Diário de bordo #7 – Dietas da paz

Por Letícia Maria Klein Lobe •
31 outubro 2016
Você já parou para pensar na sua comida? Na sua relação com a comida? Por que você come o que você come? De onde vem tudo o que você come? Como foi cultivado, produzido, manipulado, transportado? Teve implicações éticas, ambientais, espirituais? Quais? Fica cada vez mais claro para mim, através de leituras, vídeos e agora bem mais forte com as experiências aqui na Schumacher College, que a alimentação é uma das expressões mais fortes da nossa relação com o mundo. Ela conta uma grande parte da nossa história. E pode nos trazer muitas reflexões. Nesta semana rolou uma conversa aqui que me fez repensar algumas coisas na minha alimentação.

Will Tuttle, autor do livro The World Peace Diet – Eating for Spiritual Health and Social Harmony (“A dieta mundial da paz – alimentando-se para saúde espiritual e harmonia social”, em tradução livre), conversou com a gente por Skype sobre suas ideias. Will é vegetariano há mais de 40 anos e depois se tornou vegano. A mãe dele também acabou se tornando depois, com 70 anos! Hoje ela tem 88 e é a única do grupo de amigas dela, segundo Will, que não toma remédios.



A conversa foi só uma hora e o livro é bem grande, mas deu para perceber que a questão gira em torno dos nossos sentimentos e emoções. Tem a ver com o primeiro aspecto da ecologia profunda, com a noção de valor e dignidade intrínsecos a todos os seres e elementos naturais, independente de propósitos e usos humanos.

Uma dieta animal, baseada na criação de animais para o abate, precisa de muito espaço. Este processo de conseguir terra, criar, abater, transportar e comer vai gerando impactos negativos, como poluição, degradação do solo, desmatamento, sobrepesca e produção de grãos para alimentar bois, vacas, porcos, galinhas, patos, etc. Neste processo, os sentimentos estão ausentes e as conexões entre pessoas e animais também. Se não conseguimos ver as conexões com outros seres e elementos na teia da vida, acabamos não tendo compaixão e gentileza para com eles e o planeta, explicou Will.

A ligação entre paz e dieta está no fato, segundo ele, de que guerras de desigualdade são exemplos de domínio da humanidade sobre outros seres e elementos da biodiversidade. Ele diz que enquanto houver produção de comida para alimentar animais criados para abate e pessoas passando fome, nunca haverá paz. Isso porque as relações aí estão danificadas, tanto para com os animais quanto para com as pessoas que não têm o que comer. A ideia é que um mundo de paz tem seres livres e saudáveis, então se quisermos ser livres e saudáveis, precisamos deixar que os outros seres também sejam. Para isso, “mude a única pessoa que você pode mudar, você mesmo”, disse.

Antes, eu pensava que não havia problemas em consumir leite e derivados orgânicos, mas durante a fala dele eu fui percebendo que não é bem assim. Eu perguntei a ele como funcionam as fazendas orgânicas para produção de leite e derivados. Claro que existem exceções e nem sempre é preto no branco, mas a resposta dele mostrou que a imagem que eu tinha de fazenda orgânica de animais era distorcida.



Por mais que o processo de extração do leite e produção de derivados seja orgânico e que o bem-estar dos animais seja levado em consideração, ainda é um negócio. O que significa que os filhotes são separados das mães quando nascem para que se possa extrair mais leite, que as vacas são inseminadas artificialmente todos os anos e que elas são mortas depois de algum tempo, quando não são mais úteis no ponto de vista antropocêntrico. Assim, o que o Will questiona é como ter uma sociedade justa, pacífica e livre enquanto destruímos as relações entre os seres.

As exceções incluem, por exemplo, propriedades bem pequenas em que o boi está presente para procriar com a vaca e os filhotes ficam com a mãe durante o dia para mamar, como a Ella Sparks, que trabalha aqui na escola, me contou depois da entrevista.

A alimentação é um dos pontos essenciais da Schumacher College (muito mais sobre isso logo logo no blog). Eu já era vegetariana antes de vir para cá e consumia muita coisa orgânica. A ida à feira dos produtores locais era garantida! Eu já não tomava mais leite tradicional (que vinha da produção industrial de leite e derivados) e tinha diminuído o consumo de manteiga e queijo; ovos, só orgânicos. Como a oferta de restaurantes e cafeterias orgânicas e vegetarianas em Blumenau é bem pequena, nem sempre eu conseguia manter essa dieta.

Saber que a maioria das fazendas orgânicas de animais não se encaixa na visão que eu tinha mexeu comigo. Incluí meu nome na lista de dairy free (livre de leite e derivados) a partir daquele dia e estou tranquila. Teve macarrão outro dia e eu acabei colocando queijo ralado por cima. Como tudo na natureza, é um processo, então eu vou aos poucos me adaptando. Continuo com os ovos orgânicos das galinhas da Schumacher ou das fazendas vizinhas. Mas vou visitar o galinheiro para conhecer mais as galinhas e ver como elas vivem aqui.

E assim vou vivendo, aprendendo, (me) conhecendo e mudando um pouquinho a cada dia.
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Diário de bordo #6 – Carpinteira por um fim de semana

Por Letícia Maria Klein Lobe •
08 outubro 2016
Hands, head and heart é a filosofia da Schumacher College. Fazer, pensar e sentir. No último fim de semana eu tive uma vivência fantástica nesta tríade. Confeccionar algo com as próprias mãos, colocar amor no que está fazendo e raciocinar sobre as melhores formas de colocar a ideia em prática é muito satisfatório! Trabalhar com carpintaria para construir uma estrutura de observação de estrelas me fez sentir plenamente presente naqueles momentos em que eu estava trabalhando com a madeira e em conjunto com meus colegas. Foi quase como uma meditação dinâmica, totalmente imersa no presente, mindfull.

Descascando madeira

O acampamento (sim, acampamos na floresta!) foi organizado pelo Craft Revolution com o objetivo de construir uma estrutura de madeira para observar as estrelas (star gazy seat). Cerca de trinta pessoas participaram, incluindo estudantes da Schumacher e da Universidade Plymouth além dos instrutores. Foram dois dias de imersão na floresta e trabalhos manuais, com direito a escapulidas para a escola para tomar chá ou banho (a floresta fica exatamente atrás da escola, a um minuto de distância, e nossa comida veio de lá).

Montando um dos sete pés da estrutura

De sexta à noite até domingo à tarde ficamos juntos na floresta, nos esquentando ao redor da fogueira – estava um frio de lascar! – fazendo refeições juntos ao redor da fogueira e trabalhando a madeira para construir o star gazy seat. Todos tiveram oportunidade de fazer todas as etapas. Eu serrei, descasquei toras, preguei, parafusei, martelei, lixei, fiz medições e integrei a super equipe que colocou a estrutura de pé em dois dias.



Foi um grande trabalho em conjunto, todos engajados e empolgados. Foi um prazer ter participado do Make Camp. A estrutura vai ficar na floresta para todos que quiserem um momento de contemplação do céu estrelado de Dartington (estrelado, mesmo!).

Estudantes da Schumacher College que participaram;
atrás, a estrutura pronta.

Já a parte de acampar... digamos que agora eu sei como não acampar (foi minha primeira vez numa barraca). Dica: nunca menospreze o valor de um bom saco de dormir e a temperatura fria das noites de outono inglês na floresta. No fim, toda experiência nos ensina alguma coisa.

De dentro da estrutura star gazy seat. Um dos lados não tem esse apoio de pés,
para ser a porta. O corpo fica repousado sobre uma das paredes de madeira,
criando um ângulo legal para olhar para o céu.

A fabricação artesanal, como eu percebi, é uma forma de reconectar com a terra, a cultura, a história, o lugar em que vivemos, as fontes naturais, a biodiversidade e outros seres humanos. É ver as relações entre os seres e outros elementos naturais e compreender significados nestas relações. É perceber-se como um reflexo do todo e como somos importantes para o equilíbrio do todo.
*As fotos foram tiradas por algumas pessoas e compartilhadas, a maioria com o celular da Camila.
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