O papel da alimentação num mundo sustentável

Por Letícia Maria Klein •
19 outubro 2017
No quarto e último vídeo da série “Da Schumacher para o mundo”, a conversa gira em torno da alimentação como fundamento de um mundo sustentável, a alimentação orgânica e a importância de nos conectamos com a comida, do cultivo ao consumo. Para esta conversa muito interessante, entrevistei a agricultora chefe Jane Gleeson, a cozinheira chefe Julia Ponsonby, as chefes vegetarianas Ruth Rae e Tara Vaughan-Hughes e a colaboradora Voirrey Watterson, que faz o pão de fermentação natural consumido todos os dias na Schumacher College. O vídeo com o principal das entrevistas e as entrevistas completas estão abaixo. A discussão rendeu!



Qual a importância de ter acesso à comida orgânica?Jane Gleeson: Eu acho que o acesso à comida orgânica é fundamental. Não deveria ser privilégio dos que podem comprar. E esta situação doida em que nos metemos [em termos de alimentação com agrotóxico e industrial] é de que geralmente nos custa mais do que a alimentação não orgânica. Mas, claro que há muitos fatores que não são inseridos nessa equação. Na realidade, a produção de alimentos orgânicos não é mais cara. Se feita da forma adequada, pode ser mais barata, na verdade, porque você não gasta com pesticidas e fertilizantes etc. Então, a questão dos custos é falsa. Há também outro ponto: nós teremos que mudar de opinião sobre o preço que pagamos pela comida. Precisamos pagar o valor apropriado pela nossa comida, que no momento é tão fortemente subsidiada. E claro que, se você for um pequeno agricultor, você não se beneficia com essa situação. Na verdade, é bem difícil ganhar a vida se as pessoas não estão dispostas a valorizar a comida e pagar por ela. Em termos de alimentação humana, nossa nutrição é uma necessidade básica. Porém, estamos dispostos a pagar bem mais caro por coisas mais distantes na hierarquia de necessidades. Gastamos muito mais com a nossa casa do que com a nossa comida. Por isso ela foi barateando ao longo dos anos. Até que essa visão de mundo mude, as pessoas vão considerar a comida orgânica cara, e na verdade, ela não é. Até termos um entendimento completo do nosso sistema alimentar e do seu valor, vai ser difícil convencer as pessoas, especialmente as de baixa renda, que vale a pena consumir orgânicos.

Qual a importância de se conectar com a comida?Jane Gleeson: Eu penso que é muito importante que as pessoas tenham uma conexão forte com a comida e de onde ela vem. É chocante pensar, por exemplo, que tem pessoas que não sabem qual é a aparência de um pé de brócolis. Também acho que produzir alimentos numa escala pequena, sem grandes maquinários e insumos pesados, se você se afasta do modelo industrial, é um trabalho intenso, mas se todos vissem o cultivo de alimentos como parte do seu dia a dia, de alguma forma, eu penso que isso dividiria o peso e tornaria a tarefa agradável. Algumas pessoas acabam tendo um alto ideal do que é a alimentação orgânica e pode parecer difícil às vezes, se há poucas pessoas fazendo isso. Quanto mais pessoas fizerem isso, é uma situação ganha-ganha. As pessoas se conectam com a comida, veem de onde ela vem e veem a importância do desenvolvimento dos vegetais e como eles crescem bem. Se as pessoas dividem a tarefa, a tarefa se torna agradável. É uma pena que muitas pessoas nunca tenham visto uma planta germinar. A realidade é que muitas pessoas moram em cidades e não têm acesso à terra, mas viver no campo não é a única forma de ser sustentável, tem que haver outras maneiras de as pessoas fazerem isso. Então, eu penso que todos os movimentos de permacultura e sustentabilidade urbana e como pensar e criar espaços de produção de alimentos orgânicos nas cidades são fundamentais.

Como podemos reduzir o desperdício de alimentos?Julia Posonby: Quando você cozinha, considere a quantidade de pessoas que vão comer. Se você faz uma receita para seis pessoas, mas só uma vai comer, congele o restante. Outra forma é consumir alimentos orgânicos, pois não há necessidade de descascá-los. Você também pode ver o desperdício de comida não como lixo, mas como recurso que retorna através da compostagem, que vai produzir um solo muito rico para as frutas e verduras que você produz. Com o restante dos alimentos você também pode alimentar animais, como galinhas. É mais difícil em larga escala, quando se pensa em termos de comércio e grandes mercados. Na Schumacher College nós lidamos bem com o desperdício, pois fazemos compostagem, congelamos bem os alimentos e temos o dia das sobras, em que as pessoas comem o que sobrou da semana. Você pode ser criativo ou só esquentar as sobras como estão. Não fique comprando comida nova, saiba sempre quantas sobras tem na geladeira. Não tenha vários potes com pouca comida dentro, que são empurrados para o fundo da geladeira e ficam mofados.

Como podemos nos reconectar com a comida no nosso dia a dia com nossas agendas lotadas?Julia Posonby: Com as nossas agendas lotadas, nós precisamos priorizar a comida. Preparar a comida e comer junto é muito importante para nos conectamos, compartilhar a comida é muito importante. Se mesmo nas nossas próprias rotinas nós não conseguirmos ter tempo de cultivar alimentos e cozinhar todos os dias, talvez nós possamos fazer um grupo com outras pessoas, nos revezar para cozinhar e compartilhar a comida. Talvez tenhamos algum produtor local envolvido em nosso círculo. Também podemos cultivar alguns vegetais no peitoril da janela. Há cada vez mais iniciativas relacionadas à comida. Podemos participar de um sistema de recebimento de caixa de alimentos. Precisamos encontrar um perto de onde moramos e nos inscrevermos. Você se conecta com a comida quando você vê como ela se parece e se envolve na sua preparação, em vez de comprá-la direto do mercado embalada em plástico, geralmente já um pouco velha, então o valor nutricional não é tão alto como quando você come comida fresca. E então sentir o bem-estar que os alimentos frescos, orgânicos, te dão. Reconectar com o alimento da terra à mesa, com uma atividade compartilhada.

Ruth Rae: uma das melhores formas de se conectar com a comida é vê-la de uma ponta à outra da jornada, seja indo ao mercado comprar ingredientes ou cultivando-a na sacada ou indo à feira de produtores locais. E então cozinhar em casa, juntar a família, mesmo se for uma vez por semana para fazer alguma receita. Outra forma é ter acesso a restaurantes, talvez trabalhar na cozinha por uma semana para ver como é a jornada do alimento. Ter essa questão nas escolas também é importante. Nós costumávamos ensinar as crianças a cozinhar nas escolas aqui na Inglaterra e isso acabou por um tempo, mas agora está voltando aos poucos.

Qual é o papel da comida num mundo sustentável?Julia Posonby: A alimentação é um dos fundamentos de um mundo sustentável. Quando pensamos em comida local, em um mundo sustentável, em que há menos carbono sendo emitido em viagens aéreas e marítimas, isso implica que precisamos produzir alimentos localmente. A produção local de alimentos é fundamental para um mundo sustentável, em que as pessoas possam comer onde produzem. Não estou dizendo que não pode haver comida indo de um lugar a outro, porque é muito bom poder ter alguns temperos de outras partes do mundo que não conseguimos cultivar aqui, mas eles são pequenos e leves. Podemos ter essas coisas que não têm alto custo para o ambiente, mas ter a principal parcela da sua dieta produzida localmente. Isso é muito importante num mundo sustentável. Também porque nos incentiva a nos envolver com a produção local de alimentos e isso aumenta a conexão entre as pessoas e estimula a ideia do faça você mesmo e se envolver na colheita e ver como as coisas acontecem.

Como comer bem causando o menor impacto ambiental?Tara Vaughan-Hughes: Comer orgânicos, alimentos locais e da época. Outra forma muito útil é aprender a cozinhar. Assim, você consegue fazer uma ótima refeição a partir do que tem em casa e se sentir satisfeito, porque satisfação e saciedade são uma das coisas mais importantes quando você come. Nessas condições, você consegue fazer um banquete a partir de repolhos e nabos.

Quais as diferenças entre o fermento pronto para pão e a fermentação natural?Voirrey Watterson: O fermento pronto remonta ao início da produção industrial de pão, por isso se tornou tão popular. Nos países do leste europeu ainda se usa o sourdough [fermento para fazer pão que consiste numa massa de fermentação feita a partir de farinha e água, que é produzida uma única vez e a cada receita de pão é retirado um pouco e acrescida com uma parte da mistura da nova receita, sendo “refrescada”], como Rússia e Polônia. Eles comem muito pão de sourdough e conseguem fazer numa escala industrial. Agora este processo está voltando aqui na Inglaterra e as pessoas estão querendo mais este tipo de pão. Em parte porque há muitas questões de saúde em torno do trigo, as pessoas não conseguem digeri-lo apropriadamente. Há um argumento que diz que é devido ao modo como fazemos pão, pois há muito glúten não processado no produto final. Quando você tem o processo do sourdough, o glúten é muito mais processado e há outras coisas nos grãos que também são processadas dessa forma. O processo ocidental de fermentação é muito rápido e não dá tempo para as coisas acontecerem. É preciso tempo para a massa úmida e os grãos neste processo. O processo de fazer pão é uma ciência.

O que significa para você fazer seu próprio pão? Qual é a importância de fazer o próprio pão?Voirrey Watterson: Quando você faz o sourdough, tem a ver com sintonizar com um processo que conecta você a outros processos, pequenos e grandes. Seu pote de sourdough está repleto de vida e tudo interage, é uma cultura incrível que existe lá dentro. Se você pode usar isso para fazer seu pão, você começa a conhecer como é o processo. Quando estou mexendo a massa e a deixo descansar, ela começa a soltar bolhas, podemos ver que está respirando, que há vida ali. Eu vou deixá-la descansando à noite e amanhã de manhã a massa terá perdido peso. A massa está expirando gás carbônico, assim como nós, e absorvendo oxigênio. Há todas estas trocas acontecendo, produtos diferentes de diferentes organismos, que são consumidos por outros organismos. Assim a farinha contém mais organismos e fica bem feliz dentro do seu pote na geladeira. Fazer pão significa sintonizar com a vida e com vidas misteriosas, pois sei que existem organismos e que eles estão fazendo essas trocas, não sei precisamente como eles são. Não conheço os detalhes, mas me beneficio do processo. Isso acontece em nosso estômago, no nosso corpo, no solo, no ar e nós somos parte disso. Há diferentes níveis de sistemas mágicos e misteriosos. Podemos estudar as partes e saber os detalhes, mas no todo nós esperamos que tudo funcione da maneira que é.

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