Como as pessoas estão mudando o mundo com o lixo zero - IV Encontro Internacional Juventude Lixo Zero

Por Letícia Maria Klein Lobe •
02 novembro 2017
Neste segundo post sobre o que rolou no IV Encontro Internacional Juventude Lixo Zero, de 20 a 22 de outubro, você vai conhecer pessoas que foram ao evento para compartilhar seus estilos de vida e trabalho em prol de um mundo sem desperdício (no primeiro, vimos o panorama dos resíduos no mundo). Sem delongas, deixe-se inspirar por estes exemplos!

Já pensou entrar em um supermercado e pegar tudo o que precisa, mas pagar somente se puder? Este mercado existe, fica na Austrália e foi idealizado por Ronni Khan depois de mais de uma década trabalhando para evitar o desperdício de comida. Ronni é empreendedora social da OzHarvest, presente hoje em 15 cidades do mundo, cuja missão é resgatar comida boa que seria desperdiçada para alimentar pessoas com fome. A iniciativa surgiu quando Ronni, que tinha uma empresa de eventos, percebeu a quantidade de comida que não era consumida. Na Austrália, o desperdício de comida equivale à perda de 20 bilhões de dólares por ano.



Ela começou a distribuir as sobras dos seus eventos para pessoas necessitadas e desde então o negócio só cresceu, resgatando alimentos em perfeitas condições que estabelecimentos e restaurantes iriam descartar. Depois de 13 anos de atividade, a OzHarvest possui 50 veículos que entregam comida que iria para aterros sanitários a mais de mil instituições. A quantidade de comida resgatada é tão grande que Ronni investiu no OzHarvest Market, em que as pessoas pegam o que precisam, mas pagam se puderem e o quanto quiserem. Cada dólar doado é revertido em duas refeições para pessoas necessitadas. Além de resgatar comida, a empresa investe em educação, engajamento e inovação, ensinando pessoas em situação vulnerável e trabalhando pela redução do desperdício. Outra realização da empresa é o evento Pense. Coma. Poupe., que acontece em várias cidades do mundo todos os anos e reúne pessoas para um almoço grátis a partir de alimentos resgatados. Lindo, né?!

"O desperdício de meio hambúrguer equivale
à água utilizada num banho de 60 minutos"
Outro empreendimento relacionado à alimentação é a Maria Granel, primeira loja de produtos orgânicos a granel e lixo zero de Portugal, em Lisboa. A idealizadora e proprietária Eunice Maia pesquisou e estudou durante dois anos para buscar fornecedores de produtos orgânicos, sempre privilegiando a qualidade. Quando começou sua pesquisa, os dados de 2013 mostraram que cada habitante português produziu 440 kg de resíduos naquele ano, dos quais 13% foram reciclados ou compostados, 24% foram incinerados e 50% foram aterrados. Para combater tanto desperdício e prestar uma homenagem às suas origens de ter sido criada em fazenda, ela abriu a loja, onde uma boa equipe multidisciplinar vende apenas produtos sem embalagens e cultivados sem agrotóxicos e outros químicos e tem muitas opções vegetarianas e veganas. Assim, desde a sua abertura em novembro de 2015, a Maria Granel trabalha com o conceito BOYC (bring your own container): traga seu próprio recipiente. As pessoas levam seus próprios sacos ou potes e levam apenas o que precisam, o que estimula o consumo consciente de alimentos e não gera desperdício de embalagens. Para os que não levam os seus próprios, a loja disponibiliza sacos de pano, de papel e frascos de vidro.



Também são vendidos produtos ecológicos (como copo de bambu orgânico) e são feitas campanhas de épocas festivas baseadas no lixo zero (como os Miminhos de Natal). Para aplicar o conceito lixo zero de uma ponta a outra da cadeia, Eunice combinou com os fornecedores a entrega dos produtos em sacos de 25 kg, que são reutilizados para outras coisas, indo parar até em brincadeira de corrida com saco em escolas, onde a Maria Granel está presente com projetos de educação ambiental e sensibilização. Outras práticas incluem a nota fiscal digital, o programa Z(h)ero (brincadeira com hero e zero), consultoria e nutricionista presente na loja para atender gratuitamente. Todas as quintas acontecem as Quintas da Maria, dia em que a loja é reconfigurada e recebe uma grande mesa para ofertar oficinas, workshops, aulas culinárias, degustações, conversas, apresentações e lançamento de livros sobre sustentabilidade e alimentação saudável, conceitos são fundamentais neste local que é muito mais do que uma loja, é um ideal de vida. Muito, mas muito amor!



De volta ao Brasil, onde as lojas de produtos a granel estão crescendo, encontramos outra linha de produtos sustentáveis. Pensando nos 720 milhões de copos descartáveis que são (adivinha!) descartados todos os dias no Brasil, sendo que apenas 16% são reciclados, Larissa Kroeff resgatou a prática dos copos reutilizáveis para eventos. Esta ideia existe na Alemanha há quase 30 anos. Ela fundou a empresa Meu Copo Eco, que vende ou empresta em sistema consignado copos reutilizáveis, produzidos em plástico PP (polipropileno), que podem ser personalizados para cada evento. A ideia é disponibilizar os copos para as pessoas participantes por meio do conceito calção: a pessoa paga R$ 5,00 pelo copo, utiliza durante todo o evento e se não quiser levar para casa, devolve o copo e pega o dinheiro de volta. A iniciativa é louvável pelo fato de fazer as pessoas pensarem sobre o desperdício e o impacto negativo dos descartáveis ao mesmo tempo em que ajuda um evento a reduzir a quantidade de resíduos. Mas tem um lado ruim, que é o uso do plástico como matéria-prima, um bem natural não renovável e com uma pegada ecológica imensa. Então, mantenha sempre por perto seu copo retrátil, garrafa durável ou canequinha para usar quando quiser e precisar.



Ações como essa fazem parte do dia a dia de Nicole Berndt, florianopolitana que compartilha sua rotina lixo zero no blog Casa Sem Lixo. Ela, o marido e os dois filhos foram matéria numa emissora de TV local, que mostrou Nicole levando seus potes e sacos ecológicos para as compras a granel e fazendo sua própria pasta de dente. Nicole lembra que como consumidor, nós temos poder e precisamos usá-lo para contribuir com indústrias e empresas na redução da quantidade de resíduos que produzem. Não basta ter consciência, como disse alguém durante o evento, é preciso pedir infraestrutura sustentável às empresas.

Eduarda Jaeger teve um desafio grande em relação a isso. Autora do blog Cuidando do Meio Ambiente, ela falou da sua rotina lixo zero e como foi sua experiência relacionada aos resíduos durante os dois anos em que frequentou a faculdade nos Estados Unidos, onde se viu com o desafio de despertar nos colegas a preocupação com os resíduos. Como na escola não havia coleta de materiais recicláveis, ela guardava as garrafas de plástico usadas embaixo da cama, que eram eventualmente levadas a um centro de reciclagem na cidade.

Eduarda (esquerda) e Nicole

Quem também tem uma vida lixo zero é Lívia Humaire, que compartilha suas experiências no blog Jornada Lixo Zero. Para ela, lixo é um erro de design. Uma boa forma de evitá-lo é buscar soluções localmente (como lojas de produto a granel, por exemplo). Lívia ficou conhecida por planejar e fazer uma festa de aniversário lixo zero para sua filha Iuna, de nove anos, que também se envolveu na proposta. Aliás, foi Iuna que despertou Lívia para a questão dos resíduos, percebendo a quantidade que foi gerada quando a família se mudou de casa, em São Paulo. Lívia contou como foi preparar a festa, qual o resultado e mostrou algumas receitas que faz no dia a dia, de vinagre a pasta de dente. Ela também mencionou o Projeto Fruta Feia, realizado por uma cooperativa em Portugal que objetiva vende frutas e hortaliças “feias” com o objetivo de alterar padrões de consumo, gerar valor para os agricultores e consumidores e combater tanto o desperdício alimentar como o gasto desnecessário dos bens utilizados na produção.

Outra criança preocupada com o nosso planeta é Johann Neves, um pequeno ambientalista e escritor. No vídeo que enviou para ser transmitido no evento, ele mostrou como é a separação dos resíduos em sua casa e outras atitudes sustentáveis que tem no dia a dia. Johann é brasileiro, mas mora na Holanda com a família. Tem apenas 11 anos e é colunista jovem do site Green Nation.



Saindo do âmbito doméstico, vamos falar de negócios. Nara Guichon é estilista e trabalha há 30 anos com moda sustentável. Ela falou sobre o problema dos nanoplásticos, que são um dos fatores de poluição dos oceanos. Como eu contei neste post, toda vez que uma peça de roupa sintética é lavada na máquina, ela solta partículas de plástico que não são retidas na Estação de Tratamento de Água e seguem para os corpos hídricos, somando-se às sopas de plásticos nos oceanos. Por isso, Nara diz que precisamos repensar tudo que consumimos, pois estamos consumindo inconsequentemente. A indústria da moda emprega 1/6 da população mundial e é a segunda que mais polui (a primeira é do petróleo). São utilizados mais de oito mil produtos químicos e 1/3 do que é produzido vira lixo antes de chegar às lojas! Os documentários China Blue e True Cost falam sobre esses e outros impactos da indústria. Para combater isso, a moda precisa ser sustentável. Isso quer dizer que ela precisa ser atemporal (não ditada pelas estações do ano, sem data de validade), respeitar todas as formas de vida e oferecer trabalho digno para os colaboradores.

Nara

Outra percepção que precisamos mudar, diz Nara, é a de preço versus valor. Temos uma noção distorcida do que é caro e barato, devido à externalização de custos que as indústrias praticam para que o consumidor pague um preço baixo – só que desta forma, quem paga os custos reais de produção de qualquer coisa são o ambiente, as formas de vida afetadas nos processos e os trabalhadores. No seu ateliê, Nara trabalha com tecidos naturais (como linho e cânhamo, que são inclusive mais sustentáveis que o algodão) e materiais de reuso como redes de pesca, que são frequentemente deixados nas praias e matam milhões de animais marinhos a cada ano. Para estampar, ela usa a técnica ecoprint de tingimento vegetal, com coloração extraída de flores e plantas. Depois de Nara, quem falou foi Natália Fernandes, que enquanto formanda do curso de Design de Moda, desenvolveu um trabalho de transformação de redes de pesca em capas de prancha.

Natália

Foram apresentados ainda dois projetos desenvolvidos em Florianópolis. Um deles é o Projeto Lixo Zero no Colégio de Aplicação da UFSC em 2014 e 2015 e na Escola Básica Donícia Maria da Costa desde 2016. Quem apresentou o projeto foram Isabela Tsutiya Andrade e Marília Schmitz, acadêmicas do curso de Engenharia Sanitária e Ambiental e educadoras do Núcleo de Educação Ambiental (NEAmb) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O projeto inclui a sensibilização quanto à temática dos resíduos sólidos na escola, a criação de um grupo coletivo lixo zero com estudantes, a preparação de atividades com esse grupo e o desafio lixo zero.

O outro projeto apresentado foi o da Coleta Seletiva Solidária na UFSC. A coleta foi implantada em junho de 2017 e tem coletores para recicláveis e rejeitos. O objetivo do projeto é consolidar a coleta por meio da sensibilização, orientação, capacitação e mobilização da comunidade universitária, além de apoiar a inclusão social, econômica e tecnológica dos catadores de materiais recicláveis.

Por fim, para incentivar as pessoas a reaproveitarem seus resíduos orgânicos, teve uma oficina de compostagem, em que Maria Gabriela Knapp, da empresa Brotei, ensinou como manter um minhocário em casa ou apartamento. Uma dica é prestar atenção no chorume (subproduto da decomposição dos orgânicos, pois 70% deles é água), porque se ele tiver cheiro é sinal de desequilíbrio nas caixas digestoras (onde as minhocas fazem a decomposição dos alimentos). Uma forma de equilibrar é evitar cozidos com sal e colocar bem pouco os cozidos sem sal (o ideal é consumir tudo o que for cozido). O importante é equilibrar o nitrogênio (orgânicos) com o carbono (elemento seco como folhas, palha e serragem). Outra dica é revirar os orgânicos já presentes na caixa antes de acrescentar para acelerar o processo de compostagem, pois isso oxigena a mistura. Durante a oficina, ela também passou outras informações bem interessantes sobre compostagem, como a do processo que utiliza a mosca soldado na fase larval no lugar da minhoca californiana, pois ela decompõe os alimentos na proporção de quatro vezes o seu próprio peso por dia, enquanto que a minhoca decompõe o dobro do seu próprio peso. Quanto à caixa, existe a opção de fazer o minhocário em caixas de feira forradas com vidro. No Peru, estão sendo produzidos minhocários de barro. A Brotei é uma empresa de Florianópolis que faz a gestão de resíduos orgânicos compostáveis com serviços de coleta seletiva de orgânicos, composteiras e hortas para escritórios, condomínios e residências.

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