Você já parou para pensar na sua comida? Na sua relação com a comida? Por que você come o que você come? De onde vem tudo o que você come? Como foi cultivado, produzido, manipulado, transportado? Teve implicações éticas, ambientais, espirituais? Quais? Fica cada vez mais claro para mim, através de leituras, vídeos e agora bem mais forte com as experiências aqui na Schumacher College, que a alimentação é uma das expressões mais fortes da nossa relação com o mundo. Ela conta uma grande parte da nossa história. E pode nos trazer muitas reflexões. Nesta semana rolou uma conversa aqui que me fez repensar algumas coisas na minha alimentação.
Will Tuttle, autor do livro The World Peace Diet – Eating for Spiritual Health and Social Harmony (“A dieta mundial da paz – alimentando-se para saúde espiritual e harmonia social”, em tradução livre), conversou com a gente por Skype sobre suas ideias. Will é vegetariano há mais de 40 anos e depois se tornou vegano. A mãe dele também acabou se tornando depois, com 70 anos! Hoje ela tem 88 e é a única do grupo de amigas dela, segundo Will, que não toma remédios.
A conversa foi só uma hora e o livro é bem grande, mas deu para perceber que a questão gira em torno dos nossos sentimentos e emoções. Tem a ver com o primeiro aspecto da ecologia profunda, com a noção de valor e dignidade intrínsecos a todos os seres e elementos naturais, independente de propósitos e usos humanos.
Uma dieta animal, baseada na criação de animais para o abate, precisa de muito espaço. Este processo de conseguir terra, criar, abater, transportar e comer vai gerando impactos negativos, como poluição, degradação do solo, desmatamento, sobrepesca e produção de grãos para alimentar bois, vacas, porcos, galinhas, patos, etc. Neste processo, os sentimentos estão ausentes e as conexões entre pessoas e animais também. Se não conseguimos ver as conexões com outros seres e elementos na teia da vida, acabamos não tendo compaixão e gentileza para com eles e o planeta, explicou Will.
A ligação entre paz e dieta está no fato, segundo ele, de que guerras de desigualdade são exemplos de domínio da humanidade sobre outros seres e elementos da biodiversidade. Ele diz que enquanto houver produção de comida para alimentar animais criados para abate e pessoas passando fome, nunca haverá paz. Isso porque as relações aí estão danificadas, tanto para com os animais quanto para com as pessoas que não têm o que comer. A ideia é que um mundo de paz tem seres livres e saudáveis, então se quisermos ser livres e saudáveis, precisamos deixar que os outros seres também sejam. Para isso, “mude a única pessoa que você pode mudar, você mesmo”, disse.
Antes, eu pensava que não havia problemas em consumir leite e derivados orgânicos, mas durante a fala dele eu fui percebendo que não é bem assim. Eu perguntei a ele como funcionam as fazendas orgânicas para produção de leite e derivados. Claro que existem exceções e nem sempre é preto no branco, mas a resposta dele mostrou que a imagem que eu tinha de fazenda orgânica de animais era distorcida.
Por mais que o processo de extração do leite e produção de derivados seja orgânico e que o bem-estar dos animais seja levado em consideração, ainda é um negócio. O que significa que os filhotes são separados das mães quando nascem para que se possa extrair mais leite, que as vacas são inseminadas artificialmente todos os anos e que elas são mortas depois de algum tempo, quando não são mais úteis no ponto de vista antropocêntrico. Assim, o que o Will questiona é como ter uma sociedade justa, pacífica e livre enquanto destruímos as relações entre os seres.
As exceções incluem, por exemplo, propriedades bem pequenas em que o boi está presente para procriar com a vaca e os filhotes ficam com a mãe durante o dia para mamar, como a Ella Sparks, que trabalha aqui na escola, me contou depois da entrevista.
A alimentação é um dos pontos essenciais da Schumacher College (muito mais sobre isso logo logo no blog). Eu já era vegetariana antes de vir para cá e consumia muita coisa orgânica. A ida à feira dos produtores locais era garantida! Eu já não tomava mais leite tradicional (que vinha da produção industrial de leite e derivados) e tinha diminuído o consumo de manteiga e queijo; ovos, só orgânicos. Como a oferta de restaurantes e cafeterias orgânicas e vegetarianas em Blumenau é bem pequena, nem sempre eu conseguia manter essa dieta.
Saber que a maioria das fazendas orgânicas de animais não se encaixa na visão que eu tinha mexeu comigo. Incluí meu nome na lista de dairy free (livre de leite e derivados) a partir daquele dia e estou tranquila. Teve macarrão outro dia e eu acabei colocando queijo ralado por cima. Como tudo na natureza, é um processo, então eu vou aos poucos me adaptando. Continuo com os ovos orgânicos das galinhas da Schumacher ou das fazendas vizinhas. Mas vou visitar o galinheiro para conhecer mais as galinhas e ver como elas vivem aqui.
E assim vou vivendo, aprendendo, (me) conhecendo e mudando um pouquinho a cada dia.
Diário de bordo #7 – Dietas da paz
Por Letícia Maria Klein •
31 outubro 2016
Letícia Maria Klein
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