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O papel da alimentação num mundo sustentável

Por Letícia Maria Klein •
19 outubro 2017
No quarto e último vídeo da série “Da Schumacher para o mundo”, a conversa gira em torno da alimentação como fundamento de um mundo sustentável, a alimentação orgânica e a importância de nos conectamos com a comida, do cultivo ao consumo. Para esta conversa muito interessante, entrevistei a agricultora chefe Jane Gleeson, a cozinheira chefe Julia Ponsonby, as chefes vegetarianas Ruth Rae e Tara Vaughan-Hughes e a colaboradora Voirrey Watterson, que faz o pão de fermentação natural consumido todos os dias na Schumacher College. O vídeo com o principal das entrevistas e as entrevistas completas estão abaixo. A discussão rendeu!



Qual a importância de ter acesso à comida orgânica?Jane Gleeson: Eu acho que o acesso à comida orgânica é fundamental. Não deveria ser privilégio dos que podem comprar. E esta situação doida em que nos metemos [em termos de alimentação com agrotóxico e industrial] é de que geralmente nos custa mais do que a alimentação não orgânica. Mas, claro que há muitos fatores que não são inseridos nessa equação. Na realidade, a produção de alimentos orgânicos não é mais cara. Se feita da forma adequada, pode ser mais barata, na verdade, porque você não gasta com pesticidas e fertilizantes etc. Então, a questão dos custos é falsa. Há também outro ponto: nós teremos que mudar de opinião sobre o preço que pagamos pela comida. Precisamos pagar o valor apropriado pela nossa comida, que no momento é tão fortemente subsidiada. E claro que, se você for um pequeno agricultor, você não se beneficia com essa situação. Na verdade, é bem difícil ganhar a vida se as pessoas não estão dispostas a valorizar a comida e pagar por ela. Em termos de alimentação humana, nossa nutrição é uma necessidade básica. Porém, estamos dispostos a pagar bem mais caro por coisas mais distantes na hierarquia de necessidades. Gastamos muito mais com a nossa casa do que com a nossa comida. Por isso ela foi barateando ao longo dos anos. Até que essa visão de mundo mude, as pessoas vão considerar a comida orgânica cara, e na verdade, ela não é. Até termos um entendimento completo do nosso sistema alimentar e do seu valor, vai ser difícil convencer as pessoas, especialmente as de baixa renda, que vale a pena consumir orgânicos.

Qual a importância de se conectar com a comida?Jane Gleeson: Eu penso que é muito importante que as pessoas tenham uma conexão forte com a comida e de onde ela vem. É chocante pensar, por exemplo, que tem pessoas que não sabem qual é a aparência de um pé de brócolis. Também acho que produzir alimentos numa escala pequena, sem grandes maquinários e insumos pesados, se você se afasta do modelo industrial, é um trabalho intenso, mas se todos vissem o cultivo de alimentos como parte do seu dia a dia, de alguma forma, eu penso que isso dividiria o peso e tornaria a tarefa agradável. Algumas pessoas acabam tendo um alto ideal do que é a alimentação orgânica e pode parecer difícil às vezes, se há poucas pessoas fazendo isso. Quanto mais pessoas fizerem isso, é uma situação ganha-ganha. As pessoas se conectam com a comida, veem de onde ela vem e veem a importância do desenvolvimento dos vegetais e como eles crescem bem. Se as pessoas dividem a tarefa, a tarefa se torna agradável. É uma pena que muitas pessoas nunca tenham visto uma planta germinar. A realidade é que muitas pessoas moram em cidades e não têm acesso à terra, mas viver no campo não é a única forma de ser sustentável, tem que haver outras maneiras de as pessoas fazerem isso. Então, eu penso que todos os movimentos de permacultura e sustentabilidade urbana e como pensar e criar espaços de produção de alimentos orgânicos nas cidades são fundamentais.

Como podemos reduzir o desperdício de alimentos?Julia Posonby: Quando você cozinha, considere a quantidade de pessoas que vão comer. Se você faz uma receita para seis pessoas, mas só uma vai comer, congele o restante. Outra forma é consumir alimentos orgânicos, pois não há necessidade de descascá-los. Você também pode ver o desperdício de comida não como lixo, mas como recurso que retorna através da compostagem, que vai produzir um solo muito rico para as frutas e verduras que você produz. Com o restante dos alimentos você também pode alimentar animais, como galinhas. É mais difícil em larga escala, quando se pensa em termos de comércio e grandes mercados. Na Schumacher College nós lidamos bem com o desperdício, pois fazemos compostagem, congelamos bem os alimentos e temos o dia das sobras, em que as pessoas comem o que sobrou da semana. Você pode ser criativo ou só esquentar as sobras como estão. Não fique comprando comida nova, saiba sempre quantas sobras tem na geladeira. Não tenha vários potes com pouca comida dentro, que são empurrados para o fundo da geladeira e ficam mofados.

Como podemos nos reconectar com a comida no nosso dia a dia com nossas agendas lotadas?Julia Posonby: Com as nossas agendas lotadas, nós precisamos priorizar a comida. Preparar a comida e comer junto é muito importante para nos conectamos, compartilhar a comida é muito importante. Se mesmo nas nossas próprias rotinas nós não conseguirmos ter tempo de cultivar alimentos e cozinhar todos os dias, talvez nós possamos fazer um grupo com outras pessoas, nos revezar para cozinhar e compartilhar a comida. Talvez tenhamos algum produtor local envolvido em nosso círculo. Também podemos cultivar alguns vegetais no peitoril da janela. Há cada vez mais iniciativas relacionadas à comida. Podemos participar de um sistema de recebimento de caixa de alimentos. Precisamos encontrar um perto de onde moramos e nos inscrevermos. Você se conecta com a comida quando você vê como ela se parece e se envolve na sua preparação, em vez de comprá-la direto do mercado embalada em plástico, geralmente já um pouco velha, então o valor nutricional não é tão alto como quando você come comida fresca. E então sentir o bem-estar que os alimentos frescos, orgânicos, te dão. Reconectar com o alimento da terra à mesa, com uma atividade compartilhada.

Ruth Rae: uma das melhores formas de se conectar com a comida é vê-la de uma ponta à outra da jornada, seja indo ao mercado comprar ingredientes ou cultivando-a na sacada ou indo à feira de produtores locais. E então cozinhar em casa, juntar a família, mesmo se for uma vez por semana para fazer alguma receita. Outra forma é ter acesso a restaurantes, talvez trabalhar na cozinha por uma semana para ver como é a jornada do alimento. Ter essa questão nas escolas também é importante. Nós costumávamos ensinar as crianças a cozinhar nas escolas aqui na Inglaterra e isso acabou por um tempo, mas agora está voltando aos poucos.

Qual é o papel da comida num mundo sustentável?Julia Posonby: A alimentação é um dos fundamentos de um mundo sustentável. Quando pensamos em comida local, em um mundo sustentável, em que há menos carbono sendo emitido em viagens aéreas e marítimas, isso implica que precisamos produzir alimentos localmente. A produção local de alimentos é fundamental para um mundo sustentável, em que as pessoas possam comer onde produzem. Não estou dizendo que não pode haver comida indo de um lugar a outro, porque é muito bom poder ter alguns temperos de outras partes do mundo que não conseguimos cultivar aqui, mas eles são pequenos e leves. Podemos ter essas coisas que não têm alto custo para o ambiente, mas ter a principal parcela da sua dieta produzida localmente. Isso é muito importante num mundo sustentável. Também porque nos incentiva a nos envolver com a produção local de alimentos e isso aumenta a conexão entre as pessoas e estimula a ideia do faça você mesmo e se envolver na colheita e ver como as coisas acontecem.

Como comer bem causando o menor impacto ambiental?Tara Vaughan-Hughes: Comer orgânicos, alimentos locais e da época. Outra forma muito útil é aprender a cozinhar. Assim, você consegue fazer uma ótima refeição a partir do que tem em casa e se sentir satisfeito, porque satisfação e saciedade são uma das coisas mais importantes quando você come. Nessas condições, você consegue fazer um banquete a partir de repolhos e nabos.

Quais as diferenças entre o fermento pronto para pão e a fermentação natural?Voirrey Watterson: O fermento pronto remonta ao início da produção industrial de pão, por isso se tornou tão popular. Nos países do leste europeu ainda se usa o sourdough [fermento para fazer pão que consiste numa massa de fermentação feita a partir de farinha e água, que é produzida uma única vez e a cada receita de pão é retirado um pouco e acrescida com uma parte da mistura da nova receita, sendo “refrescada”], como Rússia e Polônia. Eles comem muito pão de sourdough e conseguem fazer numa escala industrial. Agora este processo está voltando aqui na Inglaterra e as pessoas estão querendo mais este tipo de pão. Em parte porque há muitas questões de saúde em torno do trigo, as pessoas não conseguem digeri-lo apropriadamente. Há um argumento que diz que é devido ao modo como fazemos pão, pois há muito glúten não processado no produto final. Quando você tem o processo do sourdough, o glúten é muito mais processado e há outras coisas nos grãos que também são processadas dessa forma. O processo ocidental de fermentação é muito rápido e não dá tempo para as coisas acontecerem. É preciso tempo para a massa úmida e os grãos neste processo. O processo de fazer pão é uma ciência.

O que significa para você fazer seu próprio pão? Qual é a importância de fazer o próprio pão?Voirrey Watterson: Quando você faz o sourdough, tem a ver com sintonizar com um processo que conecta você a outros processos, pequenos e grandes. Seu pote de sourdough está repleto de vida e tudo interage, é uma cultura incrível que existe lá dentro. Se você pode usar isso para fazer seu pão, você começa a conhecer como é o processo. Quando estou mexendo a massa e a deixo descansar, ela começa a soltar bolhas, podemos ver que está respirando, que há vida ali. Eu vou deixá-la descansando à noite e amanhã de manhã a massa terá perdido peso. A massa está expirando gás carbônico, assim como nós, e absorvendo oxigênio. Há todas estas trocas acontecendo, produtos diferentes de diferentes organismos, que são consumidos por outros organismos. Assim a farinha contém mais organismos e fica bem feliz dentro do seu pote na geladeira. Fazer pão significa sintonizar com a vida e com vidas misteriosas, pois sei que existem organismos e que eles estão fazendo essas trocas, não sei precisamente como eles são. Não conheço os detalhes, mas me beneficio do processo. Isso acontece em nosso estômago, no nosso corpo, no solo, no ar e nós somos parte disso. Há diferentes níveis de sistemas mágicos e misteriosos. Podemos estudar as partes e saber os detalhes, mas no todo nós esperamos que tudo funcione da maneira que é.
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Design para harmonia, resiliência e adaptação às mudanças

Por Letícia Maria Klein •
20 setembro 2017
O Ecological Design Thinking (algo como pensamento de desenho ecológico) é uma das modalidades mais recentes do design e tem tudo a ver com empatia. No terceiro vídeo da série “Da Schumacher para o mundo”, o tema é o papel do Ecological Design Thinking (EDT) no mundo e como podemos aplicá-lo nas nossas vidas. Conversei com Seaton Baxter, ex-coordenador do curso de mestrado em EDT da Schumacher College (ele se aposentou no fim de 2016) e com Mona Nasseri, que trabalha na faculdade como pesquisadora em design e membro da equipe do mestrado. As entrevistas completas e recheadas de informações interessantes estão abaixo. Como eu fico muito curiosa para saber o que você achou, deixe seu comentário no fim da postagem e nós vamos conversando. 



Como Ecological Design e Design Thinking se combinam em Ecological Design Thinking?Seaton Baxter: A ideia de Ecological Design é muito mais velha do que Ecological Design Thinking. Provavelmente, os primeiros usos de Ecological Design datam de 1980, quando começou com pessoas como John e Nancy Todd e David Orr. Eu comecei Ecological Design como um curso de mestrado em Aberdeen in 1992. Na época, Ecological Design era visto como uma extensão do trabalho dos projetistas, era orientado a pessoas que tinham habilidade de projetar e foi apenas estendido pela dimensão ecológica. Nossa preocupação era que, enquanto vimos muitos exemplos de lindos projetos, também vimos muitos maus exemplos pela perspectiva ecológica. Um exemplo clássico seria o projeto lindo de carros motorizados, mas a dimensão ecológica da poluição que sai da exaustão nunca havia sido considerada. Então, os carros são um exemplo de bela engenharia, mas ninguém pensou nas consequências dos gases saindo dos canos de exaustão. Se tivessem pensado, teriam considerado a perspectiva ecológica. Então, em 1992 começamos um curso de mestrado em Ecological Design em Aberdeen e acho que foi um dos primeiros cursos do gênero no mundo. A ideia era que reuniríamos estudantes de design e também de biologia e ecologia. Mas tivemos dificuldades: os estudantes de design não tinham nenhum conhecimento de biologia ou ecologia, portanto, eles achavam muito difícil lidar com ecologia no nível de mestrado. Eles teriam conseguido lidar em nível de graduação, mas não de mestrado. Em contraste, os cientistas que vieram dos campos de biologia e ecologia conseguiam lidar com design. Eles nunca seriam bons projetistas, pois leva tempo para isso acontecer, mas eles conseguiam lidar bem com os conceitos. Este foi o começo e Ecological Design era a matéria de então. Eu achei na época que nós não tínhamos realmente material de base para resolver a questão. Em outras palavras, era muito fácil pensar que era apenas design com “ecologia” colocada na frente. O que isso significaria? Nós ainda não tínhamos descoberto. Cerca de 10 anos depois, eu fui convidado pela Universidade de Dundee, onde eu reuni um pequeno grupo de acadêmicos de PhD e criei um centro para estudo de Design Natural. Durante os 10 anos seguintes, nós criamos 10 ou 15 teses de PhD que analisaram o que é Ecological Design [desenho/projeção ecológico]. Estávamos construindo toda uma plataforma de informação sobre esse assunto. Então a universidade quis que eu me aposentasse e três anos depois a Schumacher College decidiu criar um mestrado em Ecological Design Thinking, não apenas Ecological Design, e perguntou se eu estaria disposto a colaborar. Então esta é a diferença: Ecological Design, num nível de mestrado, realmente precisa ser voltado para pessoas treinadas em design, é uma elaboração das suas técnicas de design. É uma elaboração significativa, pois é ecológica. Porém, a Schumacher queria trazer pessoas que não necessariamente têm habilidades de design. Nos últimos 10 anos, desenvolveu-se a ideia de Design Thinking, que não precisa ser feito por designers, mas é uma técnica que designers têm usado para lidar com problemas complexos. A Schumacher decidiu que a forma com que se trabalharia aqui era desenvolver um mestrado em Ecological Design Thinking, que permitiria a participação de estudantes vindos de múltiplas disciplinas. Então, EDT é a aplicação de uma técnica de pensamento de design vista pela perspectiva ecológica.

Qual é a importância do Ecological Design Thinking para o mundo hoje?Seaton Baxter: Uma forma de analisar é olhar para trás e perguntar quais são todas as coisas que fizemos de errado. A maioria das coisas que fazemos neste mundo é projetada/desenhada. Não necessariamente profissionalmente projetadas, mas quando você pensa sobre isso, quando acorda de manhã e decide qual será seu café da manhã, você projetou sua refeição. Então, estamos sempre projetando de alguma forma. Um designer muito famoso, Victor Papanek, disse que todos somos designers, só que não todos são profissionais. A questão é que todos precisamos ser designers ecológicos, ou, pelo menos, pensadores de design ecológico. Porque quando voltamos aos problemas que criamos, nós os criamos porque nunca pensamos nas consequências de um impacto ecológico, em seu maior sentido. Pense em todas as coisas que nós aqui na Schumacher falaríamos que são terríveis: quais seriam elas? A maioria delas teriam sido decisões projetadas ou pensadas sem levar em conta as consequências ambientais. Então, a maioria dos problemas que temos são problemas para os quais poderíamos ter encontrado solução se tivéssemos tido Ecological Design Thinking. Esta é uma forma de abordagem: ver todos os erros que cometemos, aplicar o Ecological Design Thinking e pensar o que teríamos feito se o tivéssemos usado. É como um desenho do passado. Mas, claro, o que temos que lembrar é: porque tudo está mudando e evoluindo, haverá novos problemas que não têm precedentes. O mais interessante destes problemas é que todos são muito complexos, problemas que você não consegue resolver ao dividi-los em partes. Na verdade, no passado, essa é que foi nossa dificuldade. Fomos muito bons em reduzir problemas a pedaços, apenas para futuramente perceber que os reduzir a partes não é igual a quando tentamos lidar com o problema inteiro, de uma forma holística. Então, agora, nós temos que ir em frente e pensar. Estes problemas complexos e perversos, como as mudanças climáticas, pobreza, obesidade, são problemas que você não consegue retirar um pedaço dele sem entender que ele está ligado a todo o resto. Então precisamos olhar para estes problemas de novas formas. E essas formas, atualmente, nos parecem associadas a Design Thinking, a técnica de lidar com problemas complexos. O interessante do Design Thinking é que não se acredita que você consiga achar uma resposta para um problema complexo. Esta é uma ideia velha de design: “aqui está o problema, esta é forma como lidamos com ele, esta é a resposta”. Essa é uma forma muito simples de abordagem. E você não conseguiria lidar com um problema complexo dessa forma. A essência de lidar com problemas complexos é o entendimento de que não existe uma única resposta; é essencialmente sobre como você lida com o problema e não como você o resolve, porque ele sempre vai evoluir. Então tem a ver com aprender a lidar com o problema, o que significa que mais design participativo. Mais design trabalhando com comunidades pequenas significa trabalhar com a comunidade de forma que ela continue evoluindo, porque o problema está constantemente mudando e não há uma única resposta. E a única coisa que constantemente muda com o problema é a comunidade. Design Thinking é uma ótima técnica, mas precisamos ter a dimensão ecológica, caso contrário, vamos acabar com Design Thinking resolvendo problemas, mas que não são ecológicos, o que gera mais problemas. Não seria uma técnica de solução em longo prazo. E ainda, a dimensão ecológica é difícil, porque toda a noção de ecologia é em si mesma um processo em constante evolução. O ecossistema a nossa volta não é o mesmo hoje do que foi ontem, está continuamente evoluindo. Ecological Design Thinking precisa ser um sistema dinâmico em constante evolução e para fazer isso não faz sentido dizer que o designer é o solucionador de problemas, as pessoas que têm o problema é que precisam lidar com ele.

Quais são as implicações de EDT para o mundo sustentável?Mona Nasseri: Primeiro, precisamos definir o que é EDT. É uma área muito nova que estamos explorando. Até agora sabemos que EDT é uma evolução do design e do Design Thinking. Temos que ter conhecimento de como o design evoliu ao longo dos últimos 30 anos. Design não é mais só sobre criar objetos e comunicar aos clientes. Até a década de 1970, era a rentabilidade do design que definia seu sucesso. Mas, gradualmente, isso mudou. Os designers perceberam que para tornar o design bem sucedido, eles precisavam satisfazer as necessidades dos usuários. Então, o design evoluiu do foco no lucro para o foco no usuário. Por volta de 1980, um novo campo do design começou a surgir. Design Thinking tem a ver com ser empático ao usuário. Não é mais sobre obter um produto num período curto de tempo com menos dinheiro, é sobre entender o usuário. Design Thinking tem sido aplicado em gestão, negócios e até na política. Nos últimos 10 anos, Design Thinking entrou na área da sustentabilidade e teve um grande papel na expansão do design para outras áreas, especialmente inovação social. Há também design de transição nos EUA, que começou há cinco ou seis anos, que tem uma visão sustentável de sociedade em curto e longo prazo. Em EDT, tentamos incorporar tudo isso, ter uma conexão profunda com ecologia e aprender com os ecossistemas. Nós não projetamos para ecossistemas. Ecossistemas não precisam do nosso design. A natureza tem um design perfeito. Mas nós podemos aprender com a natureza e fazer design para pessoas de uma forma que a natureza possa prosperar junto com os humanos. Ao invés de explorarmos o ambiente natural, nós podemos ter uma relação sinérgica com o ambiente natural e tanto a sociedade quanto os ecossistemas prosperam. Esta é a nossa missão em EDT. No passado, era sobre resolver problemas. Agora, design é sobre ver o potencial nos problemas e ver problemas não só como problemas, mas como oportunidades de fazer as coisas de forma melhor para as pessoas e o ambiente.

Cite alguns exemplos de EDT aplicados à realidade.Mona Nasseri: Alguns dos nossos estudantes pós-graduados têm se envolvido com educação. Dois deles estão trabalhando em Woodstock School (uma escola internato), na Índia, onde estão construindo um centro para a imaginação, usando os princípios do EDT para educar jovens, instigando-os a usar a imaginação e a criatividade para liderar movimentos em prol de sociedades sustentáveis. Outro estudante trabalhou no governo de Mallorca (ou Majorca) para desenvolver uma nova logomarca para o Estado e o processo foi bem interessante. Um pensador de design ecológico sabe que tudo que ele cria ou produz, basicamente tudo que ele faz, gera uma mudança no sistema. O trabalho dele consistiu em restabelecer o que estava por trás daquela logo e criar um sistema a partir de um material real, como a cor que ele usou na logo, que foi natural. Outro exemplo com o qual me envolvi recentemente é a colaboração em pesquisa com a Universidade Plymouth no nordeste da Tanzânia para explorar a resiliência ecológica e social de uma área em particular naquela região. A ideia é ter cientistas sociais explorando o lado social de impactos ambientais, cientistas naturais explorando o aspecto natural e pensadores de design ecológico para criar pontes entre esses dois com o objetivo de usar a sabedoria local para resolver problemas locais.

Como podemos aplicar conceitos de EDT nas nossas vidas?Seaton Baxter: Tudo que eu disse até agora implica que design tem a ver com como nós nos esforçamos em mudar o mundo lá fora. Esta é visão corriqueira do design, que se aplica ao mundo externo. Mas a chave, na minha visão, se as situações estão continuamente evoluindo, é mudar a si mesmo. Se conseguirmos mudar a nós mesmos, seremos capazes de sempre responder aos problemas. Acho que até agora em nosso curso nós temos sentido muita falta deste forte elemento. Em outras palavras, investimos muito tempo em dar conhecimento e habilidades aos estudantes em relação a como eles mudam o mundo lá fora. O que precisamos fazer é ter um esforço igual em termos de conhecimento e habilidade que você precisa para mudar a si mesmo. Porque, quando fizermos isto, quando estes pensadores saírem daqui, eles também vão tentar converter, não brutalmente, as comunidades com as quais vão trabalhar para mudarem internamente tanto quanto externamente. As ideias mais significativas começam com uma pessoa e esta pessoa precisa ter total comprometimento com o que vai fazer. Este comprometimento total vem de dentro. Como alguns dizem, “você é tolo ao achar que pode mudar o mundo, a única coisa que realmente pode mudar é a si mesmo”. É verdade, mas, ao mudar a si mesmo, você começa a influenciar outras pessoas. A chave para esta mudança interna para os pensadores de design ecológico é mudar a mentalidade, a maneira de ver o mundo. O lado bom disso é que você pode usar uma variedade de técnicas para mudar sua mentalidade, as quais você pode aplicar a um problema externo. Pense, por exemplo, em David Abram e sua abordagem fenomenológica das coisas. Então, se você muda sua mentalidade, não há mal algum em imaginar você como uma ave, pois isso te ajuda a mudar sua mentalidade. Apenas imaginar você como uma ave não necessariamente te ajuda a aplicar isso à solução de um problema no mundo. Mas se você mudou sua mentalidade, você já começou a mudar de posição em relação ao mundo. Portanto, algumas coisas vão mudar sua mentalidade e algumas destas podem ser altamente imaginativas e totalmente impraticáveis. Você não pode usá-las para resolver problemas do dia a dia, mas elas mudam a forma como você vê o mundo.

Mona Nasseri: EDT não é estranho às nossas existências. Design Thinking basicamente significa ter empatia para com os outros. Ecological Design Thinking significa ter empatia para com outros e os ecossistemas. É uma prática de estar constantemente consciente de outros seres, basicamente, e ter certeza que com cada ação nossa, não estamos comprometendo seu bem-estar. Parece abstrato, mas a realidade disso é que basta ver as conexões que temos, sentindo que somos parte deste grande sistema e que estamos conectados a tudo que acontece a nossa volta. Em termos de prática, eu diria que é muito importante fazer coisas [com as mãos], fabricar coisas, conectar-se com a terra, com o lugar onde estamos. Permacultura é uma parte importante disso. EDT não é só plantar e colher vegetais, é entender a sinergia entre seres vivos e sua conexão com a terra, com o solo. É um ecossistema perfeito e nós podemos utilizar princípios ecológicos ou da permacultura nas nossas rotinas. O mesmo se aplica aos nossos relacionamentos. Design Thinking é feito de uma série de processos interativos, que basicamente diz que a cada coisa que fazemos na vida, precisamos refletir sobre ela. Você não pode simplesmente fazer as coisas e passar reto. Não existe nada pronto, tudo está sempre evoluindo, é parte de um fluxo de evolução. Precisamos parar e refletir sobre tudo que fazemos na vida, aprender com isso e levar adiante.

Fale sobre sua transição profissional, quando você começou a aplicar EDT.Seaton Baxter: Foi uma transição interessante, pois eu passei 15 anos trabalhando no setor agrícola com design de equipamentos e prédios e estudando comportamento animal na agricultura. Por um período, eu trabalhei principalmente com produção intensiva de gado, galinhas e porcos, onde eu desenvolvia soluções técnicas muito interessantes (porque as pessoas me diziam que eram). Então, finalmente me ocorreu que havia algo errado, eu tinha esquecido que era sobre os animais. Em outras palavras, eu era um verdadeiro designer técnico, que só via as mudanças técnicas. Então eu escrevi um livro sobre todo o trabalho que eu fiz de soluções técnicas e na parte dos reconhecimentos, no início do livro, eu escrevi “Eu gostaria de agradecer a todos os porcos com quem trabalhei. Deve haver um caminho melhor”. Este foi o ponto de virada para mim, que veio através dos animais. Voltei para a universidade e comecei a estudar ética e filosofia animal. Então, a minha transição foi de ser um tecnologista puro através de um lado muito técnico da agricultura para a ideia de animais, plantas, plantações em termos de posições éticas e morais no design. Isso me coloca numa posição interessante com os meus estudantes, aqui na Schumacher, porque eu levanto questões e mostro-lhes imagens de produção intensiva de animais e isso é quase banido aqui na escola, porque, você sabe, somos vegetarianos aqui. Mas vivemos num mundo real e precisamos confrontar alguns destes problemas tão difíceis. Podemos não gostar, mas está aí. Milhões de animais sofrem nesta indústria e precisamos tratar deste assunto. Não basta saber sobre isso, entrar em negação e só virar vegetariano. Precisamos ir além e encarar estas questões como bons pensadores de design ecológico.

Mas se tornar vegetariano e posteriormente vegano tem a ver com a mudança interna que você mencionou antes.Exatamente, muito bem colocado, porque apesar de não ser estruturalmente uma mudança interna, é um passo para a mudança interna. Você acharia muito difícil fazer uma viagem interna profunda se ainda comesse carne. O fato de comer ou não carne não é a mudança interna, mas é o trampolim para a mudança interna e se você não fizer ambos, você está vivendo uma vida de dissonância, é incoerente. Você é confrontado com um conjunto de conflitos internos. “Por que eu tento acreditar nisto profundamente?” enquanto eu sento e como um bife. Não faz sentido. É difícil, a mudança interna é a mais difícil, porque é muito fácil quando você luta com uma mudança interna e depois desiste, pensando que ninguém vai notar.

A não ser a própria pessoa.Exatamente, o que nos leva de volta à questão de que a única coisa que você pode mudar no mundo é você mesmo.
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Transição para a economia do bem-estar

Por Letícia Maria Klein •
10 maio 2017
No segundo vídeo da série “Da Schumacher para o mundo”, o tema é economia para transição (o primeiro foi sobre ciência holística). Nesta série, estou mostrando um pouco do que é debatido e conversado nos cursos da Schumacher College e que podemos aplicar na nossa vida para o cultivo de hábitos e atitudes sustentáveis. Foram mais de trinta minutos de conversa com o coordenador e professor Jonathan Dawson e o professor Tim Crabtree, do curso de Economia para Transição, sobre economia holística, o que é a nova economia, exemplos da nova economia no Brasil, vida em comunidades intencionais, conexão entre economia e espiritualidade e passos para quem quer fazer a diferença e empreender seguindo os novos paradigmas econômicos. Como no vídeo não cabe tudo, as entrevistas completas seguem abaixo. Depois de assistir e ler, comente aqui para trocarmos algumas ideias.



O que é a economia vista de uma maneira holística?
Jonathan Dawson: Uma definição convencional de economia seria o que passa pelo mercado, sujeito a trocas monetárias. Começaríamos com a suposição de que, na verdade, há muitas coisas que passam pelo mercado que não contribuem para o nosso bem-estar. Acidentes de trânsito, derramamento de óleo, usinas nucleares, guerra; todos estes contribuem para o valor econômico e monetário. Similarmente, há muitas coisas que não passam pelo mercado que são essenciais ao nosso bem-estar, como criar filhos, trabalho comunitário, voluntariado e a quantidade crescente de trocas acontecendo pela internet que não conectadas a dinheiro e mercados. Então, uma visão muito mais aberta inclui uma quantidade muito maior de atividades humanas do que apenas o que passa pelo mercado.

O que é a nova economia?
Jonathan Dawson: Acredito que não existe só um tipo de pensamento sobre a nova economia. Há muitas ideias e paradigmas emergentes que estão desafiando as formas convencionais de fazer as coisas. Mas acho que provavelmente o que a maioria destes novos pensamentos tem em comum é que, ao invés de ter o crescimento como propriedade central da economia, o foco é em bem-estar e felicidade. Fundamentalmente, supõe-se que no sistema atual o crescimento econômico representa o bem-estar, o que não é verdade. Para além de um nível bastante baixo de bem-estar material, o relacionamento entre mais consumo e bem-estar deixa de existir. A ideia de que a melhor maneira de nós agirmos é simplesmente aumentar o consumo de bens materiais é uma suposição muito rasa. Então, se realocarmos o bem-estar para o centro, o propósito da economia, teremos todo o tipo de novas possibilidades e áreas.

Como foi sua experiência como presidente do Global Ecovillage Network (Rede Global de Ecovilas)?
Jonathan Dawson: Minha experiência como presidente foi muito interessante. Foi um verdadeiro privilégio poder viajar por tantas iniciativas diferentes. No começo, foi um pouco confuso, pois, pelo menos no mundo industrializado na época que o GEN foi criado, o número de ecovilas sendo criadas era relativamente baixo. A maioria das grandes ecovilas foi criada nas décadas de 1960, 70 e início de 80. No começo foi confuso, pois achávamos que nossa missão era criar muitas ecovilas, o que não estava acontecendo apesar do grande trabalha que estávamos fazendo. Acho que para mim, a ficha caiu quando eu percebi que, na verdade, o objetivo não era necessariamente replicar novas ecovilas, mas usar as existentes como centros de treinamento, tecnologia, pesquisa e desenvolvimento. Esta visão nos trouxe mais significado e mais satisfação com o trabalho.

Como tem sido sua experiência de viver em comunidades?
Jonathan Dawson: Eu vivi em três comunidades diferentes nos últimos 20 anos, começando em uma pequena em Dorset, depois em Findhorn por 11 anos e há cinco anos na comunidade Bowden House, perto de Totnes. Para mim, é um esforço muito grande viver fora de comunidades intencionais. Ao longo dos anos as pessoas me perguntavam se não era difícil viver em comunidade e eu respondo “Você acha fácil viver por sua conta?” ou “Você acha fácil viver numa unidade nuclear?”, porque eu não acho fácil. Nunca achei. Coisas como o potencial para espaço e generosidade são muito maiores em comunidade. Eu encontrei meu habitat natural. Todas as comunidades são diferentes, provavelmente a maior diferença é o tamanho. Findhorn se tornou mesmo uma vila, cerca de 500 habitantes. Onde eu estou agora, somos em 35 adultos e 10 crianças. Findhorn tem os atributos de uma vila, então você pode chegar e comprar uma casa, enquanto que Bowden House tem seu próprio processo de para se tornar membro e é muito claro quem é membro e quem não é. Eu gosto muito de viver em comunidade.

Quais são os benefícios de viver em comunidade?
Jonathan Dawson: A melhor forma de ilustrar as vantagens de viver em comunidade é descrever o que aconteceu em Bowden House na semana passada. A comunidade é musical, então na quinta houve uma noite de canto, então vieram pessoas de fora. O fim de semana foi de Halloween, então tivemos festa para as crianças com gostosuras ou travessuras. Tivemos um almoço coletivo e à noite, por ser o último domingo do mês, houve um grande coral com pessoas de dentro e fora da comunidade, cantando juntas. Também temos um centro comunitário. Em todas as quintas temos atividades de jardinagem e de apicultura abertas ao público externo. Temos 10 acres de terra, pomares, jardins, oficinas (eventos) e espaços que podemos usar para enriquecer nossas comunidades vizinhas. Claro que também pode haver desafios. Precisamos estabelecer limites, estruturar como tomar decisões, regras para quem quer usar os espaços e sob quais condições. Conflitos quase sempre acontecem, mas viver em comunidade nos dá a oportunidade de resolvê-los conscientemente, ao invés de fugir deles. Então, há desvantagens, claro, mas sou um grande fã.

Você já viajou muito para o Brasil. Quais os exemplos de nova economia que existem lá?
Jonathan Dawson: É interessante que muitos brasileiros vêm aqui para Schumacher College aprender sobre nova economia, mas, na verdade, muitos dos bons exemplos de nova economia vêm do Brasil. E geralmente os brasileiros respondem com “Sério, nunca ouvi falar”. Um dos exemplos mais bem-sucedidos de moedas complementares é o Banco Palmas, com a moeda palmas, criado em Fortaleza, mas hoje há mais de 100 bancos de desenvolvimento comunitário replicando este modelo. Todo o experimento em Curitiba em relação à criação de empregos, à qualidade da alimentação, qualidade do sistema de transporte coletivo. O fenômeno dos orçamentos participativos, que começou em Porto Alegre, em que comunidades recebem uma parcela do orçamento municipal e decidem como utilizá-la; este modelo já se espalhou pelo mundo.

A lenda do mascate de Swaffham
Jonathan Dawson: Existe uma lenda sobre um rapaz fazendeiro de uma vila chamada Swaffham [a lenda chama-se The Pedlar of Swaffham, o Mascate de Swaffham], em Norfolk. Ele tinha sonhos repetitivos que lhe falavam para ir até a Ponte de Londres e que se ele ficasse lá, ficaria rico. Então ele deixa sua vila e vai para Londres, onde fica sentado na ponte por uma semana. Pessoas passam e nada acontece. Quando ele está prestes a ir embora, um homem chega e pergunta o que ele estava fazendo sentado na ponte. O jovem fazendeiro responde: “Bem, estou meio constrangido de dizer, mas eu tive sonhos poderosos que me diziam que se eu viesse até aqui e sentasse aqui, ficaria rico”. E o homem disse: “Não seja tolo, não acredite em sonhos. Um dia eu tive um sonho poderoso que me mostrou que se eu fosse até uma vila chamada Swaffham e cavasse debaixo de uma cerejeira atrás de uma casa, haveria um pote de ouro”. E o homem descreveu exatamente a casa do fazendeiro. Então o rapaz retorna para sua vila, cava sob a árvore, acha o pote de ouro e fica rico. A moral da história é que o tesouro estava lá o tempo todo, ele não precisava ter viajado. [O maior tesouro do mundo se encontra em nossas próprias casas, jardins, na nossa família, quando se sabe reconhecer; outra moral é que talvez seja preciso primeiro se afastar para depois voltar e encontrar o tesouro.]

Que conselhos você dá para aqueles que querem empreender, sair do velho paradigma e fazer algo novo?
Jonathan Dawson: Vou imitar Satish [Kumar, cofundador da escola] e dizer “Não consiga um emprego, a última coisa que você quer é conseguir um emprego, crie o seu próprio sustento, seu próprio trabalho". É claro que há trabalhos no sistema tradicional que são úteis, eu mesmo estou fazendo um deles. É possível achar um bom trabalho no sistema. Mas muito do bom trabalho que tem sido feito é através de pessoas que saíram do sistema e refletiram sobre como poderiam ocasionar mudanças, não supondo que seria um trabalho no sistema vigente, mas uma organização ou algo assim que elas mesmos criariam. Eu diria que uma coisa muito importante é que as pessoas parem de pensar em si como indivíduos e procurem colaboradores. Quando você encontra um time, um grupo, todo tipo de coisa se torna possível.

É possível relacionar economia e espiritualidade? Como?
Tim Crabtree: Sim, acredito que é possível. Eu cresci numa família que não tinha interesse em religião. Então, aconteceram duas coisas. Assisti ao filme Gandhi quando tinha 16 ou 17 anos e foi a primeira vez que vi alguém que ligava espiritualidade com ação no mundo, o que me impressionou bastante. Isso me fez repensar espiritualidade e religião. A segunda coisa foi a leitura de “Small is beautiful”, de E. F. Schumacher [em português o livro se chama “O negócio é ser pequeno”], quando tinha 17 ou 18 anos, e tem este capítulo chamado Economia budista. Fiquei impressionado por este capítulo, em que ele fala sobre a ideia de subsistência certa. Ele fala que na economia tradicional, o trabalho é visto como desagradável, algo que tentamos reduzir a um mínimo. Mas no budismo, trabalho é importante, visto como parte da vida espiritual. Quando eu estava na faculdade, em 1984, eu comecei a estudar aikido, que é uma arte marcial japonesa e foi a primeira vez que encontrei uma prática espiritual, a meditação. Então, escola de verão naquele ano, veio um monge zen que veio do Japão, que nos ensinava meditação de manhã e relacionava com aikido. Desde então tenho praticado o Budismo e me interessei muito sobre como relacionamos espiritualidade e nossa prática no mundo, que no meu caso é economia. Por um longo tempo, a minha ênfase estava em atenção plena [mindfulness], mas eu passei a entender que a prática não tem só a ver com atenção plena, porque esta pode ser muito focada no seu eu [self], em como uma pessoa é centrada ou atenta. Mas, na verdade, o cerne do Budismo é a ideia de interser [interbeing], de que não existe separação entre nós e o mundo ou entre nós e o ambiente, entre nós e outras pessoas. Portanto, à medida que vamos tendo esta experiência através da nossa prática, a ênfase vai mais para compaixão ou conexão com outros, e então querer ajudar os outros, fazer a diferença no mundo, porque este mundo é uma extensão de nós e certamente nós iríamos querer tentar cultivar generosidade, amor e bondade. Esta é uma mudança que tenho visto na minha prática e acho que aqui na Schumacher, o modo como eu tento trazer isto para minha atuação como professor é que eu trabalho com uma budista professora e nos últimos anos a tenho convidado para ensinar aqui, pois ela é uma profissional experiente e então tentamos ligar espiritualidade e economia.

Quais os passos para fazer uma diferença no mundo ou mudar algo que te perturba?
Tim Crabtree: Uma das coisas que exploramos na Schumacher é que nossa cultura dominada pelo ocidente tem essa ideia de que tudo é conduzido pelo lado cognitivo, pela abordagem racional. Então, podemos olhar para um problema, como o ambiental, e vê-lo bem racionalmente e então pensar “qual o método racional de abordar este problema?”. Meus estudos são em desenvolvimento de economias locais e de empresas sociais. Então, quando identificamos um problema, podemos pensar em fazer um plano de negócio, ter uma visão, mas é tudo bem cognitivo. Outra coisa que aprendi com Schumacher é que, na verdade, nós temos que começar na esfera efetiva, que é a esfera conectada com nossas emoções. Eu, por exemplo, estou sempre me envolvendo com coisas que me atraem. Nos últimos três anos, tenho feito muitos trabalhos em florestas, porque eu gosto de árvores e adoro estar em florestas. Na Inglaterra, temos poucas florestas e elas não são bem manejadas. Se eu abordo esta questão apenas pela perspectiva cognitiva, eu diria “Isto é um problema, temos que fazer algo a respeito”. Mas eu posso vir da perspectiva de gosto de estar na floresta, plantar árvores, trabalhar com madeira, então isso toca uma emoção positiva que eu tenho. Outro exemplo é que eu abri uma empresa social que faz refeições para crianças na escola. Há certos problemas; na cidade onde eu moro, muitos pais não conseguem dar uma boa alimentação para seus filhos. Mas cheguei até isto porque tenho filhos e eu adoro cozinhar para eles. Então nós começamos a ajudar escolas a criarem seus próprios jardins onde as crianças poderiam plantar. Começamos a organizar oficinas onde as crianças poderiam cozinhar. Foi uma ação que começou com esta dimensão positiva da comida. Também precisamos incorporar a dimensão criativa e imaginativa das coisas, porque se iniciarmos da perspectiva cognitiva, trata-se de separar as coisas, analisá-las. Porém, imaginação e criatividade são sobre unir as coisas em novas formas, pensar novas formas de fazer as coisas. Então, se pudermos unir o efetivo/emocional com o criativo/imaginativo, parece-me uma maneira melhor de começar, pois o ponto de partida é uma energia positiva que nos atrai, em vez de um problema com o qual nos preocupamos e precisamos fazer algo a respeito. Nem sempre é bom ser impulsionado pelo que sentimos raiva ou preocupação e então tentar lidar com isso racionalmente. A terceira coisa que aprendi com Schumacher foi que somos ensinados a nos ver como separados, observador e objeto, e que estamos tentando fazer algo para o mundo. Aqui na escola exploramos formas diferentes de ver o mundo não como separado, mas com o que estamos intimamente conectados e relacionados, seja através da fenomenologia, práticas contemplativas, ecologia profunda, a construção social (ramo da psicologia que fala sobre como criamos significado juntos e como nos desenvolvemos a partir da nossa relação com os outros), enfim, práticas que exploram esta conexão que temos com os outros e com o mundo. Acho que este é um conjunto de práticas com o qual nós podemos começar e que se torna a base do que fazemos ou do que nos atrai. Então nós podemos trazer o lado cognitivo, o pensamento complexo, o pensamento sistêmico, o plano de negócios, abrir uma empresa, fazer um projeto, mas temos que começar nestes outros lugares para que o que façamos tenha mais vida.

Como você reúne pessoas em torno de uma ideia ou projeto?
Tim Crabtree: Acho que é muito fácil ter uma ideia para um projeto, o desafio é como você reúne pessoas em torno desta ideia para que ela se torne um projeto compartilhado, um esforço compartilhado. Quando eu lembro os trabalhos que fiz, eles começaram com uma ideia. Uma que eu tive foi criar um centro para comida local onde eu moro. Então, nós alugamos um prédio, levantamos recursos financeiros, renovamos o prédio, criamos uma cozinha comercial e a nossa ideia era que os fazendeiros locais viriam até o prédio e transformariam seus produtos em outros alimentos. Nós vimos esta ideia funcionando muito bem nos Estados Unidos e pensamos que poderíamos fazê-la funcionar na Inglaterra. Então conseguimos o prédio, montamos a cozinha e ninguém veio. Bem, algumas pessoas vieram, mas não o suficiente para pagar o aluguel. Então começamos a pensar no que mais poderíamos fazer com a cozinha. Já estávamos trabalhando com escolas e uma das coisas que não se ensina na escola fundamental é cozinhar. Então decidimos começar a fazer aulas de culinária para crianças. Isto começou a funcionar muito bem e levou a mais conversas com crianças, pais e professores. Nestas conversas, surgiu a questão de que nestas escolas em Dorset, não há cozinha para fazer almoço quente para os estudantes. Crianças de família com baixa renda recebiam um almoço embalado, como sanduíche, e era horrível, feito em Londres e depois carregado por 140 milhas e as crianças não queriam aquela comida. Então nós pensamos que poderíamos usar a cozinha que montamos para fazer um almoço simples, como sopa e pães [lá na Inglaterra é costume almoçar sopa com pão] e começamos a tentar e se tornou popular. Isto levou a mais conversas sobre como nós poderíamos fazer isso em mais escolas e se poderíamos fazer mais do que sopa. Então, de repente, o governo fez uma mudança na política pública que obrigava escolas a oferecer refeições quentes e precisavam cumprir padrões nutricionais. Isto foi um problema duplo: as escolas com as quais tínhamos contato não tinham cozinha para fazer estas refeições quentes e as sopas que fazíamos não atendiam ao padrão nutricional exigido pelo governo. Então reunimos os diretores de oito escolas e dissemos: “por que não criamos um empreendimento social que faça refeições escolares para suas escolas?”. A alternativa era que eles teriam que ter um contrato com uma fábrica que ficava a 200km de distância e fazia refeições congeladas e a ideia era que as refeições seriam transportadas e esquentadas em micro-ondas nas escolas. Nenhum dos pais, professores e crianças quis isso. Então eles ficaram entusiasmados com a ideia de criar um empreendimento social. Conseguimos arrecadar mais dinheiro, montamos uma segunda cozinha no centro para comida local. Hoje, oito anos depois, a empresa possui saldo positivo e tem um volume de negócios de 1 milhão de libras por ano, empresa 30 pessoas e trabalha com 33 escolas. Quando olho para trás, esta empresa começou porque a ideia original do centro de comida local para fazendeiros não funcionou e por meio de conversas aleatórias e eventos, ela evolui de outra forma. Para mim isto é uma lição. É fácil ter uma ideia e dizer “eu farei isto”, mas, na verdade, sua ideia não vai funcionar exatamente como planejada, então é necessário perceber que o processo mais importante precisa estar aberto a conversas, tentar criar o máximo de conexões possível com as pessoas da comunidade para que você esteja aberto a possibilidades, porque você não tem como prever quais serão estas possibilidades, mas se você cria espaço para estas conversas, você tenta ao máximo criar conexões que possam levar a algo e algo vai surgir, mas você não necessariamente sabe o que é.
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O que é ciência holística e como podemos aplicá-la na nossa vida

Por Letícia Maria Klein •
11 abril 2017
Mais uma série para o canal do Sustenta Ações no Youtube! Lembra que eu disse no último vídeo da série sobre a Schumacher College que voltava com novidades? Então aqui estou, começando uma segunda série sobre a escola intitulada “Da Schumacher para o mundo”. O intuito é mostrar um pouco do que é debatido e conversado nos cursos e também em relação a modos de vida sustentável, servindo de exemplo e inspiração para quem quiser novos hábitos e pensamentos. O vídeo está aqui embaixo e as entrevistas completas com o coordenador e professor Stephan Harding e o professor Philip Franses, do mestrado em Ciência Holística, logo em seguida. Vale muito a pena conferir o que esses dois têm a dizer! Depois me conta o que achou!


A foto de capa do vídeo é da mandala que fizemos com elementos naturais
durante uma das últimas aulas do curso de Ciência Holística

Como a ciência tradicional contribui para a crise ambiental e qual a importância da ciência holística neste contexto?
Stephan Harding: Acho que a principal contribuição da ciência tradicional para a crise ecológica é nos dizer que a Terra, o universo, os organismos não são nada mais que meras máquinas. Então, o que a ciência tem feito é remover a alma da natureza. Assim, não existe significado, não há propósito na natureza, organismos são apenas objetos mecânicos, basicamente mecanismos complicados, sem um “eu” próprio ou uma personalidade deles mesmos. Com a Terra é a mesma coisa. A Terra é só um conjunto de feedbacks e interações cegos e sem significado. E o universo é a mesma coisa. Então, é claro que se você vive num mundo assim, significa que você pode fazer, mais ou menos, o que quiser ao mundo natural. Você pode explorá-lo como quiser, pode fazer vivissecação, manipulação genética, lançar gás carbônico na atmosfera; estas coisas não importam porque todas estas entidades estão mortas. Apesar desta visão ter trazido benefícios, tendo nos ajudado a desenvolver tecnologias e discernimentos sobre como a natureza é estruturada, o principal problema desta visão é que ela perdeu a dimensão íntima da natureza. E, claro, a ciência é tão influente que esta visão de mundo mecanicista não se restringiu a ela, mas se espalhou para toda a cultura. Então, toda a cultura está, eu diria, contaminada de uma certa forma por esta visão errônea da natureza. Economia, educação, agricultura, assistência médica, tudo está contaminado por esta visão mecanicista da vida. Então, o que a ciência holística pode fazer? Em ciência holística, nós vemos como organismos são agentes. Eles têm sua própria atuação. Eles têm sua própria alma, sua própria personalidade. E nós desenvolvemos uma forma de sintonizar com esta personalidade nos organismos vivos, na Terra e no universo através do cultivo da percepção intuitiva, mas muito baseado no que conhecemos da ciência sobre os organismos, a Terra e o universo. Então, não se trata de descartar o que aprendemos com a ciência, e sim expandir o nosso entendimento científico com a habilidade de perceber personalidades na natureza. A natureza é repleta de personalidade, de significado e de propósito. A natureza se cria a partir de si mesma de formas significativas e isto acontece no nível de moléculas, organismos, ecossistemas, planetas e universos. Chama-se ciência holística porque reúne razão, de um lado, e uma percepção mais poética da natureza. E o que emerge daí é significado e identidade dentro do contexto científico.

O que significa ver a ciência de forma holística?
Philip Franses: Meu primeiro entendimento de uma visão holística da ciência foi quando eu estava numa livraria entre as estantes de ciência e teologia e eu percebi que você não conseguiria entender a ciência como uma disciplina separada; você tinha que entendê-la em relação à teologia, particularmente, mas também em relação à vida. Então, para mim, uma visão holística da ciência é aquela que não se divorcia e não se separa do que significa estar vivo. A questão sobre quem sou ou sobre o que significa estar vivo é a mesma que fazemos na ciência. Uma visão holística da ciência é a que entende que existe unidade no mundo e a ciência está nos ajudando a entender nossa relação com esta unidade.

Quais os ensinamentos da ciência holística?
Philip Franses: Um dos grandes ensinamentos da ciência holística é viver sem certeza. Uma das marcas registradas da ciência clássica é a de que podemos conhecer o mundo de certeza, há leis fixas e podemos viver nossa vida de acordo com a previsão do tempo, de acordo com as predições da economia, de acordo com invenções tecnológicas. Mas a teoria complexa e a teoria quântica nos mostram que precisamos valorizar a liberdade e isso é verídico em qualquer organização, em qualquer sistema vivo ou em qualquer linguagem. Quando há liberdade, há mais possibilidades, pois a liberdade te dá mais possibilidades de surgimento de significados para um sistema. Não é apenas seguir uma rotina morta ou instruções mortas. Então, para mim, [um dos ensinamentos da ciência holística] é este entendimento de que o mundo não é determinado, de como abraçar a liberdade e como entender que você deve encontrar significado dinamicamente no mundo, seja trabalhando numa organização, escrevendo uma história, viajando ou seguindo seu trajeto de vida. Liberdade é muito importante.

Como usar a perspectiva da ciência holística nas nossas vidas?
Philip Franses: Hoje, nós pensamos que ciência tem a ver com desenvolver tecnologias, tornar a vida mais fácil, trazer alguém do outro lado do mundo, esquentar seu jantar no micro-ondas. A nossa relação com a ciência é muito passiva. Nós permitimos que o entendimento que temos faça coisas para nós que são atalhos em nossa relação com o mundo. Claro que muito disso tem sido bem valioso, mas para mim, o que a ciência holística traz não é sobre como usamos a ciência para nosso próprio benefício, mas como nós melhor entendemos o mundo onde vivemos e como ela melhor nos permite criar coerência e forma, particularmente, no que estamos fazendo. Então, por exemplo, a ciência holística nos ensina como a forma surge na natureza de uma maneira holística. Portanto, como uma árvore expressa seu caráter essencial e isso não significa tentar pegar um atalho para entender o que as proteínas fazem ou que as células fazem, mas como elas expressam seu caráter essencial de ser uma castanheira ou um carvalho. Da mesma forma, a ciência holística nos permite trabalhar a questão de como nos tornamos nós mesmos verdadeiramente e o que significa nós nos tornarmos nós mesmos verdadeiramente neste mundo. Não é uma tarefa fácil, mas temos que trabalhá-la. É uma tarefa que existe no mundo, não é uma tarefa em que podemos ir à igreja e achar uma resposta num domingo e voltar ao trabalho na segunda. É algo que precisamos trabalhar o tempo todo.

Como você desenvolveu a ciência holística ao longo de sua vida?
Philip Franses: Na época, quando eu estava na livraria, eu era programador de computadores. Depois daquela experiência, eu passei a desenvolver programas que eram bem holísticos, que tentavam coordenar as escolhas de planejamento de uma organização. Eu costumava chamar isto de unidade de propósito: como você apoia a unidade de propósito em uma organização por meio do entendimento, primeiramente, do que une todos na organização e, em segundo, por meio do desenvolvimento de um software que suporte esta visão de que todos estão trabalhando para atingir o mesmo objetivo. Então, este anseio por unidade é algo que está em mim, não foi algo que eu descobri na ciência. A ciência holística está perguntando como podemos trazer a ciência tradicional para o holismo, para o todo. Ensinar aqui na faculdade e em outros lugares no exterior tem sido uma chance para desafiar esta noção de que podemos fragmentar o mundo cada vez mais sem qualquer tipo de custo ou sem levar em conta o que estamos fazendo. Quanto mais eu entendia este processo no mundo, mais eu entendia este processo em mim mesmo. A nossa tarefa é permitir que o todo reapareça tanto no mundo, através da ciência, e na minha própria vida. É preciso disciplina para ir além de ver a si mesmo simplesmente como uma entidade separada no mundo, mas encontrar uma forma de responder e estar com o mundo holisticamente.

Como as pessoas podem ter uma vida holística?
Stephan Harding: A questão chave para viver de maneira holística é trabalhar a si mesmo para perceber até que ponto você está ou não sendo controlado por esta visão mecanicista de mundo. Acho que todos nós estamos, inclusive bastante. E então trabalhar aos poucos ou rapidamente para dissolver esta visão de mundo e começar a perceber uma visão mais antiga de mundo, que é a do universo e da natureza como um todo, como um grande ser vivo cheio de significado, de propósito, de personalidade e de mistério. Todos os melhores cientistas fazem isso, de qualquer forma. Mas acho que é isso que uma pessoa pode fazer para desenvolver uma vida holística. Desenvolver um senso experiencial de pertencimento dentro do organismo da Terra e dentro do organismo do seu ecossistema local. E eu acho que isso naturalmente leva a pessoa a consumir menos para não prejudicar o grande organismo vivo do qual somos parte. Então a pessoa começa a pensar com cuidado antes de comprar qualquer coisa ou viajar para qualquer lugar. Em outras palavras, você se torna muito mais local e claro que isso envolve criar comunidade com pessoas que vivem ao seu redor e com os mais que humanos que vivem ao seu redor (as pedras, o ar, a água, todos os seres vivos, os ecossistemas). Viver holisticamente significa descobrir sua própria sabedoria ecológica profunda, nutrir e ajudar a criar um senso de comunidade e, em terceiro, por causa dos dois primeiros, a pessoa iria natural e espontaneamente consumir muito menos e apoiar a criação da economia local muito mais.

Como você faz isso na sua rotina?
Stephan Harding: Para mim é fácil, pois eu vivo e trabalho aqui na Schumacher College. Apesar de ter um carro, quase nunca o uso. Eu parei de viajar em grande parte e eu realmente penso muito antes de comprar qualquer coisa. Eu tento reparar, reutilizar e reciclar o máximo possível. Eu tenho relações de amor muito poderosas com todos os organismos ao meu redor, com as árvores, com as aves, com a terra, os fungos, o solo, o ar, as pedras. Eu cultivo uma relação de amor profunda com eles e com as pessoas ao meu redor aqui na comunidade. Mas, mais importante, eu estou continuamente trabalhando em mim mesmo para descobrir minha própria conexão com a sabedoria profunda que está ali mesmo no cerne da matéria, no cerne do universo.
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Vida pós-Schumacher e ação de ano novo

Por Letícia Maria Klein •
16 janeiro 2017
Feliz 2017! Passei dezembro aproveitando minhas duas últimas semanas na Schumacher College e as outras duas semanas viajando com meu namorado por algumas cidades europeias. Cheguei no Brasil no dia 1º e no dia seguinte já comecei A arrumação aqui em casa, desapegando de muitas coisas e organizando as que ficaram. Que sensação boa! Depois de quatro meses vivendo com uma mala, vi o tamanho do meu essencial. Neste ano, desejo a você, querido leitor que acompanha o blog, muitas sensações boas que provêm do desapego, do contato com a natureza, das celebrações, da alimentação saudável, do autoconhecimento, do consumo consciente e do que mais torne sua relação com você mesmo e com o planeta melhor.

Foram tantas emoções, aprendizados e experiências que tive na Schumacher que não consigo expressar em palavras o quanto viver lá por três meses e meio me marcou. Espero ter conseguido passar um pouco do que é a magia da Schumacher (como diz um bastão de madeira esculpido por um estudante) na série de vídeos que fiz sobre a faculdade. É um local de transformação pessoal por meio da vida em comunidade, da imersão na floresta, dos momentos diários com árvores e animais, da tranquilidade e do silêncio da vida no interior, dos diálogos interculturais, de novos conhecimentos e perspectivas, da liberdade de ser quem você é e da abertura para experimentar quem você quer ser.

Brinquedos e ursinhos de pelúcia para doação

Um dos últimos momentos de profunda emoção na escola foi quando participamos do "conselho de todos os seres", um espaço para ser outro além de humano. Se você pudesse se colocar no lugar de outro ser ou elemento da teia vida e enxergar o mundo através dos olhos dele, como seria? Foi isso que fizemos naquela tarde, uma atividade integrante do “trabalho que reconecta”, de Joanna Macy, estudiosa e ativista do budismo, pensamento sistêmico e ecologia profunda. O trabalho que reconecta não tem este nome à toa. Uma reconexão profunda com a terra, outros seres vivos e elementos do planeta acontece ali e a experiência é tão forte que leva a reflexões sobre atitudes pessoais que podemos mudar em prol de um mundo de paz, justiça e sustentabilidade.

Antes de entrar no conselho em si, fizemos uma atividade também de reconexão, mas com os seres humanos mesmo, com os colegas do grupo. Aquele momento de olhar no olho, perceber e sentir o outro e o que o outro sente e percebe, de ter empatia e enxergar a profundidade da pessoa a sua frente. Este exercício expandiu nossa sensibilidade para começar o conselho e olhar o mundo pelos olhos de qualquer elemento ou outro ser vivo que não humano.

No conselho, primeiro cada um escolhe quem ou o que quer ser (ou melhor, deixa este quem ou o que vir a si), dando-se um momento para expressar este ser. Depois o conselho começa (as duas pessoas ministrando a sessão permanecem como humanas) e são feitas três rodadas de perguntas: o que te faz feliz e o que te alimenta; o que te preocupa; que conselhos você daria aos humanos para melhorar o planeta. É uma experiência muito profunda e emocional, em que ficam evidentes questões como dignidade e valor inerentes à vida na Terra e no universo, pois cada elemento e ser vivo tem valor em si mesmo independente de qualquer uso ou finalidade que tenha para seres humanos.

Livros para venda e doação

Depois de tudo que eu vi, ouvi e vivi na Schumacher College, não tem como voltar ao que era antes. Então, para começar as mudanças na minha vida aqui, nada como uma mega limpeza e organização. Nestas duas primeiras semanas de janeiro, minha prioridade foi arrumar meu quarto e o “quarto de depósito” para tirar o que pode ser repassado, reusado ou reciclado e organizar o que ficou. Tinha coisas demais estocadas por tempo demais aqui em casa. Foi muito bom ter feito isso para começar bem o ano, com energias renovadas. Ainda falta passar um pente fino nas minhas roupas, mas pelo menos duas vezes por ano eu reviso meu armário para doar peças. Livros, CDs e DVDs são coisas que eu também reorganizo ocasionalmente, passando alguns para outras mãos. Essas arrumações sacodem as energias, abrem espaço e nos ajudam a ver como precisamos de menos para viver.

Mais materiais para doação e reciclagem

O ano está só começando, cheio de oportunidades para colocar alguns planos e projetos em prática... E você, quais as boas novas que trazes para sua vida neste ano?
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Diário de bordo #14 – O que é Schumacher College para quem estuda e trabalha aqui

Por Letícia Maria Klein •
30 novembro 2016
Depois de uma incursão pela história, rotina, princípios e festividades na Schumacher College, o último vídeo da série sobre a escola traz a opinião de estudantes, voluntários e funcionários sobre o que este lugar de aprendizado transformacional significa para cada um. Abaixo do vídeo, tem a segunda parte das entrevistas sobre os desafios de viver nesta comunidade, aprendizados e como é trabalhar aqui (como voluntário ou funcionário).



Como está sendo sua experiência na Schumacher College?

“A experiência aqui é muito intensa, de várias formas. Acho que tudo aqui é sentido ao extremo, o bom, o mal, a intensidade. Tudo aqui é tão intenso, é fantástico e intenso. Estar aqui na Schumacher está me ajudando a ter uma visão melhor e mais clara de mim mesma e do mundo.”
Anat Haas, israelita, cursando o mestrado em Economia para transição.

“Está sendo uma experiência incrível. Além de toda teoria, leitura e coisas que temos que estudar, o cuidado que a escola oferece não só com o corpo físico, mas também com a parte mental e espiritual faz toda a diferença em comparação com outras universidades.”
Debora Leal, brasileira, cursando o mestrado em Economia para transição.

“Tem sido fantástica. Estou aprendendo muita coisa nova. Eu me senti super bem acolhida, mesmo antes de vir eu já senti que seria assim.”
Cristiane Guerreiro, brasileira, cursando o mestrado em Ecological design thinking.

“Eu estou percebendo muitas mudanças em mim. Tudo está sempre mudando. Está sendo uma boa oportunidade para enfrentar dificuldades no aprendizado, porque eu não estudei ciência.”
Lisa Tanaka, japonesa, cursando o mestrado em Ciência Holística.

“Aprender a lidar e interagir com a comunidade. Há limitações em relação à liberdade, que existe, mas trabalhá-la pelo bem comum é um desafio. Eu não quero colocar valor na experiência, porque é em si enriquecedora. Não tem nada de mal aqui, cada um tem seus desafios. Vale a pena cada minuto da experiência.”
Marc Haentjens, alemão, cursando o mestrado em Ciência Holística.

“A experiência está sendo ótimo, estou adorando. Acho que o principal para mim é a vida em comunidade e isso foi uma novidade para mim e um dos motivos pelo quais eu vim. Então, estou bem interessada em ver como eu posso levar isso de volta para casa e construir comunidade no meu país. Tem sido ótimo conhecer pessoas de todas as partes do mundo e suas histórias de vida, ouvir sobre o que está acontecendo em seus países e aprender sobre novas possibilidades e alternativas.
Deirdre Kelly, irlandesa, cursando o mestrado em Economia para transição.

“Eu me surpreendi, porque eu realmente achei que [a experiência] seria constantemente elevada, mas obviamente isso não acontece porque você tem momentos bons e ruins. Tem sido uma experiência incrível, eu me sinto muito privilegiado de estar aqui e tentar apreciar isso todos os dias coloca uma pressão em estar lá todos os dias. Mas olhando para trás e revendo meu diário, onde eu às vezes escrevo sobre meu dia, eu penso “eu realmente fiz tudo isso?”. Eu lembro de um dia em que tivemos aula do Stephan [coordenador do mestrado em Ciência Holística] sobre a teoria de Gaia, em que ele tocou lindamente o violão. Então andamos de volta do Elmhirst Center [no topo do morro] pela floresta, à beira do rio, nadamos no rio. Durante o jantar, eu conversei com Pat McCabe, uma mulher maravilhosa da cultura indígena dos Estados Unidos e depois tivemos histórias ao redor da fogueira em comemoração ao equinócio de outono. Esse é um dia normal aqui, então é maravilhoso.”
Samson Hart, inglês, cursando o mestrado em Economia para transição.

Quais são os seus desafios ao viver nesta comunidade?

“Primeiramente, eu estou aqui com meu parceiro, o que é um desafio porque comunidades pequenas são bem desafiadoras, pois você sempre vê as mesmas pessoas. Pode não ser fácil, às vezes, quando você tem discussões, desacordos ou quando você não gosta de alguém. Esta não é a parte mais fácil. Também, quando as coisas não acontecem da forma como eu gostaria e eu preciso aceitar, porque é assim que funciona. Porque tudo aqui é tão intenso, tudo que poderia ser um pouco difícil se torna intensamente difícil. Então, o que na minha casa seria ok, aqui se torna mais emocional.”
Anat Haas, israelita, cursando o mestrado em Economia para transição.

“A Schumacher te proporciona muitas possibilidades. Tem a sala de artes, tem os cursos de marcenaria, de costura, então a gente fica com a ansiedade de estar deixando alguma coisa de fora. A gente tem tanta leitura, tanto estudo, tanta aula, a gente quer se integrar e conversar com todo o mundo, mas chega num dado momento que você percebe que tem uma pessoa com quem você está há meses no mesmo lugar e ainda não conseguiu trocar uma palavra com ela. Acho que um dos maiores desafios, apesar de todo o acolhimento, é justamente você conseguir ter tempo para parar e não fazer nada. Para mim, está sendo um desafio me permitir não fazer nada, porque sempre tem algo bacana para fazer aqui.”
Debora Leal, brasileira, cursando o mestrado em Economia para transição.

“Às vezes tem muita gente aqui, por causa dos cursos curtos, daí eu não gosto, eu me sinto invadida, porque é como se a gente estivesse em casa, mas de repente vem um monte de convidado que eu não convidei e fica aquele tumulto. Outra dificuldade que eu tenho é de achar minha rotina dentro da rotina daqui. Tem muita coisa para fazer, toda hora e às vezes falta um espaço, por exemplo, quando eu vou estudar e cuidar de mim. Então tem que aprender a falar não aqui, aprender a se sentir e ter seus momentos consigo mesmo, porque não dá para participar de tudo.”
Cristiane Guerreiro, brasileira, cursando o mestrado em Ecological design thinking.

“Um dos desafios que às vezes enfrentamos é tentar fazer o trabalho na comunidade ser visto como um prazer e não uma tarefa, para que as pessoas vejam que passar meia hora lavando louça não é negativo ao fim do dia, mas uma forma de se engajar na comunidade. Então é um desafio quando as pessoas não veem as coisas dessa forma.”
Rachel Musson, inglesa, voluntária.

“Sempre tem muito acontecendo, então tem que decidir para o que dizer não. Todos queremos aproveitar ao máximo nosso tempo aqui, então você quer dizer sim para tudo, mas saber que ter uma pausa e refletir também é importante. Outro desafio é sobre o que mais nós precisamos ver que ainda não percebemos, pois aceitamos o status quo, então precisamos nos desafiar e tentar fazer a transição de velhos paradigmas para novos paradigmas.”
Deirdre Kelly, irlandesa, cursando o mestrado em Economia para transição.

Como é a experiência de voluntariar/ser funcionário na Schumacher College?

“Eu tive a experiência como estudante e agora como voluntária. Para mim, a diferença é entre ser apoiado e oferecer apoio. Como voluntária, há mais responsabilidade e necessidade de saber tudo que acontece, mas é a mesma alegria de viver em comunidade.”
Diana Behrens, brasileira, voluntária (cursou o PG Cert em Ciência Holística em 2015)

“Estudar, viver, comer, cozinhar e trabalhar juntos faz da experiência de aprendizado algo muito especial. Facilita muito a inteligência coletiva e a troca entre cursos. As pessoas que vêm aqui são incríveis, com histórias loucas. Este é meu segundo ano, agora estou trabalhando aqui. Depois de começar a namorar Diana [Behrens], fomos para o México e decidimos ficar mais um ano aqui para devolver um pouco de tudo que esta comunidade nos deu e também para aprender sobre os desafios que significam manter o espaço são e seguro para viver, aprender a viver em comunidade e tomar decisões em comunidade.”
José Alejandro, mexicano, voluntário (cursou o mestrado em Economia para transição em 2015/2016)

“Ser um voluntário amplia a perspectiva da Schumacher College e eu adoraria ver em prática a ideia de o mestrado incluir uma parte de voluntariado depois dos estudos. Então, eu encorajaria qualquer um que estudou aqui a voluntariar depois, porque a perspectiva se torna muito mais rica e viva."
Ingrid Cozma, romena, voluntária.

“É um trabalho pesado, mas que é uma linda forma de contribuir. O que é de fato interessante aqui é que ao ser um facilitador de várias tarefas aqui, você se envolve em muitos dos aprendizados que estão ocorrendo e, da mesma forma, permite que os estudantes se engajem nos bastidores do que acontece, então tudo está integrado. É uma verdadeira honra poder vir aqui e dar e receber."
Rachel Musson, inglesa, voluntária.

“Primeiro eu vim como participante de um curso curto, quando tive uma experiência muito intensa, alucinante. Depois voltei como voluntário e aquela foi uma experiência sobre servir, você entende muito mais as dificuldades e desafios que existem aqui na escola. O mestrado que fiz depois foi uma jornada, como cada mestrado aqui é. Muitos desafios e aprendizados além do conteúdo do curso e isso é uma grande da experiência aqui na escola e em Dartington. Finalmente, trabalhar como funcionário proporciona uma nova camada de desafios. Ver os bastidores, os desafios em manter o lugar e os valores e ter que se moldar perante regras e regulamentos de organizações externas, como escolares, governamentais ou o Estate. Como eu consigo unir todas estas experiências é ver os desafios a partir de todas as perspectivas porque eu acho que geralmente tem mal-entendidos e falhas na comunicação entre os vários grupos.”
Faze Ali, inglês, funcionário do departamento de instalações (cursou o mestrado em Ecological design thinking, ex-voluntário).
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Diário de bordo #13 – Dia de fazer suco de maçã

Por Letícia Maria Klein •
23 novembro 2016
O Apple Pressing Day é uma data muito querida e aguardada aqui na Schumacher College e o quarto vídeo da série sobre a escola é todinho sobre este festival de maçãs. As maçãs frutificam no verão (quando é inverno no hemisfério sul) e nas semanas que antecedem o “dia de pressionar maçãs”, uma força-tarefa é colocada em prática para colher o máximo possível de frutas para fazer o suco no fim de semana marcado, que foi o dos dias 22 e 23 de outubro. A comunidade Schumacher se reúne (funcionários, estudantes e voluntários) para selecionar, triturar e pressionar maçãs, engarrafar e pasteurizar o suco. Põe força-tarefa nisso! Colhemos 2,5 toneladas de maçãs e produzimos cerca de 1700 garrafas de suco!



Os sucos que estávamos tomando até aquele fim de semana tinham sido produzidos no ano passado e os que produzimos serão consumidos por nós e novos integrantes desta comunidade até o fim do ano que vem. As macieiras foram plantadas há 25 anos aqui perto da escola, nos pomares de Dartington Hall, por Marina O’Connell Brown, que era responsável pelo programa de horticultura na Dartington School Farm.

Teve uma época em que o conselho de Dartington Estate queria acabar com as macieiras, mas Mary Bartlett, que veio a Dartington em 1963 como estudante de horticultura e se tornou responsável pelas estufas, viveiro e jardins de Dartington Hall, resgatou o pomar. A Schumacher College assumiu o cuidado do pomar e um estudante chamado Justin, há uns oito anos, teve a ideia de fazer suco com as maçãs. A partir de então, todos os anos acontece o Apple Pressing Day, festival de união em torno da produção do mais delicioso suco de maçã!

A maioria das maçãs que comemos aqui na Schumacher College vem da fazenda de orgânicos Riverford e uma parte é das macieiras plantadas nos jardins da escola. As utilizadas para fazer o suco são todas dos pomares de Dartington Hall.

Foi muito divertido participar do Apple Pressing Day, adorei! Fiz um pouco de tudo, mas fiquei principalmente na cozinha engarrafando e pasteurizando o suco. São momentos como este que fortalecem a noção de comunidade e a importância de cada um fazer a sua parte para o sucesso de todos.

Fonte: Julia Tholozan





Fonte: Julia Tholozan

Fonte: Julia Tholozan

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