa de alimentos. Precisamos encontrar um perto de onde moramos e nos inscrevermos. Você se conecta com a comida quando você vê como ela se parece e se envolve na sua preparação, em vez de comprá-la direto do mercado embalada em plástico, geralmente já um pouco velha, então o valor nutricional não é tão alto como quando você come comida fresca. E então sentir o bem-estar que os alimentos frescos, orgânicos, te dão. Reconectar com o alimento da terra à mesa, com uma atividade compartilhada.

Ruth Rae: uma das melhores formas de se conectar com a comida é vê-la de uma ponta à outra da jornada, seja indo ao mercado comprar ingredientes ou cultivando-a na sacada ou indo à feira de produtores locais. E então cozinhar em casa, juntar a família, mesmo se for uma vez por semana para fazer alguma receita. Outra forma é ter acesso a restaurantes, talvez trabalhar na cozinha por uma semana para ver como é a jornada do alimento. Ter essa questão nas escolas também é importante. Nós costumávamos ensinar as crianças a cozinhar nas escolas aqui na Inglaterra e isso acabou por um tempo, mas agora está voltando aos poucos.

Qual é o papel da comida num mundo sustentável?Julia Posonby: A alimentação é um dos fundamentos de um mundo sustentável. Quando pensamos em comida local, em um mundo sustentável, em que há menos carbono sendo emitido em viagens aéreas e marítimas, isso implica que precisamos produzir alimentos localmente. A produção local de alimentos é fundamental para um mundo sustentável, em que as pessoas possam comer onde produzem. Não estou dizendo que não pode haver comida indo de um lugar a outro, porque é muito bom poder ter alguns temperos de outras partes do mundo que não conseguimos cultivar aqui, mas eles são pequenos e leves. Podemos ter essas coisas que não têm alto custo para o ambiente, mas ter a principal parcela da sua dieta produzida localmente. Isso é muito importante num mundo sustentável. Também porque nos incentiva a nos envolver com a produção local de alimentos e isso aumenta a conexão entre as pessoas e estimula a ideia do faça você mesmo e se envolver na colheita e ver como as coisas acontecem.

Como comer bem causando o menor impacto ambiental?Tara Vaughan-Hughes: Comer orgânicos, alimentos locais e da época. Outra forma muito útil é aprender a cozinhar. Assim, você consegue fazer uma ótima refeição a partir do que tem em casa e se sentir satisfeito, porque satisfação e saciedade são uma das coisas mais importantes quando você come. Nessas condições, você consegue fazer um banquete a partir de repolhos e nabos.

Quais as diferenças entre o fermento pronto para pão e a fermentação natural?Voirrey Watterson: O fermento pronto remonta ao início da produção industrial de pão, por isso se tornou tão popular. Nos países do leste europeu ainda se usa o sourdough [fermento para fazer pão que consiste numa massa de fermentação feita a partir de farinha e água, que é produzida uma única vez e a cada receita de pão é retirado um pouco e acrescida com uma parte da mistura da nova receita, sendo “refrescada”], como Rússia e Polônia. Eles comem muito pão de sourdough e conseguem fazer numa escala industrial. Agora este processo está voltando aqui na Inglaterra e as pessoas estão querendo mais este tipo de pão. Em parte porque há muitas questões de saúde em torno do trigo, as pessoas não conseguem digeri-lo apropriadamente. Há um argumento que diz que é devido ao modo como fazemos pão, pois há muito glúten não processado no produto final. Quando você tem o processo do sourdough, o glúten é muito mais processado e há outras coisas nos grãos que também são processadas dessa forma. O processo ocidental de fermentação é muito rápido e não dá tempo para as coisas acontecerem. É preciso tempo para a massa úmida e os grãos neste processo. O processo de fazer pão é uma ciência.

O que significa para você fazer seu próprio pão? Qual é a importância de fazer o próprio pão?Voirrey Watterson: Quando você faz o sourdough, tem a ver com sintonizar com um processo que conecta você a outros processos, pequenos e grandes. Seu pote de sourdough está repleto de vida e tudo interage, é uma cultura incrível que existe lá dentro. Se você pode usar isso para fazer seu pão, você começa a conhecer como é o processo. Quando estou mexendo a massa e a deixo descansar, ela começa a soltar bolhas, podemos ver que está respirando, que há vida ali. Eu vou deixá-la descansando à noite e amanhã de manhã a massa terá perdido peso. A massa está expirando gás carbônico, assim como nós, e absorvendo oxigênio. Há todas estas trocas acontecendo, produtos diferentes de diferentes organismos, que são consumidos por outros organismos. Assim a farinha contém mais organismos e fica bem feliz dentro do seu pote na geladeira. Fazer pão significa sintonizar com a vida e com vidas misteriosas, pois sei que existem organismos e que eles estão fazendo essas trocas, não sei precisamente como eles são. Não conheço os detalhes, mas me beneficio do processo. Isso acontece em nosso estômago, no nosso corpo, no solo, no ar e nós somos parte disso. Há diferentes níveis de sistemas mágicos e misteriosos. Podemos estudar as partes e saber os detalhes, mas no todo nós esperamos que tudo funcione da maneira que é.
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