Um mundo de plástico (e como estamos sendo dominados por ele)

Por Letícia Maria Klein Lobe •
16 novembro 2017
O plástico está em todo lugar: da escova de dente à geladeira, do carro ao avião, das nossas roupas sintéticas ao oceano, do plâncton a nós mesmos. Sim, é verdade. O plástico já conseguiu entrar nos nossos corpos. Pesquisas recentes encontraram micropartículas de plástico nos peixes, no sal marinho, na água da torneira, na cerveja, no mel e no açúcar. Nos rios e mares, o lixo plástico vai se desintegrando e as partículas minúsculas vão sendo ingeridas pelos animais, do plâncton à baleia. Cientistas da Universidade de Ghent, na Bélgica, calcularam que as pessoas que comem frutos do mar ingerem até 11 mil micropartículas de plástico por ano!

Ainda não se sabe o efeito disso no corpo humano. Nos oceanos, por outro lado, os efeitos são visíveis, contabilizáveis e catastróficos. Até 12,7 milhões de toneladas de plástico todos os anos, o equivalente a um caminhão de lixo por minuto de acordo com as Nações Unidas, somando-se as 150 milhões de toneladas que atualmente circulam nos ambientes marinhos. Incluem-se aí sacolas, escovas de dente, embalagens, garrafas, copos, canudos e muitos outros itens de plástico que compõem 90% do lixo presente lá. Se esse cenário persistir, estima-se que em 2050 haja mais plástico do que peixe nos oceanos, de acordo com pesquisa da Fundação Ellen MacArthur. Isso pode representar a morte dos oceanos e, consequentemente, de pessoas. Um dos motivos seria a deficiência de oxigênio, pois as cianobactérias (também conhecidas como algas azuis) produzem de 60% a 80% do oxigênio que nós respiramos. Nós e outros milhares de espécies.


Microplástico dentro de um plâncton. Fonte: Corin Liddle/OrbMedia

Futuro assustador, não? A realidade já é bastante assustadora, principalmente se vamos aos números da poluição por plástico. Desde o início de sua produção industrial em 1950 até 2015, já foram produzidas 8,3 bilhões de toneladas de plástico, das quais 80% estão em aterros sanitários ou espalhadas pelo mundo, poluindo ambientes naturais e construídos. A quantidade produzida desde 2000 se equipara ao total das cinco décadas anteriores. Todo ano a produção aumenta quase 300 milhões de toneladas, sendo que 40% são usados apenas uma vez e descartados e 9% são reciclados. As garrafas plásticas representam uma grande parte desse montante. As pessoas compram um milhão delas por minuto ao redor do mundo, chegando ao total de 480 bilhões de garrafas vendidas em 2016. Se empilhadas, passariam da metade da distância até o sol. A previsão é que esse número aumente 20% até 2021, totalizando 583,3 bilhões por ano, e quadruplique até 2050!

A maioria das garrafas plásticas é usada para consumo de água e as maiores marcas de bebidas respondem por números astronômicos. A Coca-Cola produz mais de um bilhão por ano, o que dá 3.400 por segundo, conforme uma análise feita pelo Greenpeace. Um dos grandes problemas é que quase tudo provém de material virgem. As seis maiores empresas do ramo usam em média apenas 6.6% de plástico PET reciclado em seus produtos, sem metas de aumento dessa porcentagem. De acordo com a Federação Britânica de Plásticos, a produção de garrafas com 100% de material reciclado economiza 75% de energia comparada à fabricação de garrafas com matéria-prima virgem.


Praia com lixo plástico em Gana. Fonte: Christian Thompson/EPA/The Guardian

Na natureza, especialmente nos oceanos onde vai parar a maior parte, a garrafa plástica pode levar até 450 anos para se decompor, sendo que sua decomposição significa que ela vai se desintegrar em milhões de micropartículas de plástico. Essas partículas já foram encontradas em sal marinho no Reino Unido, França, Espanha, China e Estados Unidos, onde a Universidade do Estado de Nova York em Fredonia e a Universidade de Minnesota realizaram uma pesquisa, liderada pela professora Sherri Ann Mason. Foram analisados 12 tipos de sal, incluindo 10 marinhos, comprados em lojas estadunidenses ao redor do mundo. Ela descobriu que cidadãos dos EUA poderiam estar ingerindo cerca de 660 partículas de plástico por ano, se consumidas as 2.3g de sal recomendadas por dia. Níveis detectáveis de bisfenol-A, um composto do policarbonato, foram encontrados na urina de 95% dos adultos daquele país.

Em um estudo espanhol, os pesquisadores encontraram plástico em todas as 21 amostras de sal de cozinha testadas. O tipo mais comum de plástico identificado foi o PET (polietileno tereftalato). Outro grupo de cientistas da França, Reino Unido e Malásia encontrou micropartículas de plástico em 16 de 17 amostras de sal de oito países e a maioria era de polietileno e polipropileno. A primeira dessas pesquisas foi realizada na China, em 2015, e encontrou microplásticos provenientes de esfoliantes, cosméticos e garrafas em 15 amostras de sal vendido no país. Mason disse que espera que essas pesquisas não façam as pessoas simplesmente trocarem a marca do sal que usam:

"As pessoas querem se desconectar e dizer: ‘Está tudo bem se eu for ao Starbucks todos os dias e pegar uma xícara de café descartável’. Nós temos que nos concentrar no fluxo de plástico e na onipresença dos plásticos em nossa sociedade e encontrar outros materiais para usar em vez dele."

A ubiquidade dos plásticos nos atinge num aspecto extremamente sensível e diário: o consumo de águaUma pesquisa exclusiva feita pela Orb Media em parceria com a Faculdade de Saúde Pública da Universidade de Minnesota revelou a presença de fibras de plástico em 83% das amostras de água da torneira coletadas nos cinco continentes, de Nova York a Nova Déli. A maior taxa de contaminação foi nos Estados Unidos, onde encontraram fibras plásticas em 94% das 33 amostras coletadas em lugares como os prédios do congresso, da Agência de Proteção Ambiental e na Trump Tower. No Líbano, foram 16 amostras, com a mesma porcentagem de contaminação. Em seguida vem a Índia, com 82% das 17 amostraram contaminadas e Uganda, com 81% das 26 coletas. Na Indonésia, 76% das 21 amostras tinham microplásticos e no Equador, 75% de 24. Por fim ficou a Europa, com 72% das 18 amostras contaminadas. O número médio de fibras encontradas em cada uma das amostras de 500 ml variou de 1.9 na Europa a 4.8 nos EUA. A Folha de S. Paulo participou deste levantamento e enviou ao laboratório da faculdade 10 amostras coletadas em São Paulo, em uma torneira de cozinha na região oeste, torneiras de banheiro do Parque Ibirapuera e do MASP. Nove apresentaram fibras.


Fibras de plástico na água em Nova Déli, Índia. Fonte: OrbMedia.

Da água para a cerveja é um pulinho. Um estudo alemão encontrou fibras e fragmentos plásticos em todas as 24 amostras de marcas de cerveja testadas. Ainda na Alemanha, e também na França, Itália, Espanha e México, todas as 19 amostras de mel analisadas tinham fibras e fragmentos plásticos. Esta mesma pesquisa também coletou amostras de cinco marcas de açúcar refinado e (adivinha!) todas tinham plástico. Outra fonte de microplásticos é o ar que respiramos. Pesquisadores franceses descobriram, em 2015, que Paris é recoberta com de três a 10 toneladas de fibras plásticas todos os anos, que vão parar, inclusive, dentro de casa. O mesmo estudo também identificou a presença de plástico no esgoto e em água doce, como a do Rio Sena.

Uma das fontes da emissão de fibras plásticas no ar é o desgaste de pneus e marcações rodoviárias. Outra fonte muito significativa são as roupas sintéticas, que liberam até 700 mil fibras por lavagem na tubulação. Elas vão parar nos rios e oceanos quando não são retidas na estação de tratamento de água. Nos Estados Unidos, 29 toneladas, cerca de metade do que sai dos encanamentos, vai parar nas vias fluviais todo santo dia. Quando secadas na máquina, as fibras também são liberadas, indo parar geralmente no ar.

Um dos perigos do plástico é que ele tem afinidade química com contaminantes presentes no ambiente, como pesticidas e metais, explica Felipe Gusmão, oceanógrafo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em Santos. Assim, quando ingeridos por seres vivos os microplásticos liberam as toxinas no organismo. Um estudo da universidade comprovou que os contaminantes liberados pelos microplásticos são tóxicos para larvas de mexilhões. Richard Thompson, professor na Universidade de Plymouth, disse que “ficou claro desde cedo que o plástico liberaria esses produtos químicos e que, de fato, as condições do intestino facilitariam uma liberação bem rápida”. Na sua pesquisa, ele encontrou plástico em um terço dos peixes no Reino Unido, entre eles bacalhau, arinca e cavalinha, além de mariscos.

Essas pesquisas evidenciam não só problemas ambientais, mas sociais e econômicos. O lixo é uma invenção nossa. A espécie humana é a única que produz materiais que não podem ser aproveitados por outros seres e nem compostados na natureza. Essa situação provoca doenças, poluição, degradação de ecossistemas, esgotamento de bens naturais, morte de milhões de animais e perdas de bilhões de reais por ano. Essa situação reflete a desconexão das pessoas com a natureza; evidencia os efeitos dos modos de produção e consumo lineares, de estilos de vida e de padrões de sociedades pautados no imediatismo, no individualismo, na ganância e na ilusão de felicidade e bem-estar a distância de um cartão de crédito.


Fonte: UniPlanet

A problemática dos resíduos sólidos está no mesmo patamar de gravidade das mudanças climáticas, segundo ativistas. Num planeta vivo, constituído por uma teia de vidas, todos os problemas socioambientais estão interligados e se afetam mutuamente, criando uma crise global e profunda. “Mas não é possível que vivamos para perpetuar os problemas no mundo, tem que haver mais do que viver para ganhar uns trocados.” Economia e ecologia estão intrinsecamente ligadas, porque as duas são sobre casa (eco, do grego oikos, significa casa). Nossa grande casa comum. Economia quer dizer administrar a casa, cuidar de tudo que aqui existe para que continue existindo. Vamos combinar que, de forma geral, não é isso que estamos fazendo. Como disse Margaret Atwood neste artigo, precisamos de uma absoluta Reforma dos Plásticos.

Ele sugere a utilização de substitutos orgânicos e biodegradáveis para realizar as tarefas hoje feitas por plásticos, inventar métodos para filtrar e retirar os plásticos dos rios e mares e recolhê-los antes de chegarem aos oceanos. Mas, antes disso, precisamos mudar a maneira como enxergamos e nos relacionamos com o material. Na teoria, todos os tipos de plástico podem ser reciclados, mas alguns são mais difíceis e, portanto, não tem viabilidade econômica. A questão financeira é importante, visto que é uma das bases da maioria das sociedades. Cerca de 400 garrafas plásticas são vendidas por segundo no Reino Unido e metade é reciclada. Na Alemanha, onde as pessoas são reembolsadas ao devolver as garrafas, o índice de reciclagem vai a 98%.

Ao mesmo tempo em que veneramos o plástico por sua versatilidade e durabilidade, tratamos o material com descaso quando o taxamos de descartável e o utilizamos dessa forma. Qual é a lógica de retirar petróleo do subsolo, gastar bilhões de reais em processos e mão-de-obra, investir tempo, usar e poluir bens naturais para produzir coisas que vão ser subaproveitadas e enterradas (quando não largadas por aí), onde ficarão centenas de anos poluindo? É da nossa casa que estamos falando. É o planeta onde vivemos que estamos destruindo. Mas não precisa ser assim. Ou melhor, não pode ser assim. Que saibamos usar nossa racionalidade, consciência, habilidades e bons sentimentos para a prosperidade de todos e compreender o que de fato significa viver no planeta Terra.


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