Audiência pública sobre prédios ao lado do Parque São Francisco demonstra revolta da população

Por Letícia Maria Klein •
01 novembro 2024
"A impressão que tive é de que a audiência pública ocorreu apenas para cumprir mera formalidade, mas se a decisão sobre a aprovação do estudo de impacto ambiental e a emissão da licença ambiental prévia já está tomada, tanto a audiência, quanto o estudo, perdem o seu valor", concluiu Pamela Eduarda Maass, bióloga e uma das principais articuladoras da comunidade envolvida com o caso do projeto de construção de prédios ao lado do Parque São Francisco, após a segunda audiência pública sobre o tema, realizada nesta semana - a primeira foi no ano passado para apresentação do Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV).

A audiência pública para apresentação do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) do projeto ocorreu na segunda-feira, dia 28 de outubro, no Centro Cultural 25 de Julho, em Blumenau. Havia entre 70 e 80 pessoas presentes, com a maioria manifestando abertamente sua oposição à construção. A gravação da audiência, que foi transmitida online, está disponível neste link

Público no início da audiência pública para apresentação do RIMA do empreendimento da Província Franciscana

Neste post vou recapitular o caso (fiz este post anteriormente explicando a situação e alguns impactos ambientais), detalhar o ponto polêmico, relatar como foi a audiência e quais são os próximos passos. 

Recapitulação do caso

O Parque Natural Municipal São Francisco de Assis, localizado em um morro no centro de Blumenau, é uma Unidade de Conservação que surgiu a partir de um acordo feito em 1995 entre a Prefeitura da cidade e a Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil (proprietária do Colégio Bom Jesus, localizado na rua em frente ao morro do parque). 

Em troca da doação de 222 mil m² de vegetação nativa de Mata Atlântica para o município, a Província teria o direito de construir até quatro prédios residenciais em um conjunto de terras limítrofe ao parque, sendo três com sete pavimentos e um com oito, e até dois prédios em outra gleba próxima, sendo um residencial com sete pavimentos e um comercial com 1.000 m², somando 37 mil m² de área construída total nessas seis possíveis edificações. É exatamente essa questão do projeto previsto em lei que tem sido o foco da polêmica. 

O acordo foi ratificado e oficializado na Lei Complementar 99/95, que também formalizou a criação do Parque Natural Municipal São Francisco de Assis. A lei anterior, LC 98/95, estabeleceu a Área de Proteção Ambiental São Francisco de Assis (APA, outra Unidade de Conservação) no entorno do Parque, com o objetivo de restringir os usos ocupacionais e reduzir os impactos à biodiversidade. Na última década, foram identificados um olho d’água e uma nascente nas terras que seriam destinadas à implementação de até quatro residenciais previstos no acordo, além de uma outra nascente já dentro da área do Parque, cuja restrição também incidiria sobre as terras da Província. Tanto o olho d’água quanto as nascentes geram um raio de 50 metros de Área de Preservação Permanente (APP), que são áreas não passíveis de ocupação, segundo a Lei Federal 12.651/12. A identificação dessas APPs levou à doação, da Província para a Prefeitura, de mais 7,7 mil m², correspondentes às áreas com restrição de ocupação, aumentando a área do Parque para os atuais 230 mil m² (23 hectares), ratificada na LC 1.554/24

Na proposta do acordo original e ainda vigente, um dos possíveis prédios estaria totalmente inserido em região de APP, o que inviabilizaria a construção. As restrições geradas pelas APPs possivelmente também atingiriam parte de outros dois prédios, como se vê nas imagens abaixo, editadas para facilitar o entendimento:

Os três retângulos marcados com um X vermelho indicam as construções que não poderiam ser feitas devido à sobreposição com APP, registrada nas fotos abaixo. Na audiência, não foi apresentada uma representação das APPs existentes atualmente e suas restrições sobre o projeto previsto no acordo. 

Representação da situação atual da área, após o desmembramento que culminou na doação de mais 7,7 mil m² para o Parque. Os pontos azuis são as nascentes (os dois de cima) e um olho d'água (abaixo). Os círculos em vermelho são as APPs geradas a partir das nascentes e do olho d'água (raio de 50 metros). Uma parte dessas APPs atinge o terreno onde está previsto o projeto atual das duas torres residenciais (linha contínua amarela).


O que diz a lei é que o Parque passaria a ser de propriedade da Prefeitura mediante a construção dos prédios (depois de liberado o Habite-se). Como os prédios nunca saíram do papel, o acordo nunca foi cumprido na prática. O Parque foi criado, funciona há quase 30 anos, está sob a responsabilidade da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semmas), mas pertence, no papel, à Província. 

Mudanças na legislação

Para que os prédios fossem construídos, e o acordo fosse cumprido, era preciso que a Prefeitura alterasse o Código de Zoneamento do município, e assim foi feito. O zoneamento da área passou de ZPA (Zona de Proteção Ambiental) para ZLE1 (Zona de Localização Especial, onde é incentivado o uso residencial, a proteção cultural e/ou o desenvolvimento de atrativos turísticos e pontos de referência paisagística relevantes) para que os prédios pudessem ser construídos ao lado de uma UC. 

O que também foi aprovado, desta vez via Resolução 07/19, do Conselho Municipal de Planejamento Urbano (Coplan), foi uma nova proposta de empreendimento, que difere da proposta do acordo que continua vigente na lei (de até 6 unidades), devido à questão da APP. Pela hierarquia da legislação, uma lei está acima de uma resolução, então esse movimento poderia ser questionado. 

Em terceiro, era necessário que a delimitação da APA São Francisco de Assis fosse alterada, para que os novos prédios ficassem do lado de fora, junto com outros imóveis que já tinham projetos aprovados antes da lei 98/99, que criou a APA. A nova delimitação foi aprovada em reunião do Conselho Municipal do Meio Ambiente (CMMA) no dia 19/09/2023, reduzindo a área de 508.745,60 m² para 481.084,13 m². Somando as áreas da LC 1.536/23, que alterou os limites da APA, a área total da UC é de 461.398,37 m², então está faltando terreno. 

Mesmo com essa alteração que permitiria a construção dos prédios fora da APA, continua sendo ignorado o fato de que os empreendimentos estariam dentro do raio de 3 km considerado como zona de amortecimento de unidades de conservação sem plano de manejo, segundo a Resolução Conama 428/10. Nem o Parque São Francisco nem a APA São Francisco tem um plano de manejo que especifique um raio de amortecimento, tendo direito, portanto, a no mínimo 3 km. 

Impactos ambientais, sociais e paisagísticos

São inúmeros os impactos que os dois prédios residenciais de 20 andares e o prédio comercial causariam na região, incluindo impactos ambientais, à mobilidade urbana e ao paisagismo natural da cidade (visto que seriam duas torres de 20 metros no topo de um morro coberto por Mata Atlântica). 

A supressão de vegetação nativa, incluindo espécies ameaçadas, a movimentação de terra, os barulhos das obras, a iluminação e sons dos apartamentos, a grande movimentação de veículos e pessoas, movimentação de caminhão de lixo, a proximidade com animais domésticos, a projeção de sombra onde hoje tem incidência solar contínua e a interferência na dinâmica dos ventos devido à altura das torres afetariam diretamente as populações de fauna, flora e funga protegidas pelo parque, podendo levar à diminuição de espécies, fuga de algumas espécies para o outro lado do morro, gerando vazios na floresta, e também a atração de determinadas espécies (especialmente mamíferos) por comida, aumentando o risco de atropelamento e também da domesticação de animais silvestres. 

A construção dos prédios, em conjunto com outros que estariam previstos para a região central se aprovados, aumentaria o efeito de ilha de calor, devido ao aumento de concreto e à redução de vegetação. Ilha de calor é um fenômeno derivado da acumulação de estruturas como edifícios, calçadas e asfalto, que absorvem mais calor e o liberam de forma lenta, ao contrário de uma floresta e outras paisagens naturais. Cidades costumam ter ilhas de calor na região central, onde existe uma concentração de construções. Essa condição tornaria a região ainda mais quente, aumentando a necessidade de ar-condicionado e elevando a fatura de energia das residências e estabelecimentos comerciais na região. 

Existe também um possível risco geológico. Segundo a base cartográfica do município, de acordo com o Decreto 12.227/2019, a área da região em debate está inserida em três classificações de risco: alto perigo ou risco (em laranja, onde estariam os prédios residenciais), de médio perigo ou risco (em amarelo, onde estaria o prédio comercial) e serras e morros altos de controle especial (em verde, o próprio Parque).


Recorte da base cartográfica do município que mostra o trecho entre as ruas Ingo Hering e Francisco Knoch. Área laranja é alto perigo ou risco; amarela, médio risco; verde, serras e morros altos de controle especial. Fonte: GeoBlumenau.

Recorte da base cartográfica do município com a indicação da localização dos prédios do projeto

Por outro lado, o geólogo contratado pelo empreendedor para realizar a análise do terreno, Gerson Ricardo Muller, classificou as áreas onde estariam o residencial e o comercial, conforme a proposta aprovada pelo Coplan, como de baixo a inexistente perigo ou risco e médio perigo ou risco. Segundo seu laudo técnico, "o imóvel em questão, nas condições topográficas atuais, apresenta condições geológico-geotécnico de estabilidade não havendo alguma restrição a sua ocupação" e a sua ocupação "não gera situações de risco aos vizinhos quando obedecidos os quesitos" detalhados no parecer (as medidas protetivas em relação às áreas edificadas no entorno). O laudo foi analisado pela Diretoria de Geologia, Análise e Riscos Naturais (DGEO), da Prefeitura, que "não se opõe ao uso e ocupação da área", conforme parecer do processo. 


Imagem de parte da planta referente ao estudo geotécnico e geológico realizado pelo geólogo Gerson Muller, apresentado junto ao estudo de impacto ambiental. As áreas das possíveis construções foram classificadas como de baixo a inexistente perigo ou risco, em verde, e médio perigo ou risco, em amarelo.

Com as mudanças climáticas, que estão aumentando a frequência e a intensidade de eventos climáticos extremos, é natural que uma construção de 20 andares no topo de um morro gere preocupações quanto a potenciais deslizamentos, que já ocorreram nessa mesma região durante a tragédia climática de 2008. 

Em relação à mobilidade urbana, em 2017, o Ministério Público não recomendou o prolongamento da rua Ingo Hering, a que dá acesso o Parque. Segundo o Relatório de Impacto Ambiental apresentado na audiência e disponível neste link, o empreendimento não contempla a ligação da rua Ingo Hering com a rua Francisco Knoch, no outro lado do morro, o que significa que a Prefeitura teria que arcar com os custos da obra, caso ela aconteça - e tudo indica que ela teria que acontecer se os prédios forem construídos, porque o prolongamento seria fundamental para viabilizar o fluxo de acesso do público, composto por moradores e frequentadores dos prédios residenciais e comercial e também do parque. A própria população acabaria reivindicando esse acesso, acreditam as pessoas envolvidas no caso, devido ao excesso de tráfego na rua Ingo Hering, que é sem saída, e na rua 7 de Setembro, que já tem tráfego intenso atualmente. 

A via projetada consta na lei do acordo e também aparece no mapeamento de vias projetadas da cidade, conforme anexo II e Mapa do Sistema Viário do Decreto 15.624/24, como vias 24, 24a e 24b. Seria um indício de que a Prefeitura considera o projeto como aprovado e realizado, mesmo com o processo ainda em andamento e passível de recusa por parte da Semmas? 


O tracejado vermelho mostra o prolongamento da rua Ingo Hering. A 24 ligaria a Ingo Hering com a rua Francisco Knoch; 24a, Francisco Knoch com a Richard Holetz; 24b, Richard Holetz com a Cuiabá. Fonte: Mapa do Sistema Viário.

Representação da via projetada na base cartográfica do município

Compensações

Duas importantes compensações que a Província teria que fazer foram dispensadas pela Semmas, em reunião do dia 7/7/2023: os passa-faunas terrestre e aéreo e o Projeto de Recuperação de Área Degradada (PRAD). A dispensa se deu mediante à futura doação de duas áreas extras para o Parque, somando 28 mil m², que "garantiriam o fluxo de fauna mesmo após a construção do empreendimento". As áreas extras estão mostradas na imagem abaixo, em azul:


As novas doações, que dispensaram os passa-faunas e o PRAD, em azul. Os terrenos em vermelho são a primeira doação, e o verde, a segunda (Área de Preservação Permanente).

A Semmas considerou que a doação dessas áreas extras, com grande presença da espécie exótica invasora pinus, compensaria as medidas obrigatórias de passa-fauna e o PRAD. Além de implicar mais gastos para a Prefeitura, com uma possível futura remoção da espécie invasora e reconstituição da área, a doação não deveria dispensar, sobretudo sem estudos comprobatórios, os passa-faunas terrestres e aéreos, porque as espécies não conhecem os riscos que vêm com a ocupação humana e vão continuar atravessando pela rua, como já fazem hoje, afirmam fontes. 


Essa decisão foi tomada em uma reunião na Semmas com a presença do secretário municipal na época, Jefferson E. Voigtlander; o diretor de gestão ambiental, recursos naturais e planejamento ambiental, Felisberto José Luciani; os representante da Província Franciscana Imaculada Conceição do Brasil, Dalírio José Beber e Fabio Dutra de Moraes, com a assessoria técnica do engenheiro florestal Fabrício Wilbert. Nessa reunião também foi decidido que a doação das novas áreas ao Parque São Francisco não resultaria em novas exigências quanto às fachadas das torres em seu lado sul e que seria permitida a substituição da vegetação natural frontal às torres residenciais por vegetação de paisagismo. 


A reunião não teve a presença dos técnicos da Semmas nomeados para analisar o Estudo de Impacto Ambiental, conforme registra a ata, e a decisão foi tomada sem a apresentação de estudos que comprovassem os benefícios e ganhos da troca dos passa-faunas e PRAD pelos terrenos. Será que essa reunião influenciará na tomada de decisão pela comissão, ou os técnicos terão autonomia para solicitar as medidas mitigadoras citadas, se considerarem que são pertinentes?

Audiência pública

Resumo do processo

A audiência começou às 19h. A mesa foi composta por:
- Rosimari Bona, secretária de Meio Ambiente e Sustentabilidade;
- Robson Luiz Polmann, engenheiro agrônomo da Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semmas) e designado como secretário da audiência;
- Fabrício Wilbert, engenheiro florestal representante e assessor técnico da Província;
- Ricardo Murilo da Silva, advogado da Cedro Inteligência Ambiental;
- Regina Gonçalves, bióloga da Cedro Inteligência Ambiental e coordenadora do Estudo de Impacto Ambiental;
- Bianca Wachholz, arquiteta responsável pelos projetos, da construtora Torresani, empresa contratada para o projeto.
O representante oficial da Província, o político Dalírio Beber, também estava presente no local, mas não compôs a mesa nem se manifestou em nenhum momento. 


Durante uma hora, a arquiteta e os dois representantes da Cedro, empresa contratada para fazer o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), apresentaram o histórico do projeto, o acordo original, as alternativas locacionais, as características dos prédios com potencial de minimizar os impactos, um resumo do RIMA e os programas de compensação ambiental. Depois de uma breve pausa, a audiência seguiu com as perguntas do público (escritas e orais) direcionadas à Cedro. Conforme dito no início da audiência, a Semmas não se pronunciaria nessa audiência, ficando com a responsabilidade de somente coletar informações para a continuação da análise do estudo e de receber perguntas pelo e-mail cmma.semmas@blumenau.sc.gov.br no prazo de sete dias a contar da audiência. 


Nem todas as perguntas entregues para a mesa na forma escrita foram lidas e, das que foram, nem todas foram satisfatoriamente respondidas. Dessa apresentação, vale ressaltar alguns pontos de omissão ou inconsistências por parte da Cedro:


- Durante a apresentação sobre o acordo original, não foi falado que a proposta previa a construção de até 6 edifícios, termo que faz diferença, pois a construção de um único prédio em cada conjunto de terras já atenderia o acordo. 


- Não foram mostradas informações quantitativas sobre os efeitos da obra em animais, plantas, fungos e corpos hídricos do Parque. O EIA apresentado, segundo fala da Pamela na audiência, informa que 3 espécies de árvores ameaçadas de extinção, com milhares de indivíduos, seriam suprimidas, e aponta onde elas seriam replantadas - local que, segundo a bióloga, possivelmente não seria o ideal considerando as características das espécies. Na resposta a esta pergunta, a representante da Cedro disse que essa área ainda não tinha sido definida. 


- Ficou evidente, por parte das falas do advogado e do representante da Província, que vale a situação de dois pesos e duas medidas quando se fala de legislação: "não haveria alternativa à construção dos prédios naquela localidade, porque o acordo precisa ser cumprido", conforme ressaltado por eles várias vezes (a lei precisa ser cumprida), mas não houve problema em mudar o Código de Zoneamento do município para fazer valer o acordo (a lei pode ser alterada). 


- Não foram apresentados layout nem detalhes do prédio comercial. 


- No RIMA apresentado, consta que as áreas onde estariam localizados os prédios são de baixo ou médio risco geológico. Essa classificação vem do laudo do geólogo contratado pela empresa, mas eles citam a base cartográfica do município como fonte (GeoBlumenau), que por sua vez classifica a área onde estaria o residencial como de alto risco. Conforme já mencionado, a DGEO aprovou o laudo do geólogo contratado pela Cedro que classifica as áreas visadas como de baixo ou médio risco. 

Alternativas locacionais

Diferente do primeiro RIMA protocolado pela Cedro, que previa duas alternativas diferentes da proposta da lei, o novo RIMA e a apresentação na audiência mostraram o que seria o projeto original, sem fazer menção às APPs e restrições atuais, além dos outros dois. O projeto preferido pelo empreendedor, justificado como melhor em termos ambientais, seria a alternativa locacional 3, porque teria a menor área de intervenção. O EIA apresenta os impactos relativos a esta proposta, que contempla dois prédios residenciais de 20 andares e um comercial de 8. Porém, nunca foram feitos estudos sobre a proposta original.

Alternativa locacional 1, conforme acordo original, sem a projeção das APPs e restrições atuais

Alternativa locacional 2, que teria menos intervenção do que a 1 e mais do que 3

Alternativa locacional 3, a escolhida pela Província

"Apresentaram um projeto totalmente diferente do proposto no acordo vigente e formalizado na lei complementar 99/95. Não existe estudo comprovando que a proposta do acordo vigente seria mais prejudicial do que a nova proposta, como foi abordado pelo advogado que prestou apoio na apresentação do relatório de impacto ambiental", afirmou Pamela. Durante a audiência, ela se manifestou a esse respeito. A arquiteta Bianca respondeu dizendo que inicialmente havia sido entregue ao Coplan um projeto com quatro prédios de 10 andares, também diferente da proposta original, mas somando os mesmos 37 mil m² de área construída previstos na lei. Depois de um ano e meio sob análise, em 2019 o Coplan aprovou o projeto atual composto por 2 torres residenciais com 20 pavimentos cada e um comercial com oito pavimentos, diminuindo a quantidade de edificações, mas aumentado sua altura para manter a mesma quantidade de área construída. 

"Além disso, os impactos ambientais decorrentes da possível implementação do empreendimento não foram mensurados, bem como as medidas mitigadoras não ficaram claras, impossibilitando, na minha opinião, a análise da viabilidade para implantação do projeto no local proposto. Ressalto também que, até hoje, não foi apresentado o layout do projeto em trâmite na prefeitura, que contempla 2 torres residenciais com 20 andares, 1 comercial e 1 estacionamento. Apenas imagens ilustrativas dos residenciais foram apresentadas, não sendo possível visualizar a inserção do projeto todo na paisagem." 

Manifestações do público e respostas da mesa

A maioria dos presentes se mostrou contrária ao projeto, com manifestações verbais e também uso de placas, de forma pacífica, mas calorosa. Houve até uma votação simbólica, solicitada por um dos presentes na plateia, para que todos aqueles que fossem contra levantassem a mão, quando então ficou evidente a preferência da maioria pela não construção do projeto.


"A audiência marcou a participação da comunidade, o braço social e cultural da dimensão da sustentabilidade entrou no debate, que até então estava restrito às reuniões do Coplan, Semmas e acordos internos entre prefeitura e Ordem Franciscana. A audiência não trouxe uma alternativa capaz de convencer para o problema do risco ambiental ecológico e paisagístico, o que ficou claro é que a base de toda defesa da prefeitura foi salvar um acordo econômico, que não está acima dessas garantias de segurança e direito coletivo. A prefeitura precisa encontrar um caminho para determinar a capacidade real de suporte para o local. Os apontamentos realizados pelos especialistas presentes na audiência ontem mostraram várias inconsistências na proposta defendida pela prefeitura por parte do Coplan e Semmas", afirma Daniela Sarmento, arquiteta e urbanista presente na audiência. 


"Temos que encontrar uma saída que aponte o potencial real de suporte daquela área, como é feito em todas as áreas de preservação, e o que não for possível construir nesse local a prefeitura pode doar outros locais ou encontrar outras contrapartidas. O que ficou claro também é que a comunidade entendeu que ali não é local para 2 torres de 20 pavimentos fruto de um acordo econômico feito 30 anos atrás e que fere muitos requisitos ambientais, urbanísticos e de segurança. Outro ponto importante: o debate foi qualificado e apontou a fragilidade daquela área, e isso ilumina os riscos e impactos de outros empreendimentos que foram autorizados pela prefeitura naquela região de área de risco no entorno do shopping. A audiência abriu a caixa de pandora e a necessidade urgente de se detalhar um Plano Municipal de Paisagem para Blumenau."


Foram feitas dezenas de perguntas escritas, além das manifestações orais, e algumas ficaram sem respostas ou tiveram respostas insatisfatórias, como, por exemplo:


  • Como alteraram a delimitação de uma Unidade de Conservação (a APA São Francisco) sem estudos prévios e consulta pública?
  • A supressão de vegetação requerida para a construção dos prédios e do estacionamento causará perda de hábitat e deslocará o efeito de borda para o interior dos fragmentos florestais remanescentes e, sobretudo, para o interior do Parque. A área que precisará ser suprimida hoje se comporta como uma zona de amortecimento para o Parque, então qual será a dimensão do efeitos de borda sobre o ecossistema protegido pelo Parque?
  • Como ficará a visitação ao Parque e as pesquisas científicas durante as obras e a manutenção da sede no mesmo local, visto que há relatos de que ela seria transferida para o outro lado do morro, perto da Cia. Hering? Respondida parcialmente, que a visitação é de responsabilidade do poder público (nessas horas, ironicamente, o parque é de posse da Prefeitura).
  • Quais as alternativas à não construção naquela localidade?
  • Se a área é privada e dizem que o Parque não existe em teoria, como justificar o fato de a Prefeitura ter declarado como de utilidade pública quatro terrenos para fins de desapropriação sob justificativa de ampliação do Parque?
  • Qual o embasamento técnico para dispensa do passa-fauna e do PRAD?
  • Por que a zona de amortecimento de 3 km prevista em legislação nacional não está sendo respeitada?
  • Por que o Conselho não indenizou ou comprou o terreno conforme orientação do Ministério Público, em laudo técnico de 2017, de que "caso não seja identificada alternativa técnica locacional que concilie o respeito às restrições legais e ambientais incidentes sobre a área investigada e os interesses do empreendedor, sugere-se a permuta desta área por outra com aptidão para a ocupação pretendida e a anexação da primeira ao Parque Natural Municipal São Francisco de Assis"?

Houve muitas falas importantes de membros da comunidade preocupados com a construção desse projeto, em destaque a fala da Rejane, uma que engloba vários impactos e pergunta à mesa se haveria alternativas à construção (ao que o advogado novamente respondeu como "legalmente não", voltando à questão de dois pesos e duas medidas).

Soluções

Uma das grandes preocupações é o que pode acontecer com o Parque caso o acordo seja desfeito, e existem soluções que priorizam o Parque nesse sentido.  


Como o próprio advogado da Cedro disse na audiência, se o acordo for desfeito, o parque volta a ser propriedade privada. A partir daí, a Prefeitura poderia comprar o terreno, indenizando a Província mediante a declaração daquela área como de utilidade pública, ou propor a troca daquele terreno por outra área pública para a construção, conforme o Ministério Público já recomendou, onde não houvesse tantos impactos ambientais, sociais e paisagísticos. Segundo Rejane, anos atrás o município ofertou terrenos na parte norte da cidade, no bairro Itoupava Central, em troca, porém a Província não aceitou. O representante da Província presente na audiência, Fabrício Willbert, que está envolvido no caso desde 2017, disse desconhecer essa situação, mas que levaria a questão aos responsáveis (será?). 


Considerando os impactos à biodiversidade do Parque e à mobilidade urbana, o alto risco geológico, a alteração da paisagem, aumento do efeito de ilha de calor, mudanças climáticas e aumento do risco de enchentes e deslizamentos, saneamento básico, o dano ao bem-estar público por causa de todos os impactos e também a manifestação contrária de um grande número de cidadãos, é preciso que a Prefeitura e a Província reavaliem o acordo. Existe também a possibilidade de a construtora Torresani não querer se envolver na obra. Segundo fontes, o proprietário da Torresani está preocupado com a "confusão" que o empreendimento está gerando e não gostaria de ver o nome da construtora envolvido em polêmica, possivelmente perdendo o interesse em prosseguir. Entrei em contato com a empresa para obter esclarecimentos sobre o assunto, mas não tive retorno até a publicação desta matéria. 


A aprovação de um empreendimento de luxo, no topo de um morro, ao lado de uma Unidade de Conservação, abre precedentes perigosos, facilitando a autorização de outros projetos que tem tanto quanto ou até mais pontos negativos do que positivos - como é o caso de um projeto similar de construção sobre a parte de trás do Shopping Neumarkt, também ao lado da APA e do parque São Francisco! O projeto prevê três torres residenciais com 17 pavimentos cada. O Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV 012/2022) foi aprovado pelo Coplan na Resolução 06/23, com acréscimo da apresentação de um Estudo Ambiental Simplificado (EAS) devido à proximidade com as UCs. Até a presente data, o EAS está em análise por uma Câmara Técnica nomeada dentro do Conselho Municipal do Meio Ambiente, conforme encaminhamento dado na reunião do dia 24/09/2024. Em seguida, será analisado pela mesma comissão que está avaliando o EIA/RIMA da Província, na Semmas. 


Figura da fachada do prédio, conforme EIV aprovado

Figura da parte posterior do empreendimento, conforme EIV aprovado

A partir dessa audiência, a comissão técnica da Semmas continua a análise do EIA. Em seguida, o estudo segue para análise da Câmara Técnica do Conselho Municipal de Meio Ambiente. Se o estudo for aprovado pela Semmas e pelo Conselho, a licença ambiental prévia será emitida - e se aprovado, a Procuradoria-Geral do Município precisará ser questionada quanto à mudança da lei do acordo para validar a aprovação, visto que o projeto atual difere do que está na lei. Se o projeto for reprovado, não há licença nem empreendimento. Mesmo que a licença ambiental prévia seja emitida, ela não permite o início das obras. Ela aprova a localização e a concepção do empreendimento, além de atestar a viabilidade ambiental. Posteriormente, para início das obras, deve ser requerida a licença ambiental de instalação. Além disso, os projetos devem ser aprovados pela Secretaria de Planejamento Urbano e também deve ser emitida autorização para supressão da vegetação. 

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