Transição para a economia do bem-estar

Por Letícia Maria Klein •
10 maio 2017
No segundo vídeo da série “Da Schumacher para o mundo”, o tema é economia para transição (o primeiro foi sobre ciência holística). Nesta série, estou mostrando um pouco do que é debatido e conversado nos cursos da Schumacher College e que podemos aplicar na nossa vida para o cultivo de hábitos e atitudes sustentáveis. Foram mais de trinta minutos de conversa com o coordenador e professor Jonathan Dawson e o professor Tim Crabtree, do curso de Economia para Transição, sobre economia holística, o que é a nova economia, exemplos da nova economia no Brasil, vida em comunidades intencionais, conexão entre economia e espiritualidade e passos para quem quer fazer a diferença e empreender seguindo os novos paradigmas econômicos. Como no vídeo não cabe tudo, as entrevistas completas seguem abaixo. Depois de assistir e ler, comente aqui para trocarmos algumas ideias.



O que é a economia vista de uma maneira holística?
Jonathan Dawson: Uma definição convencional de economia seria o que passa pelo mercado, sujeito a trocas monetárias. Começaríamos com a suposição de que, na verdade, há muitas coisas que passam pelo mercado que não contribuem para o nosso bem-estar. Acidentes de trânsito, derramamento de óleo, usinas nucleares, guerra; todos estes contribuem para o valor econômico e monetário. Similarmente, há muitas coisas que não passam pelo mercado que são essenciais ao nosso bem-estar, como criar filhos, trabalho comunitário, voluntariado e a quantidade crescente de trocas acontecendo pela internet que não conectadas a dinheiro e mercados. Então, uma visão muito mais aberta inclui uma quantidade muito maior de atividades humanas do que apenas o que passa pelo mercado.

O que é a nova economia?
Jonathan Dawson: Acredito que não existe só um tipo de pensamento sobre a nova economia. Há muitas ideias e paradigmas emergentes que estão desafiando as formas convencionais de fazer as coisas. Mas acho que provavelmente o que a maioria destes novos pensamentos tem em comum é que, ao invés de ter o crescimento como propriedade central da economia, o foco é em bem-estar e felicidade. Fundamentalmente, supõe-se que no sistema atual o crescimento econômico representa o bem-estar, o que não é verdade. Para além de um nível bastante baixo de bem-estar material, o relacionamento entre mais consumo e bem-estar deixa de existir. A ideia de que a melhor maneira de nós agirmos é simplesmente aumentar o consumo de bens materiais é uma suposição muito rasa. Então, se realocarmos o bem-estar para o centro, o propósito da economia, teremos todo o tipo de novas possibilidades e áreas.

Como foi sua experiência como presidente do Global Ecovillage Network (Rede Global de Ecovilas)?
Jonathan Dawson: Minha experiência como presidente foi muito interessante. Foi um verdadeiro privilégio poder viajar por tantas iniciativas diferentes. No começo, foi um pouco confuso, pois, pelo menos no mundo industrializado na época que o GEN foi criado, o número de ecovilas sendo criadas era relativamente baixo. A maioria das grandes ecovilas foi criada nas décadas de 1960, 70 e início de 80. No começo foi confuso, pois achávamos que nossa missão era criar muitas ecovilas, o que não estava acontecendo apesar do grande trabalha que estávamos fazendo. Acho que para mim, a ficha caiu quando eu percebi que, na verdade, o objetivo não era necessariamente replicar novas ecovilas, mas usar as existentes como centros de treinamento, tecnologia, pesquisa e desenvolvimento. Esta visão nos trouxe mais significado e mais satisfação com o trabalho.

Como tem sido sua experiência de viver em comunidades?
Jonathan Dawson: Eu vivi em três comunidades diferentes nos últimos 20 anos, começando em uma pequena em Dorset, depois em Findhorn por 11 anos e há cinco anos na comunidade Bowden House, perto de Totnes. Para mim, é um esforço muito grande viver fora de comunidades intencionais. Ao longo dos anos as pessoas me perguntavam se não era difícil viver em comunidade e eu respondo “Você acha fácil viver por sua conta?” ou “Você acha fácil viver numa unidade nuclear?”, porque eu não acho fácil. Nunca achei. Coisas como o potencial para espaço e generosidade são muito maiores em comunidade. Eu encontrei meu habitat natural. Todas as comunidades são diferentes, provavelmente a maior diferença é o tamanho. Findhorn se tornou mesmo uma vila, cerca de 500 habitantes. Onde eu estou agora, somos em 35 adultos e 10 crianças. Findhorn tem os atributos de uma vila, então você pode chegar e comprar uma casa, enquanto que Bowden House tem seu próprio processo de para se tornar membro e é muito claro quem é membro e quem não é. Eu gosto muito de viver em comunidade.

Quais são os benefícios de viver em comunidade?
Jonathan Dawson: A melhor forma de ilustrar as vantagens de viver em comunidade é descrever o que aconteceu em Bowden House na semana passada. A comunidade é musical, então na quinta houve uma noite de canto, então vieram pessoas de fora. O fim de semana foi de Halloween, então tivemos festa para as crianças com gostosuras ou travessuras. Tivemos um almoço coletivo e à noite, por ser o último domingo do mês, houve um grande coral com pessoas de dentro e fora da comunidade, cantando juntas. Também temos um centro comunitário. Em todas as quintas temos atividades de jardinagem e de apicultura abertas ao público externo. Temos 10 acres de terra, pomares, jardins, oficinas (eventos) e espaços que podemos usar para enriquecer nossas comunidades vizinhas. Claro que também pode haver desafios. Precisamos estabelecer limites, estruturar como tomar decisões, regras para quem quer usar os espaços e sob quais condições. Conflitos quase sempre acontecem, mas viver em comunidade nos dá a oportunidade de resolvê-los conscientemente, ao invés de fugir deles. Então, há desvantagens, claro, mas sou um grande fã.

Você já viajou muito para o Brasil. Quais os exemplos de nova economia que existem lá?
Jonathan Dawson: É interessante que muitos brasileiros vêm aqui para Schumacher College aprender sobre nova economia, mas, na verdade, muitos dos bons exemplos de nova economia vêm do Brasil. E geralmente os brasileiros respondem com “Sério, nunca ouvi falar”. Um dos exemplos mais bem-sucedidos de moedas complementares é o Banco Palmas, com a moeda palmas, criado em Fortaleza, mas hoje há mais de 100 bancos de desenvolvimento comunitário replicando este modelo. Todo o experimento em Curitiba em relação à criação de empregos, à qualidade da alimentação, qualidade do sistema de transporte coletivo. O fenômeno dos orçamentos participativos, que começou em Porto Alegre, em que comunidades recebem uma parcela do orçamento municipal e decidem como utilizá-la; este modelo já se espalhou pelo mundo.

A lenda do mascate de Swaffham
Jonathan Dawson: Existe uma lenda sobre um rapaz fazendeiro de uma vila chamada Swaffham [a lenda chama-se The Pedlar of Swaffham, o Mascate de Swaffham], em Norfolk. Ele tinha sonhos repetitivos que lhe falavam para ir até a Ponte de Londres e que se ele ficasse lá, ficaria rico. Então ele deixa sua vila e vai para Londres, onde fica sentado na ponte por uma semana. Pessoas passam e nada acontece. Quando ele está prestes a ir embora, um homem chega e pergunta o que ele estava fazendo sentado na ponte. O jovem fazendeiro responde: “Bem, estou meio constrangido de dizer, mas eu tive sonhos poderosos que me diziam que se eu viesse até aqui e sentasse aqui, ficaria rico”. E o homem disse: “Não seja tolo, não acredite em sonhos. Um dia eu tive um sonho poderoso que me mostrou que se eu fosse até uma vila chamada Swaffham e cavasse debaixo de uma cerejeira atrás de uma casa, haveria um pote de ouro”. E o homem descreveu exatamente a casa do fazendeiro. Então o rapaz retorna para sua vila, cava sob a árvore, acha o pote de ouro e fica rico. A moral da história é que o tesouro estava lá o tempo todo, ele não precisava ter viajado. [O maior tesouro do mundo se encontra em nossas próprias casas, jardins, na nossa família, quando se sabe reconhecer; outra moral é que talvez seja preciso primeiro se afastar para depois voltar e encontrar o tesouro.]

Que conselhos você dá para aqueles que querem empreender, sair do velho paradigma e fazer algo novo?
Jonathan Dawson: Vou imitar Satish [Kumar, cofundador da escola] e dizer “Não consiga um emprego, a última coisa que você quer é conseguir um emprego, crie o seu próprio sustento, seu próprio trabalho". É claro que há trabalhos no sistema tradicional que são úteis, eu mesmo estou fazendo um deles. É possível achar um bom trabalho no sistema. Mas muito do bom trabalho que tem sido feito é através de pessoas que saíram do sistema e refletiram sobre como poderiam ocasionar mudanças, não supondo que seria um trabalho no sistema vigente, mas uma organização ou algo assim que elas mesmos criariam. Eu diria que uma coisa muito importante é que as pessoas parem de pensar em si como indivíduos e procurem colaboradores. Quando você encontra um time, um grupo, todo tipo de coisa se torna possível.

É possível relacionar economia e espiritualidade? Como?
Tim Crabtree: Sim, acredito que é possível. Eu cresci numa família que não tinha interesse em religião. Então, aconteceram duas coisas. Assisti ao filme Gandhi quando tinha 16 ou 17 anos e foi a primeira vez que vi alguém que ligava espiritualidade com ação no mundo, o que me impressionou bastante. Isso me fez repensar espiritualidade e religião. A segunda coisa foi a leitura de “Small is beautiful”, de E. F. Schumacher [em português o livro se chama “O negócio é ser pequeno”], quando tinha 17 ou 18 anos, e tem este capítulo chamado Economia budista. Fiquei impressionado por este capítulo, em que ele fala sobre a ideia de subsistência certa. Ele fala que na economia tradicional, o trabalho é visto como desagradável, algo que tentamos reduzir a um mínimo. Mas no budismo, trabalho é importante, visto como parte da vida espiritual. Quando eu estava na faculdade, em 1984, eu comecei a estudar aikido, que é uma arte marcial japonesa e foi a primeira vez que encontrei uma prática espiritual, a meditação. Então, escola de verão naquele ano, veio um monge zen que veio do Japão, que nos ensinava meditação de manhã e relacionava com aikido. Desde então tenho praticado o Budismo e me interessei muito sobre como relacionamos espiritualidade e nossa prática no mundo, que no meu caso é economia. Por um longo tempo, a minha ênfase estava em atenção plena [mindfulness], mas eu passei a entender que a prática não tem só a ver com atenção plena, porque esta pode ser muito focada no seu eu [self], em como uma pessoa é centrada ou atenta. Mas, na verdade, o cerne do Budismo é a ideia de interser [interbeing], de que não existe separação entre nós e o mundo ou entre nós e o ambiente, entre nós e outras pessoas. Portanto, à medida que vamos tendo esta experiência através da nossa prática, a ênfase vai mais para compaixão ou conexão com outros, e então querer ajudar os outros, fazer a diferença no mundo, porque este mundo é uma extensão de nós e certamente nós iríamos querer tentar cultivar generosidade, amor e bondade. Esta é uma mudança que tenho visto na minha prática e acho que aqui na Schumacher, o modo como eu tento trazer isto para minha atuação como professor é que eu trabalho com uma budista professora e nos últimos anos a tenho convidado para ensinar aqui, pois ela é uma profissional experiente e então tentamos ligar espiritualidade e economia.

Quais os passos para fazer uma diferença no mundo ou mudar algo que te perturba?
Tim Crabtree: Uma das coisas que exploramos na Schumacher é que nossa cultura dominada pelo ocidente tem essa ideia de que tudo é conduzido pelo lado cognitivo, pela abordagem racional. Então, podemos olhar para um problema, como o ambiental, e vê-lo bem racionalmente e então pensar “qual o método racional de abordar este problema?”. Meus estudos são em desenvolvimento de economias locais e de empresas sociais. Então, quando identificamos um problema, podemos pensar em fazer um plano de negócio, ter uma visão, mas é tudo bem cognitivo. Outra coisa que aprendi com Schumacher é que, na verdade, nós temos que começar na esfera efetiva, que é a esfera conectada com nossas emoções. Eu, por exemplo, estou sempre me envolvendo com coisas que me atraem. Nos últimos três anos, tenho feito muitos trabalhos em florestas, porque eu gosto de árvores e adoro estar em florestas. Na Inglaterra, temos poucas florestas e elas não são bem manejadas. Se eu abordo esta questão apenas pela perspectiva cognitiva, eu diria “Isto é um problema, temos que fazer algo a respeito”. Mas eu posso vir da perspectiva de gosto de estar na floresta, plantar árvores, trabalhar com madeira, então isso toca uma emoção positiva que eu tenho. Outro exemplo é que eu abri uma empresa social que faz refeições para crianças na escola. Há certos problemas; na cidade onde eu moro, muitos pais não conseguem dar uma boa alimentação para seus filhos. Mas cheguei até isto porque tenho filhos e eu adoro cozinhar para eles. Então nós começamos a ajudar escolas a criarem seus próprios jardins onde as crianças poderiam plantar. Começamos a organizar oficinas onde as crianças poderiam cozinhar. Foi uma ação que começou com esta dimensão positiva da comida. Também precisamos incorporar a dimensão criativa e imaginativa das coisas, porque se iniciarmos da perspectiva cognitiva, trata-se de separar as coisas, analisá-las. Porém, imaginação e criatividade são sobre unir as coisas em novas formas, pensar novas formas de fazer as coisas. Então, se pudermos unir o efetivo/emocional com o criativo/imaginativo, parece-me uma maneira melhor de começar, pois o ponto de partida é uma energia positiva que nos atrai, em vez de um problema com o qual nos preocupamos e precisamos fazer algo a respeito. Nem sempre é bom ser impulsionado pelo que sentimos raiva ou preocupação e então tentar lidar com isso racionalmente. A terceira coisa que aprendi com Schumacher foi que somos ensinados a nos ver como separados, observador e objeto, e que estamos tentando fazer algo para o mundo. Aqui na escola exploramos formas diferentes de ver o mundo não como separado, mas com o que estamos intimamente conectados e relacionados, seja através da fenomenologia, práticas contemplativas, ecologia profunda, a construção social (ramo da psicologia que fala sobre como criamos significado juntos e como nos desenvolvemos a partir da nossa relação com os outros), enfim, práticas que exploram esta conexão que temos com os outros e com o mundo. Acho que este é um conjunto de práticas com o qual nós podemos começar e que se torna a base do que fazemos ou do que nos atrai. Então nós podemos trazer o lado cognitivo, o pensamento complexo, o pensamento sistêmico, o plano de negócios, abrir uma empresa, fazer um projeto, mas temos que começar nestes outros lugares para que o que façamos tenha mais vida.

Como você reúne pessoas em torno de uma ideia ou projeto?
Tim Crabtree: Acho que é muito fácil ter uma ideia para um projeto, o desafio é como você reúne pessoas em torno desta ideia para que ela se torne um projeto compartilhado, um esforço compartilhado. Quando eu lembro os trabalhos que fiz, eles começaram com uma ideia. Uma que eu tive foi criar um centro para comida local onde eu moro. Então, nós alugamos um prédio, levantamos recursos financeiros, renovamos o prédio, criamos uma cozinha comercial e a nossa ideia era que os fazendeiros locais viriam até o prédio e transformariam seus produtos em outros alimentos. Nós vimos esta ideia funcionando muito bem nos Estados Unidos e pensamos que poderíamos fazê-la funcionar na Inglaterra. Então conseguimos o prédio, montamos a cozinha e ninguém veio. Bem, algumas pessoas vieram, mas não o suficiente para pagar o aluguel. Então começamos a pensar no que mais poderíamos fazer com a cozinha. Já estávamos trabalhando com escolas e uma das coisas que não se ensina na escola fundamental é cozinhar. Então decidimos começar a fazer aulas de culinária para crianças. Isto começou a funcionar muito bem e levou a mais conversas com crianças, pais e professores. Nestas conversas, surgiu a questão de que nestas escolas em Dorset, não há cozinha para fazer almoço quente para os estudantes. Crianças de família com baixa renda recebiam um almoço embalado, como sanduíche, e era horrível, feito em Londres e depois carregado por 140 milhas e as crianças não queriam aquela comida. Então nós pensamos que poderíamos usar a cozinha que montamos para fazer um almoço simples, como sopa e pães [lá na Inglaterra é costume almoçar sopa com pão] e começamos a tentar e se tornou popular. Isto levou a mais conversas sobre como nós poderíamos fazer isso em mais escolas e se poderíamos fazer mais do que sopa. Então, de repente, o governo fez uma mudança na política pública que obrigava escolas a oferecer refeições quentes e precisavam cumprir padrões nutricionais. Isto foi um problema duplo: as escolas com as quais tínhamos contato não tinham cozinha para fazer estas refeições quentes e as sopas que fazíamos não atendiam ao padrão nutricional exigido pelo governo. Então reunimos os diretores de oito escolas e dissemos: “por que não criamos um empreendimento social que faça refeições escolares para suas escolas?”. A alternativa era que eles teriam que ter um contrato com uma fábrica que ficava a 200km de distância e fazia refeições congeladas e a ideia era que as refeições seriam transportadas e esquentadas em micro-ondas nas escolas. Nenhum dos pais, professores e crianças quis isso. Então eles ficaram entusiasmados com a ideia de criar um empreendimento social. Conseguimos arrecadar mais dinheiro, montamos uma segunda cozinha no centro para comida local. Hoje, oito anos depois, a empresa possui saldo positivo e tem um volume de negócios de 1 milhão de libras por ano, empresa 30 pessoas e trabalha com 33 escolas. Quando olho para trás, esta empresa começou porque a ideia original do centro de comida local para fazendeiros não funcionou e por meio de conversas aleatórias e eventos, ela evolui de outra forma. Para mim isto é uma lição. É fácil ter uma ideia e dizer “eu farei isto”, mas, na verdade, sua ideia não vai funcionar exatamente como planejada, então é necessário perceber que o processo mais importante precisa estar aberto a conversas, tentar criar o máximo de conexões possível com as pessoas da comunidade para que você esteja aberto a possibilidades, porque você não tem como prever quais serão estas possibilidades, mas se você cria espaço para estas conversas, você tenta ao máximo criar conexões que possam levar a algo e algo vai surgir, mas você não necessariamente sabe o que é.

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