Um ano sem compras - Entrevista com Marina Viana

Por Letícia Maria Klein •
14 novembro 2013

Foi o que fez Marina Viana entre os meses de maio de 2011 e 2012. A psicóloga que vive no Paraná decidiu encarar o desafio de ficar 365 dias sem comprar qualquer coisa que não fosse estritamente necessária. Coisas que achamos mega importantes, mas que, na verdade, continuamos muito bem sem. Durante esse tempo, ela relatou tudo no blog Um ano sem compras, que fez para compartilhar a experiência (e no qual ela escreve até hoje). Roupas, maquiagem, produtos de beleza, calçados, bolsas, acessórios, CDs e DVDs, utensílios para casa, livros (que foram bem difíceis pra ela, que assim como eu adora ler!), revistas, entre outros, estavam na lista dos proibidos. Alguns eram liberados, claro, como xampu, sabonete, produtos de limpeza, comida, remédios, material para artesanato (que ela adora fazer), cinema, teatro e viagens, por exemplo. O objetivo? Refletir sobre o consumismo e os excessos que nos rodeiam em nossa rotina diária. Mas o projeto levou Marina muito mais além. Confira abaixo a entrevista super show que ela concedeu ao Sustenta Ações.

 Veja aqui o que Marina não podia comprar e o que ela podia comprar ou repor

Como surgiu a ideia de ficar um ano sem comprar o que achamos que é necessário? 
Marina Viana - Eu estava passando por uma fase de querer me desfazer dos excessos e fazia muitas pesquisas na internet sobre o assunto. Em uma dessas pesquisas descobri o site de uma inglesa que tinha passado um ano sem comprar na tentativa de vencer sua compulsão por compras. Achei a ideia interessante e quis fazer uma experiência semelhante, só que por outros motivos (nunca tive uma compulsão por compras). Eu queria refletir sobre o consumismo, o excesso de objetos que tinha em casa, a quantia de dinheiro que investia nisso e a minha forma de lidar com o consumo de um modo geral.

A sustentabilidade foi a ou uma das principais motivações? 
MV - Eu não diria que a sustentabilidade estava entre as principais motivações no início. Quando comecei o ano sem compras eu não sabia muito bem por que territórios eu iria caminhar e a sustentabilidade me parecia mais um efeito colateral de não comprar do que qualquer outra coisa. O interessante é que a sustentabilidade foi se tornando um tema de maior interesse da minha parte conforme o ano sem compras se desenrolava e aos poucos passou a ser um dos principais motivos para fazer algumas escolhas. Hoje eu percebo que a noção de sustentabilidade está intimamente ligada ao sentimento de pertencer a uma comunidade e ser um agente de melhoramento do mundo. Eu passei a acreditar mais na força das boas ideias e em fazer as coisas da melhor forma possível. A verdade é que meus motivos iniciais para ficar sem comprar eram bem confusos... Precisei ficar um tempo sem comprar para elaborar melhor a motivação. E aí a sustentabilidade acabou aparecendo com bastante força.

Como foi a experiência? Foi difícil no começo? Houve tentações no caminho?
MV - A experiência foi bastante intensa e diversa. Em alguns momentos foi fácil, em outros sentia mais dificuldade e assim eu fui seguindo... No início eu precisei pensar muito sempre que ia a locais voltados ao consumo, porque comprar era algo que eu fazia automaticamente. Houve momentos em que eu quis comprar sim, seria mentira dizer que não. Foi difícil deixar de comprar um livro que eu vinha procurando há anos e encontrei em um sebo, bem baratinho. Esse foi o momento mais difícil, porque a última vez que o livro foi publicado tem mais de um século...

Que técnicas você utilizou? No seu blog você fala em consumo colaborativo.
MV - Eu troquei alguns objetos com pessoas próximas e até com leitores do blog que acabei conhecendo pessoalmente. Aprendi a usar sites como o Livra Livro e semelhantes, que permitem fazer trocas com pessoas de todo o país. Outra coisa que eu fiz bastante foi dar novos usos aos produtos e objetos. Aprendi que hidratante corporal pode ser usado como creme para raspar as pernas e que uma camisa básica de botões fica ótima como uma blusinha de frio leve sobre um vestido se eu deixar os botões abertos. Tive de ser criativa, sabe? Hoje eu vejo valor e utilidade em praticamente tudo.

Como você administrou o tempo que antes era usado para fazer compras?
MV - No início eu fiquei sem saber o que fazer com esse tempo. Eu não era super consumista, mas acabei sentindo diferença em alguns momentos do dia. Na hora do almoço eu não podia comprar nada, então comecei a ler. Eu li 30 livros só nesses intervalos. Também passei a curtir mais as coisas que eu já tinha e a companhia das pessoas. Passei a desfrutar mais a vida.

O que essa experiência mudou na sua vida? Mudou sua visão de mundo? Você adquiriu novos hábitos? Quais?
MV - Mudou muita coisa! A minha visão de mundo se ampliou e percebi que muitas das inseguranças que as pessoas têm foram cuidadosamente arquitetadas e estimuladas pelo mercado. Passei a ter uma visão mais crítica desta ideia tão difundida da classe média de que a gente tem que estudar, fazer faculdade, ter um emprego que pague bastante, casar, comprar casa grande, carro bacana e ter casa na praia. E passei a ligar menos, muito menos para o que as pessoas pensam da minha vida e das minhas escolhas. Hoje em dia eu compro bem menos e me sinto realmente próspera. Aprendi a adiar o momento de comprar algumas coisas de que preciso (estou adiando trocar a geladeira há mais de dois anos e a que eu tenho, apesar de meio tosca, continua funcionando e dando conta do recado). Descobri que não preciso de quase todas as coisas que eu achava que precisava e aprendi a reavaliar as minhas necessidades para ter uma visão mais realista sobre o que é essencial, sobre o que é importante. Passei a valorizar mais os amigos, a família, meus bichos, meu trabalho e descobri que eu fico mais feliz quando levo essa mensagem a outras pessoas e trabalho para um mundo melhor, mais simples.

Quais foram os efeitos na questão econômica? A redução nos gatos foi significativa?
MV - Os efeitos foram quase nulos durante o ano sem compras. Eu não consegui juntar dinheiro, não fiz uma poupança. Acho que acabei gastando mais com coisas que eu queria fazer mas nunca sobrava dinheiro para fazer, como viajar, ir a espetáculos, etc. Hoje em dia, no entanto, estou conseguindo juntar dinheiro e me esforço para pagar quase tudo à vista. Vejo algumas pessoas próximas comprando roupas, sapatos e cremes aos montes e eu sigo vivendo em paz com as coisas que eu tenho, só comprando o que me faz falta de verdade. E como é pouca coisa, aos pouquinhos o dinheiro começa a ser empregado em coisas mais úteis.

Como foi a recepção das pessoas aos seus posts no blog Um Ano sem Compras? Você soube de leitores que seguiram seu exemplo?
MV - A recepção foi muito boa e eu não esperava isso. Algumas centenas de pessoas já passaram períodos sem compras após ler o meu e outros blogs que falam sobre consumo consciente. Eu achei que o blog fosse ter só uns três ou quatro leitores, mas ele tem milhares, o que só me leva a crer que esse movimento de repensar o consumo é algo que está realmente ganhando mais adeptos.

Quanto tempo depois de lançado o blog começou a ter boa visibilidade? Como você fazia a divulgação dele?
MV - O segredo de conseguir leitores para o blog foi participar de outros blogs com assuntos afins e comentar, manter contato. Linkar blogs que você gosta de ler também ajuda, porque o dono do outro blog começa a ver que está recebendo tráfego vindo do seu blog e vai te visitar. Se a pessoa gosta do que lê ou quer te dar mais visibilidade ela pode te linkar também. Blogar não deixa de ser uma forma de se relacionar com outros blogueiros, sabe? Aos poucos você consegue alguns leitores fiéis e começa a ter links seus por aí e a coisa começa a andar meio sozinha. O meu blog começou a ter mais visibilidade quando o ano sem compras já estava passando da metade. Foi uma coisa inesperada, sabe? Eu sempre achei que fosse ter poucos leitores.

Faz um ano e meio que você completou a tarefa. Como é a sua vida hoje? Você considera que o projeto foi um divisor de águas na sua vida? Você se considera mais feliz hoje do que antes do projeto? 
MV - Minha vida mudou bastante. Hoje aderi ao movimento que muitos chamam de vida simples e também adoto alguns princípios do minimalismo. A minha vida é dedicada muito mais às coisas que realmente importam, como minha família, meu trabalho, etc. O projeto foi um divisor de águas sim, apesar de eu continuar tendo as minhas contradições. Eu sou muito mais feliz que antes, mas isso não é só porque parei de comprar por um ano. O que mudou a minha vida foi a reformulação de muitos conceitos que eu tinha e a decisão por buscar sentido em coisas diferentes do que eu buscava antes.

Muito bacana, não é mesmo! Eu sempre pensei 10 vezes antes de comprar qualquer coisa. No começo, lá atrás, o motivo era financeiro. Há algum tempo minha maior motivação é a sustentabilidade. Desde janeiro eu comprei apenas uma peça de roupa, e ainda porque eu me esqueci de levar roupa de banho para um lugar que tinha piscina. E você, encararia o desafio? Como é a sua relação com o consumo?

ATUALIZADO: o blog Um Ano Sem Compras está aberto exclusivamente a leitores convidados. 

2 comentários:

  1. Lourdinha12/03/2013

    Oi, cheguei ao seu blog por meio do comentário que você deixou no blog da Marina "um ano sem compras" E foi a partir do blog da Marina que em tornei leitora de blogs e descobri alguns muito bons. Adoro ler livros e agora tenho tb blogs para ler ehehe.
    Concordo com vc no quesito natal: "O Natal é uma época mágica e o maior presente é poder vivê-lo com quem se ama. "O Ano sem compras me fez refletir muito sobre consumo e sobre a vida em geral .Por isso esse ano vou ter que reinventar meu natal, um natal mais simples, sem muita papagaiada nem consumo, e sim cheio sentido e sentimentos bons. Um abraço e parabéns pelo blog. Lourdinha.

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    1. Olá Lourdinha! Seja muito bem-vinda ao Sustenta Ações! Fico feliz que tenha gostado. Eu também adoro livros e blogs! Ler é fantástico, né. O post da Marina sobre o Natal me inspirou a fazer um sobre o tema também, com foco no minimalismo. Desejo-lhe um Natal muito mágico e cheio de boas vibrações e bom sentimentos!
      Abraço e obrigada por comentar!

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