Todo o mundo, ou quase, sonha em ter a casa própria. Um canto só seu, conquistado com o próprio esforço e trabalho, em que possa se sentir confortável, ajeitar suas coisinhas, ser livre. Sabe a expressão “sentir-se em casa”? Bem isso. Melhor ainda, mil vezes melhor, quando podemos nos sentir assim tão bem sabendo que também estamos fazendo bem para o ambiente, para o planeta que nos abriga e sustenta. Isso é possível graças às técnicas de bioconstrução, bioarquitetura e permacultura. Antes de conhecer algumas delas, um pouquinho os conceitos.
A bioconstrução e a bioarquitetura são áreas afins e complementares. O manual de bioconstrução do Ministério do Meio Ambiente diz que bioconstruir é fazer ambientes sustentáveis por meio de materiais de baixo impacto ambiental negativo, da adequação da arquitetura da casa ao clima local e do tratamento os resíduos, adotando sistemas construtivos e tecnologias que respeitem o ambiente nas fases de projeto, execução e uso do imóvel. Existe a preocupação constante por aproveitar ao máximo os recursos disponíveis. Como pode ser feita pelo próprio dono da casa (por isso também é chamada de autoconstrução), sem orientação profissional, cabe aí muita criatividade, vontade pessoal e uso de soluções ecológicas adaptadas à realidade da residência e dos moradores.
A bioarquitetura busca construir imóveis em harmonia com a natureza e custos operacionais menores, gerando assim um baixo impacto ambiental negativo. São levados em conta matérias-primas naturais e sustentáveis e mão de obra locais (o que reduz gastos com transporte e fabricação e consequentes gases de efeito estufa), além de tecnologias e sistemas verdes, que aproveitem ao máximo a luz do sol e o vento, que produzam energia a partir de fontes renováveis, tratem os resíduos e efluentes gerados na casa e reutilizem água da chuva.
Como é possível ver, são conceitos muito próximos. Os dois estão incluídos na permacultura, termo que veio de “permanent agriculture” (agricultura permanente), mas evoluiu para o que se pode chamar de cultura permanente. Segundo Bill Mollison, que criou o termo e estuda o assunto junto com David Holmgren desde a década de 1970, “permacultura é um sistema de design para a criação de ambientes humanos sustentáveis e produtivos em equilíbrio e harmonia com a natureza”, que considera sistemas naturais, monetários, urbanos, sociais e de crenças e que está baseada na prática de “cuidar da Terra, cuidar dos homens e compartilhar os excedentes”.
Flor da permacultura
Para construir uma casa que respeite o meio e use sabiamente os recursos, as técnicas incluem: pau-a-pique, adobe, superadobe, COB, taipa de pilão, solocimento, ferrosolocimento, fardos de palha e bambu (para a estrutura); coberturas vegetais (jardim, horta, bosque); telhado verde; círculo de bananeiras para tratar a água cinza da casa; wetlands (ou zona de raízes) e bacia de evapotranspiração para tratar esgoto sanitário; banheiro seco; reutilização de materiais (vidro, azulejo, canos, janelas) para colocar nas paredes como estrutura e decoração; sistema de iluminação e ventilação naturais; captação e reuso de água da chuva e reuso de água de uma parte da casa para outra, energia solar para aquecer água e gerar eletricidade, entre outros.
Vidros na parede
Estrutura natural ou sustentável
Terra, pedra, palha e madeira entram na roda para fazer a fundação, o chão, as paredes e o teto da casa. O superadobe, técnica criada pelo arquiteto iraniano Nader Khalili, usa sacos de ráfia, terra local e arame farpado para paredes e coberturas. O adobe é um tijolo de barro e palha, que é moldado e seco de forma natural, sem queima e que proporciona conforto térmico no ambiente devido à presença da palha. O COB, que significa maçaroca em inglês (massa), é uma mistura de argila, areia, palha e água, feita com os pés, que permite às pessoas moldar a casa inteira, abusando da criatividade. Fica lindo, olha só!
A taipa de mão, pau-a-pique ou taipa de sebe é um quadro de galhos com uma trama de galhos ou bambus preenchida com terra. A taipa de pilão é terra socada com um pilão dentro de uma forma de madeira (a taipa). O solocimento é um tijolo prensado feito de areia, argila e cimento – a cura (secagem) é feita em local coberto, por sete dias, mantendo os tijolos úmidos. Os fardos de palha são usados em conjunto com terra (para o reboco), sisal e arame. O ferrocimento usa argamassa de cimento e areia armada em uma trama feita de vergalhões finos, coberta por tela de galinheiro de fios galvanizados. É bom para a construção de reservatórios de água, e apesar de levar cimento e ferro, que não são materiais ecológicos, estes são usados em quantidade bem menor do que as cisternas convencionais.
Cobertura vegetal
As áreas verdes no terreno oferecem vários serviços ambientais, que são os benefícios que as pessoas recebem da natureza por meio dos ecossistemas, direta ou indiretamente, e que sustentam a biodiversidade. A vegetação controla e reduz a temperatura, filtra o ar, traz sombra (no caso de árvores altas), protege da poluição do som e do ar, abastece os corpos d’água e lençóis freáticos, evita a erosão do solo, reduz a contaminação e abriga milhares de espécies animais. Além disso, ter a própria horta e pomar significa frutas, verduras e legumes frescos e sem agrotóxico (mais saúde!) e grande economia de dinheiro.
Telhado verde
Como o nome sugere, são os telhados que têm cobertura vegetal, geralmente plantas baixas e flores em telhados planos e gramíneas em telhados inclinados. Segundo pesquisa da Universidade de São Paulo, os telhados verdes reduzem a temperatura em até 5º Celsius e aumentam a umidade relativa do ar em até 15% em relação aos edifícios com cobertura de concreto, o que aumenta a eficiência energética. Também diminuem a poluição e melhoram a qualidade do ar, ajudam a combater o efeito de ilha de calor (aumento da temperatura devido à concentração de asfalto e cimento) nos centros urbanos, melhoram o isolamento acústico da edificação e retém a água das chuvas, o que diminui os riscos de enchentes, podendo, inclusive, ser dotados de sistemas para tratamento de efluentes sanitários. Além disso, embelezam os centros cinzas das cidades e atraem animais, como aves e borboletas.
Tratamento de água e efluentes
Para ser autossuficiente e independente em termos de abastecimento de água e tratamento de água e efluentes sanitários, uma casa precisa ter sistemas que façam essa captação e limpeza. Grande parte do processo é feito por plantas. Da quantidade de água usada nas residências, uma parte é água negra (esgoto sanitário) e a outra parte é água cinza (de lavação de roupas/louças e banho). Tudo começa com a captação, filtragem e armazenamento de água da chuva. As águas cinzas, depois de passarem pela caixa de gordura, vão para o filtro biológico, que tem plantas aquáticas filtrantes e camadas de terra, cascalho, carvão e brita. Da caixa, a água pode ser usada no jardim e vaso sanitário. As águas cinzas também podem ser filtradas por raízes de bananeiras, plantadas em círculo com um metro de diâmetro por um de profundidade. As águas negras podem ser tratadas em bacias de evapotranspiração ou por wetlands. Nestes sistemas, o esgoto passa por decomposição anaeróbica numa câmara, filtragem e depois purificação por meio das raízes de plantas que estão na superfície. A diferença entre os dois é que no tanque ou bacia de evapotranspiração, a água sai do sistema em forma de vapor pelas folhas das árvores e no sistema de wetland, o esgoto entra de um lado e a água limpa sai do outro.
Wetlands
Banheiro seco
Para quem não quer usar água no vaso sanitário e ainda aproveitar os resíduos como adubo, existe a opção do banheiro seco ou compostável. O vaso continua lá, pelo menos a tampa dele, mas os efluentes descem até uma câmara onde são compostados e viram adubo para ser usado na agricultura ou no jardim. Tem vários modelos, de simples a complexos. O modelo desenvolvido pelo Instituto de Permacultura e Ecovilas do Cerrado (IPEC), em Pirenópolis, Goiás, por exemplo, tem duas câmaras de compostagem que armazenam a urina e as fezes até que se transformem em composto, que é levado depois para um minhocário, onde vira adubo orgânico. São duas câmaras porque enquanto uma está em processo de compostagem, a outra está em funcionamento (o que significa que são dois vasos). Toda vez que alguém usa o banheiro, deve colocar serragem sobre os dejetos para facilitar a compostagem e evitar mau cheiro. O banheiro também tem duto de saída de ar das câmaras para evitar odores e o ideal é pintar as câmaras de preto e posicioná-las onde pegue sol, para que o processo seja mais eficiente (o calor faz o ar circular).
Serragem para o banheiro seco
Iluminação e ventilação natural
Aproveitar ao máximo a luz do sol e os ventos é uma ótima forma de economizar energia, pois a dependência de lâmpadas e condicionares de ar diminui. A iluminação natural pode ser potencializada com o uso de garrafas de vidro nas paredes, como na casa da jornalista Giuliana Capello, brise de madeira reflorestada, calaraboia tubular (pode ser feita até com garrafa pet) ou com janelões abertos na estrutura, que podem ser de vidro ou ter apenas telas e redes de proteção (este é bom para quem mora em meio rural ou ecovilas). A ventilação natural contribui para o conforto térmico e a qualidade do ar no interior das residências, pois leva embora microrganismos prejudiciais à saúde, mau cheiro e gases tóxicos. Além de levar em conta no planejamento o pé-direito alto e a ventilação cruzada, é preciso saber que as condições dos ventos dominantes locais, a radiação solar e a umidade relativa do ar influenciam na ventilação natural. Como o ar quente sobe e o frio desce, instalar entradas de ventilação perto do chão faz com que o ar fresco entre e empurre o ar quente para cima, que vai passar por saídas instaladas no alto da parede ou no teto.
Captação e reuso de água da chuva e de água interna da casa
É fantástico para diminuir os custos com abastecimento de água da rede ou mesmo tornar-se independente dela. Falei sobre este tema na primeira parte da série Cuidando da água – como economizar. Além de apenas captar água da chuva, uma parte dela pode passar por filtros e tratamentos para estender seus usos na casa.
Energia solar para aquecer água e gerar eletricidade
O aquecimento solar de água e as placas fotovoltaicas utilizam uma fonte inesgotável e limpa, o sol. O investimento retorna de dois a quatro anos para o primeiro sistema e em torno de 10 anos para o segundo. A durabilidade é de décadas, então vale sim a pena. O sistema solar de aquecimento de água é composto de um tanque reservatório e coletores solares. A água do tanque passa pelos coletores, onde é aquecida pela radiação do sol e retorna ao reservatório. A economia de energia pode chegar a 80% no fim do mês. O sistema fotovoltaico, que gera energia elétrica, pode ser off-grid (isolado) ou grid-tie (ligado à rede). Ambos têm vantagens e desvantagens dependendo das circunstâncias da residência, da região e das intenções dos moradores e são compostos por painéis solares, controladores de carga, inversores e baterias.
Coletores solares para aquecer água (esquerda)
e placas fotovoltaicas (direita)
Com estas técnicas, o estilo de vida sustentável ganha um sentido mais amplo e autoral, possibilitando a fundação (figurativa e literalmente) de uma existência pautada no respeito à natureza e integração com o ambiente que nos sustenta.
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